segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Temas fracturantes: onde a porca torce o rabo

(e o gosto de conversar, pelo que o post é muito longo e provavelmente inútil o tempo gasto a lê-lo)

Não foi há muitos anos que encontrei uma forma instantânea para me solucionar dúvidas nos temas fracturantes da sociedade.

Despenalização do aborto. Adopção por casais do mesmo sexo. Doação de gâmetas e o direito da pessoa a saber a verdade sobre a sua origem genética. Eutanásia. O cartaz do Bloco de Esquerda. Etc.

Estes assuntos são tão complexos que devemos sempre desconfiar de soluções instantâneas. Não usei a expressão acima para depois me contradizer como um truque de escrita para atrair a atenção de quem lê. A contradição está lá, ela existe. É verdade que, em determinados assuntos, uso da fórmula instantânea.

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Antes de avançar, gostaria de sublinhar três coisas:

- Não aceito a realização de referendos para a legislação de direitos individuais

- Acho que se deve dar lugar à discussão pública pelas entidades competentes e que esta, aliás, deve ser renovada amiúde e não apenas para o momento legislativo

- Acho que concordamos todos que estes temas são complexos. O facto de termos opinião sobre eles não quer dizer que os tratemos de forma leviana. Lamento que alguém encete uma discussão e que a arrume para canto confundindo o desejo de não continuar a discussão com a conclusão típica da complexidade do assunto e da sua privacidade.
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As sociedades tendem à mudança. Aquilo em que se acreditava e que se advogava há 100 anos é muito diferente dos dias de hoje. Aliás, não precisamos de ir tão longe, o nosso país é um bom exemplo com o antes e o após a ditadura. E não esqueçamos que estou a falar do mundo ocidental com todas as diferenças dentro do mesmo (por exemplo, a pena de morte que ainda é muito real em tantos países do ocidente) e que existem fenómenos para nós arcaicos que são prática corrente em tantos outros países do “resto do mundo”. (só para registo: detesto esta distinção entre “ocidental” e “resto do mundo” mas não tenho agora tempo para ser menos “estereotipante”)


Quando uso as expressões “acreditava” e “advogava” estou a fazê-lo para distinguir aquilo que cada pessoa acredita para si daquilo que fica legislado. Isto é importante.


Ao afirmar acima que não foi há muitos anos que encontrei a forma instantânea de me solucionar nos temas fracturantes da sociedade o que quero dizer é que, tenho reparado que a chave para uma “solução” mais imediata para estas dúvidas está no lugar da discussão em que uma parte das pessoas recua.
Vou tentar explicar-me com exemplos.


Despenalização do aborto

Eu acho que somos todos contra o aborto e pró-vida. Aliás, acho a utilização da designação pró-vida por parte dos grupos contra a despenalização uma apropriação indevida do termo.

 A questão que se coloca não é se a pessoa é a favor do aborto, a questão que se coloca é a da sua despenalização e consequente abertura de condições para que seja realizado condignamente. Podia explorar agora o facto de que o aborto existe desde sempre etc., etc., mas não é aí que quero ir, eu quero ir à “solução instantânea”.
Eu acho que as pessoas se enredam nos milhentos argumentos emocionais e esquecem-se de se questionar sobre o significado de cada lado do tema.

Repare-se: se sou contra a despenalização do aborto isso quer dizer que sou a favor da sua penalização. Portanto, penso que a mulher que cometer aborto deverá ser penalizada legalmente (Coima? Prisão?) e, consequentemente, sou contra haver condições de saúde pública para que o façam em segurança. Não resolvo o fenómeno da existência do aborto na minha sociedade nem resolvo a consciência daqueles que praticam ou irão praticar o aborto. A única coisa que faço é permitir que se continue a fazer abortos em condições degradantes (mais toda a economia paralela do aborto) e que essas pessoas sejam punidas legalmente.

Afinal, o que houve de instantâneo aqui? O seguinte raciocínio: se sou contra a despenalização do aborto > sou a favor da sua penalização  > penso que a mulher que cometer aborto deverá ser penalizada legalmente (Coima? Prisão?) > e sou contra haver condições de saúde pública para que o façam em segurança.

