segunda-feira, 6 de julho de 2015

Criar

Quando me dei com dois filhos no regaço não foi no amor de mãe que pensei, não foi isso que senti em primeiro lugar. Quando me dei com dois filhos no regaço foi a possibilidade o seu sofrimento que tomou conta de mim.
É óbvio que, se falamos de uma situação de adopção, estamos a falar de perdas específicas, mas não falo apenas do evidente sofrimento que se adivinhará a quem o percurso de vida familiar tenha sido interrompido precocemente. Falo do sofrimento natural e inerente a todos nós.
A primeira vez que me deparei com uma situação de stress da minha filha, com aquele corpo magro a tremer e ela a encostar-se a mim como se quisera entrar por mim adentro, senti que ia desfalecer, pensei mesmo que ia desmaiar. Quis fugir. Não era possível que o sofrimento daquele ser pudesse influenciar de tal forma a minha capacidade respiratória. Mas foi – é – possível.


Tenho dois filhos maravilhosos. São as pessoas mais corajosas que conheço. São pessoas de bem com a vida.
São os meus heróis.


O nosso início de vida foi como o é a vida no seu todo:implacável. Estávamos juntos há menos de um mês quando o estado de saúde do meu pai se começou a agravar até que nos deixou, ainda não havia passado dois meses da nossa vida em comum. Ao entrar numa vida nova e totalmente desconhecida com sonhos de serem um príncipe e uma princesa, prontos para viver felizes para sempre, os meus filhos vieram encontrar uma mãe em lágrimas.
Assim, a nossa vida começou com risos e choro à mistura, com conversas sobre o amor e sobre a tristeza. Afinal, não estavam ali apenas duas crianças de luto pela sua vida anterior, mas uma família inteira de luto.

Dou comigo, assim, no lugar em que me questiono como posso criar os meus filhos para saber estar de bem e conviver naturalmente com o sofrimento próprio da vida. Sinto, assim, que a dimensão do amor pelos filhos não passa, para mim, por descrições cor-de-rosa sobre como seria capaz de dar a minha vida por eles ou que os filhos é que vêm dar sentido à nossa vida. Aliás,sempre achei que existir para dar sentido à vida dos pais é no mínimo, e para começar, uma herança demasiado pesada para um filho.
Adiante.

Não deixo de ler o que posso sobre pedagogia, o que não é o mesmo que dizer que ando à procura da teoria acertada para educar. Para lá do ensino das boas maneiras à mesa, a educação para a vida nada tem que ver com discursos e é quando nos vemos mergulhados no meio destas emoções todas que damos verdadeiro sentido ao “educar através do exemplo”.
É óbvio que temos desejos para o tipo de pessoa que gostaríamos que os nossos filhos crescessem para ser, para além das suas essências próprias, mas nada mais do que o básico: ser boa pessoa, honesto, amigo, trabalhador, etc.


Passam 8 meses desde que a minha vida mudou para sempre – assim mesmo, com todo o dramatismo próprio à frase que acabo de escrever. 
Assinalo os dois grandes marcos desta viragem da minha vida: a confirmação de que a aprendizagem sobre o bem-querer vem do bem-querer ele próprio e não de palavras vãs, precisamos de actos coincidentes com as palavras; e a constatação de que o meu bem/mau-estar vai estar para sempre a passo com o destes dois seres maravilhosos que entraram de rompante na minha vida.

Este texto que linko resume o que tentei dizer neste post, de uma forma que receio ter sido atabalhoada mas que penso ser útil na partilha de experiências e dúvidas que cabem a muitos de vós que estão deste lado comigo. Acima de tudo, é sobre a nossa capacidade de luta contra o sofrimento de um filho quando percebemos e aceitamos que a vida (também) é sofrimento e que é possível conviver e rir com ele sem ter de decretar derrotas antecipadas à morte – pois esta é a única coisa que não tem remédio.

Brian Rea

«The most optimistic people often struggle the hardest. They can’t quite square what’s going on in the world with their beliefs, and the disparity is alarming.
(...)
In retrospect, my poetry project was a harmless sideline that kept me benevolently out of her way as she struggled not just to see the horizon but to march bravely toward it.»




Cipreste



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