Dei comigo a fazer coisas que jamais imaginei fazer (talvez até jurasse que nunca o faria): gritar aos meus filhos e... (engolir em seco antes de escrever isto)... dar-lhes palmadas.
Sim, já dei palmadas aos meus filhos e não me orgulho de o dizer.
Não, não passei a acreditar nas palmadas pedagógicas e, sim, continuo a achar que ninguém tem o direito de violentar ninguém - quer seja verbal, quer seja fisicamente.
E agora, onde fica a minha incoerência?
Fica num buraco triste e sem fundo. Fica numa desilusão imensa de mim para mim.
Mora nos momentos de desespero em que cresce uma distância imensurável entre aquilo em que acredito e a urgência em mostrar-lhes que determinado comportamento é inadmissível.
E respondo com um comportamento também inadmissível.
Será que, afinal, acredito na palmada pedagógica? É que, reparem, luto contra a ideia de que a minha palmada foi um acto incontrolável. Eu não sou como os protagonistas da violência doméstica que depois se mergulham em choros e pedidos de desculpa, eu não digo que não o queria fazer (não o desejava fazer, mas sabia o que estava a fazer).
Afinal, quem comanda o quê nestes momentos? O desespero. É o desespero que toma conta de nós, é a ideia de "último recurso". E quando caímos em nós, pensamos que não pode ser. Sendo bem certo que a palmada surge após a escalada de comportamentos abusivos e repetidos por parte das crianças, há sempre hipótese de fazerem pior, e depois o que fazemos? Mais palmadas? Até doer a sério? Não, não pode ser.
E, assim, damos por nós num lugar solitário e dorido e de arrependimento atroz: falhámos numa das promessas mais importantes, falhámos num dos princípios mais básicos na nossa ética de vida. E cresce uma dor profunda dentro de nós. Olhamos os nossos filhos e pensamos coisas terríveis sobre os danos possíveis da palmada. (não, não me escondo atrás do "eu levei palmadas e não estou traumatizada")
Olhamos os nossos filhos e não nos resta mais senão aceitar a nossa humanidade, que nada mais é do que a prova da nossa imperfeição. Olhamos os nossos filhos e sentimos a urgência de compaixão: para com eles e... para connosco.
Voltamos a fazer votos com as nossas convicções - depois de as confirmarmos de nós para nós (haverá quem as mude e passe a incluir a palmada no seu repertório?).
Isto tudo dói terrivelmente. Por esses dias, fugimos de toda a informação sobre a parentalidade positiva e com apego e não é por tentar negar esses princípios - é por nos sentirmos indignos da companhia de quem se mostra mais capaz do que nós.
O amor entretanto sobrepõe-se e recomeçamos o regresso à sensação de sermos também dignos.
E todo este caminho é tão solitário.
Esta solidão tem muitas portas por onde entra: os juízos de valor, por exemplo, que já nos magoaram profundamente. Se já é difícil que as pessoas sejam compassivas na parentalidade biológica de cada um, garanto-vos que na parentalidade através da adopção o não são de forma implacável. Principalmente as pessoas que têm dificuldade em aceitar quem vive de forma diferente à sua. Sentimos nos seus olhares, ouvimo-lo nas suas palavras e recebemo-lo como balas no peito através de algumas atitudes - que nos doem mais ainda quando são direccionadas aos nossos filhos: primeiro atiram e só depois perguntam. E eu deixei de responder. Fechei a loja para quem me julgou implacavelmente e me deitou ao chão em três tempos morais. Acabou. Porque há limites para os falsos humildes, os falsos simples. Há limites para o espaço que damos aos passivo-agressivos das nossas vidas. Há limites para a benevolência perante atitudes sobranceiras e que trazem mau-estar de facto. Cada um que se amanhe com as suas inseguranças, mas que não as imponha aos outros por causa de serem diferentes.
E, assim, damos por nós numa solidão maior. É bem certo que é uma solidão também escolhida, mas não deixa de ser um lugar difícil.
Entretanto, fiz escolhas conscientes e calculadas. Mantenho todas as pessoas nos meus círculos, apenas umas estão nos círculos mais interiores enquanto outras passaram para círculos mais afastados do meu centro.
Dei com esta moça há algum tempo - cujo site certeiramente se chama "famílias imperfeitas", diz umas coisas que me têm ajudado. Fala desta solidão que creio que todos, em alguma altura, já sentimos. Fala de algo que nunca devemos deixar de fora desta equação e cuja expressão em língua inglesa exprime muito bem: it takes a village (to raise a child) - a comunidade...
Cipreste
4 comentários:
Tentamos o nosso melhor e somos humanos. Costumo dizer que se nunca errássemos, então os nossos filhos teriam a dura tarefa de não poderem ser imperfeitos. Como teriam eles espaço para falhar se nós não tivéssemos?
A compaixão por mim, aliada a querer ser melhor mãe (não porque acho que "devo" ser melhor, como se fosse obrigação, mas porque quero crescer e é um privilégio e uma jornada do caraças), tem sido o que mais me tem ajudado. Não estás sozinha embora às vezes nos sintamos sozinhos porque há coisas que por mais comuns que sejam a todos, só podem ser totalmente vividas com uma parte solitária, só nossa. Beijinhos!
Nós queremos ser perfeitas! Mas não somos, e um dos dificeis exercicios da maternidade é termos que ter a humildade para lidarmos com as nossas muitas imperfeições. (Eu pecadora me confesso!!) . Mas os nossos filhos não querem mães perfeitas...querem mães que amem, que sejam humanos e por isso que também errem de vez enquando. Porque só errando, e perdoando (a nós mesmas), poderemos tambem ensinar aos nossos filhos que a vida é assim mesmo: - Ninguem é perfeito, ninguem consegue fazer tudo bem, que errar, analisar o erro, pedir desculpa, aceitar, perdoar, e tentar melhorar é o que se espera de cada um de nós!
Beijinhos
Patricia
Gosto muito das suas palavras, Patricia.
Também acho que das coisas mais dificeis de aceitar na maternidade é que vamos cometer (muitos) erros, e que isso é garantido à partida. Acho que aceitar isso é fundamental, embora dificil, pelo menos para pessoas como eu que têm a mania que controlam tudo... Depois há o ideal e há o dia a dia... Curiosamente, eu sempre me senti so na minha escolha de não recorrer à palmada, porque todas as pessoas que conheço o fazem e acham que não é possível educar sem ela. Acho possível, mas muito mais dificil, até porque isso implica soluções alternativas para as situações descontroladas. Quando me sinto próxima da palmada, identifico o comportamento e partilho com as minhas filhas aquilo que me enerva, que me dá vontade de bater. Depois tento afastar-me quando os comportamentos aparecem. Já gritar, é muito mais dificil de evitar. Embora ultimamente, a R. tem andado tão desorientada e a fazer tantos disparates que dei por mim a manter uma calma surreal. Mas são fases. Tento em conta a possibilidade de erro, com ou sem palmadas, tento evitar a culpa. Ajo, penso, erro, erro erro, tanto que nem dou conta. E penso novamente. Esse processo faz-me crescer. Aquilo que decidi foi que partilhava estas minhas falhas com as minhas filhas, e digo muitas vezes que não quero gritar, que não me quero zangar... Não estás só, estamos todas sós juntas :) Beijinhos e abraços
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