É bem certo que o exercício, para ser intelectualmente honesto, deverá ser feito no sentido inverso. Vejamos o que me acontece: se penso que a mulher que cometer aborto não deverá ser penalizada legalmente  e se, reconhecendo que o aborto existe, sou a favor de haver condições de saúde pública para que o façam em segurança  > sou a favor da despenalização do aborto > sou a favor da sua legalização.

Agora questionam-me se a liberalização (sim, acabei de comparar despenalização com liberalização) não trará a sua vulgarização. O que traz a liberalização do aborto são outros quinhentos e os resultados estão à vista, lá está, com as sociedades ocidentais a tenderem todas para a liberalização. Bem, ninguém disse que o tema é simples, pelo contrário, assumi logo a sua complexidade. Não tenho respostas para tudo (ainda bem, senão era apenas uma idiota que pensava ter respostas para tudo). Sou apenas uma parva que pensa muitas coisas e que acaba a escrever sobre elas. E sei apenas que prefiro a segunda equação à primeira. Não desejo que ninguém vá para a prisão por ter feito um aborto e muito menos que morra por o ter feito fora das condições clínicas necessárias para o fazer.
Quando discuto isto com alguém que seja contra a despenalização, este é o momento em que a pessoa vai embora ou põe um ponto final no assunto. Até hoje, não conversei directamente com uma pessoa que me assumisse que sendo contra a despenalização do aborto > logo, é a favor da sua penalização  > e que portanto pensa que a mulher que cometer aborto deverá ser penalizada legalmente (Coima? Prisão?) > e que é contra haver condições de saúde pública para que o façam em segurança.


Adopção por casais do mesmo sexo

Eu acho que estamos todos de acordo que crescer numa instituição não é melhor do que crescer numa família com amor. A questão que se coloca para lá dos direitos das pessoas homossexuais é esta. É do interesse da criança que falamos e não dos adultos, um interesse superior, portanto.

Repare-se: se sou contra a adopção por casais do mesmo sexo isso quer dizer que sou a favor que as crianças continuem institucionalizadas ao invés de serem adoptadas. Portanto, penso que a criança está melhor numa instituição do que no seio de uma família devido à orientação sexual dos pais (ou mães). Uso, por exemplo, a velha deixa da possibilidade da criança ficar traumatizada por ser gozada na escola por ter dois pais (ou duas mães). Imaginemos a cena: a criança adoptada por pais do mesmo sexo é gozada por causa disso e vai para casa, chora, os pais conversam com ela, acarinham-na e ensinam-lhe que o mundo é mesmo assim - injusto e reactivo a tudo o que é diferente de si, à noite, são estes pais que aconchegam esta criança; a criança institucionalizada também anda na escola, é gozada porque é institucionalizada/gorda/magra/clara/escura/inteligente/o-que-desejarem e vai para “casa”, chora, com sorte (muita) uma das funcionárias tem 5 minutos para falar consigo, com sorte essa funcionária acarinha-a e diz-lhe que o mundo é mesmo assim - injusto e reactivo a tudo o que é diferente de si, à noite, não é esta funcionária que aconchega e acarinha esta criança porque já acabou o seu turno. Faz todo o sentido proteger as crianças de serem gozadas, sim senhor. Prefiro, portanto, que a criança cresça sem o amor e a protecção de dois pais (ou duas mães) convencida de que a estou a proteger de vir a ser gozada.

O que traz a adopção por casais do mesmo sexo não me preocupa porque sempre houve crianças a serem criadas por casais do mesmo sexo.

Afinal, o que houve de instantâneo aqui? O raciocínio: se sou contra a adopção por casais do mesmo sexo > sou a favor da institucionalização das crianças mesmo que haja um casal que a queria adoptar.

É bem certo que o exercício, para ser intelectualmente honesto, deverá ser feito no sentido inverso. Vejamos o que me acontece: se não sou a favor da institucionalização das crianças havendo quem que as queria adoptar, amar e criar > sou a favor da adopção por casais do mesmo sexo.

Bem sei que acima ilustrei de forma aparentemente leve as preocupações que as pessoas “contra” têm, desde o trauma à leitura bíblica apelidada errada e convenientemente de biologia. Mas estou antes a falar do imediato família-instituição. Agora questionam-me sobre a passagem de casais do mesmo sexo à frente de casais de sexos diferentes nas listas para a adopção. Bom, o problema é o mesmo que o das adopções individuais. Uma vez mais, ninguém disse que o tema é simples, pelo contrário blábláblá. Seja como for, prefiro a segunda equação à primeira. Não desejo que nenhuma criança cresça numa instituição se houver quem a deseje e saiba amá-la.

Quando discuto isto com alguém que seja contra a adopção por casais do mesmo sexo, este é o momento em que a pessoa vai embora ou põe um ponto final no assunto. Até hoje, não conversei directamente com uma pessoa que me assumisse que se é contra a adopção por casais do mesmo sexo > está a ser a favor da institucionalização das crianças mesmo que haja um casal que a queria adoptar.


Doação de gâmetas e o direito da pessoa a saber a verdade sobre a sua origem genética

Eu acho que estamos todos de acordo que temos direito a saber tudo o que envolve a nossa existência. Acho.

Compreendo e sou a favor da procriação medicamente assistida através da doação de gâmetas e admiro muito as pessoas que a ela recorrem. Mas não lhes reconheço o direito de decidir ocultar esse facto à pessoa que nasce de tal processo.

Imaginemos a cena: a decisão de “contar ou não contar” cabe aos pais, os pais não contam, um dia o filho acaba por saber e agora? Não se iludam, muito provavelmente qualquer dia há testes genéticos na farmácia e esse filho que um dia foi só um bebé, cresce e forma opiniões, nomeadamente sobre a sua vida, mas a situação descrita não o contempla como senhor da sua verdade.

Afinal, o que houve de instantâneo aqui? O raciocínio: sou a favor de que a decisão de “contar ou não contar” cabe aos pais > sou a favor de esconder a verdade à pessoa (o bebé cresce, um dia há-de ser um adulto como os pais o foram na hora da decisão de ocultar) sobre a sua história > sou a favor de que tenho mais direito à história de vida do meu filho do que ele > sou a favor de que tenho mais direitos do que o meu filho.
Hum?! Pois. E sou grata a quem me venha mostrar onde estou errada no raciocínio.

É bem certo que o exercício, para ser intelectualmente honesto, deverá ser feito no sentido inverso. Vejamos o que me acontece: se sou a favor de que o meu filho tem tantos direitos individuais como eu > se sou a favor de que tenho tanto (ou menos) direito à história de vida do meu filho do que ele > sou a favor de ter de dizer a verdade à pessoa sobre a sua história >  sou a favor de que a decisão de “contar ou não contar” não cabe aos pais.

A situação é difícil e acredito que a gestão do “contar” não seja fácil de fazer. Quando? Com que idade? E depois? Com que preço? Etc. Mas não é este facto que deverá tolher o tema, uma vez mais, são questões que ficam em segundo plano. Questões muito pertinentes, é certo, mas não estão no primeiro plano de interesse. Pois, aqui, o que se discute é o direito à verdade.


Eutanásia

Eu acho que todos temos o direito de decidir como desejamos levar a nossa vida, uma vez que não implique maleficência a outros.

Compreendo e sou a favor da medicina procurar prolongar a vida, nomeadamente da evolução dos cuidados continuados e especificamente no controlo da dor. Compreendo que a avaliação de cada caso é uma tarefa muito completa e que exige muita competência e parcimónia por parte dos envolvidos. Não sou a favor de manter as pessoas vivas contra a sua própria vontade, nomeadamente situações de introdução forçada de sondas nasogástricas, por exemplo. Acredito na morte assistida, acredito que a pessoa que deixe de ter condições físicas para terminar a sua vida possa ainda ter algum recurso para o fazer. Mas escapa-me tudo o resto, não consigo avançar e também me escapa completamente a forma como isto tudo deve e possa ser feito. É para mim, dentre os temas fracturantes, dos mais complexos.

Continuando no meu registo de pensante simplória, acho que o facto de haver possibilidade legal de alguém acabar com a vida de outrem extravasa os temas que referi acima. Acabar com a vida de uma pessoa não é, para mim, o mesmo que acabar com a vida de um feto, por exemplo.

Não consigo fazer aqui um raciocínio instantâneo. Fico sossegadita no meu canto, apanho uma opinião aqui, outra ali e leio, mas não me consigo solucionar além do “eu acho que a pessoa tem direito e deveria ter forma de obter ajuda”. Apesar disso, não consigo tecer mais considerações e, no mínimo, magoa-me e assusta-me a hipótese de tal tema vir a ser alvo de consulta popular.


O cartaz do Bloco de Esquerda

Ná, não estou nem aí, foi só uma provocaçãozinha :)



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Na verdade, este texto surgiu num momento em que me senti um pouco frustrada com a fuga que se costuma ver neste tipo de discussões. Uso muitas vezes este tipo de raciocínio, da solução instantânea como lhe resolvi chamar hoje e acho que acabo por ser interpretada como querendo argumentar até à evangelização do outro. Talvez as pessoas pensem que estou a ser leviana ao querer ir por partes. Talvez seja apenas uma impressão errada, ou talvez sejam complexos por ser tão faladora e cheia de opiniões.

Fui opiniativa desde muito pequenina. Em 1999, num reencontro após 18 anos, um amigo de infância, cerca de 7 ou 8  anos mais velho do que eu, numa conversa à volta de um belo almoço diz “Ah, mas a Cipreste tinha 4 anos e já era muito cheia de opiniões”. Ele disse isto com graça, sem qualquer tom de censura. Lembro-me de ter uma daquelas sensações de que tudo parou naquele momento. Afinal, eu sempre fora assim. Ele usou a expressão em inglês “opinionated”. Caramba, nunca tinha pensado nisto. Quer dizer, era evidente para mim que sempre fui muito conversadora e curiosa, formando opiniões sobre os mais variados assuntos, mas não tinha consciência de o ser desde sempre, de ser parte da minha essência.

Se não estivermos de bem com as nossas opiniões e respectivas dúvidas, se não estivermos conscientes de que estas são dinâmicas, pode ser difícil ser-se assim. Há uma facção da sociedade que trata os opinionated como uns chatos, com exclamações de género “lá vens tu com as tuas opiniões”. É verdade que as pessoas com o meu perfil, se não tiverem muito jeito para a diplomacia, podem ser conotadas como tal. Ora, não lamento e não peço desculpa por pensar e construir ideias e, o escândalo, querer discuti-las. Lamento, no entanto, quando as pessoas saem de fininho, tenho pena e claro que tento rever se foi a minha postura e não o assunto em si.

Um dos únicos confortos que encontro nestas reflexões e discussões é que as minhas ficam-se só por aí. Não faço parte de qualquer grupo legislador porque isto tudo vai muito além dos raciocínios instantâneos e é a partir daí que a porca torce o rabo e eu fico aflita só de imaginar que são pessoas como eu que podem vir a definir o caminho a tomar nestes temas, se consultados através de referendo.
E fico confusa muitas vezes pois grande parte dessas mesmas pessoas que preferem chutar para o canto a discussão de determinado tema são as que não se incomodam que o tema seja referendado. É estranho, não é? Ou então é só impressão minha.


Olá, o fim-de-semana foi bom?
Cipreste

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Magnólia

Os almoços de semana com a Magnólia. Mais uma coisa de calibre “coisa mais boa da mãe”.
A redução horária que fiz, permitindo-me almoçar 4 dias por semana com os meus filhos, foi dos melhores investimentos que já fiz na vida. Sim, porque isto também trata de euros. Foi uma decisão muito reflectida e quase adiada. Mas vemos os frutos a olhos nus e o pormenor dos almoços é dos melhores, mais proveitosos e deliciosos. Lamento apenas que seja à custa da abnegação por parte do Chaparro pai. Um dia almoçamos os três, eu, a Magnólia e o Chaparrito, outro só eu e o Chaparrito e dois só eu e a Magnólia. Isto permite diferentes variações de contacto e confidência. Para ser perfeito, faltava fazer variações com o papá.
É durante os almoços da semana, de um para um, ou entre os três, que se conversam e analisam muitas coisas da convivência com os outros. Eles ainda vêm com os eventos da manhã muito frescos. Ele, porque a MB já não quer namorar com ele ou porque, uma vez mais, o M é que fez as equipas para o futebol e não o escolheu para a sua. Ela, porque, benza-a-deus, sai à mãe e chega indignada com uma série de injustiças entre os garotos. Imagino-a tipo barata tonta a andar de um lado para o outro a procurar sanar discórdias.
Tenho de ser justa e admitir que a Magnólia não é como a mãe, a Magnólia é muito melhor pessoa do que eu. Pela idade dela, eu não era má, nunca fui e sofria quando via injustiças, mas era mesquinhita, não tinha o mesmo poder de encaixe e, embora já me questionasse, não sei se tinha a coragem de me pôr em causa e ela tem. Bem-dita a minha amiga K que sempre me ajudou a mudar de perspectiva para procurar olhar as coisas de novas formas. Ainda esta semana falei disso com a Magnólia, de como afinei a minha forma de estar com os outros, em coisas em que ela é já tão eficaz, na idade adulta. E como isso me trouxe dissabores que desejava ter evitado.
A magnólia vai-me descrevendo cada uma das pessoas com quem convive, e a sua turma em particular. Parecem saídos de um filme estereotipado sobre o liceu (com as devidas adaptações à sua faixa etária). Tem lá a malta toda, desde a menina popular ao garoto ignorado por todos.
A Magnólia anda especificamente incomodada com um comportamento (ou vários) da menina popular da turma. Nós não lhe chamamos “menina popular” nem usamos qualquer outro apelido que não seja o seu nome próprio. Na segunda semana de aulas, a Magnólia falava de algo à mesa e disse “a F é mesmo uma convencida”. Confrontei-a, convidei-a a pensar em voz alta connosco sobre o que acabara de dizer, perguntei-lhe o que é isso de ser convencida, se não temos todos uma parte que está, de facto, convencida de algo, se isso não é legítimo e se a utilização desse apelido viera dela ou estaria a replicar algo que ouvira. Falámos em cuidar a nossa linguagem, no poder e no impacto que pode ter. Perguntámos se já conhecia assim tão bem a menina que pudesse concluir tal coisa sobre ela. Também falámos sobre a forma como nos apresentamos aos outros, particularmente em situações como o início de uma no escolar junto a pessoas que não conhecíamos, e em atitudes de protecção, de defesa, que podem não ser as melhores nem as mais eficazes mas que podem, muitas vezes, demonstrar o contrário do que se apresenta. Por exemplo, alguém que se apresenta muito “convencida” pode estar, afinal, receosa, pouco confiante e usa esse papel porque é a forma que encontrou para se proteger e defender. Finalmente, alertámo-la para o facto de que estava a abrir espaço a uma antipatia por uma pessoa que desconhecia e com quem poderá partilhar a mesma turma nos próximos 8 anos. Ufa! A Magnólia tem arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação. No espaço de uma semana já falava da F com amizade. Até hoje.
A F é das melhores alunas da turma, senão a melhor. É gira. Tem o cabelo até aos tornozelos rabo. Tem roupas giras. Sabe ser simpática e parece ter um sentido de humor muito apurado. E a Magnólia sabe viver com isso. Porque ela sabe que é bonita e divertida e também veste muito bem e também é inteligente e sabe que o uso de “também” tem a ver com a dimensão de sermos tantos que se torna absurdo haver qualquer tipo de competição entre nós. Se a F trouxe uma camisola bonita, a Magnólia aprendeu que lhe é legítimo gostar da camisola e verbalizá-lo, sabe que isso não significa inveja nem significa que desejaria ser a F. A Magnólia sabe que se verbalizar “oh, que linda a tua camisola, adorava ter uma assim!” vai dissipar a sensação de que o gostar da camisola poderia significar que queria ser a F. Não, significa apenas que o mundo é imenso e que há lugar para todos nós e que não podemos possuir todas as camisolas do mundo, embora nos seja legítimo apreciá-las e até desejá-las (às vezes, até, acabamos a possuir algumas). Ufa, outra vez! A Magnólia tem arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação.
Agora anda preocupada com ela, com a F. porque a F é simultaneamente simpática e muito divertida mas também sabe ser cruelzita. Sim, palavra pesada. Quando magoamos pessoas com palavras, repetidamente, estamos a ser cruéis, para mais quando essas pessoas apresentam a sua fragilidade à flôr da pele. A Magnólia anda irritada com ela, quer dizer-lhe que ela se anda a comportar mal com o colega. Pediu-me conselhos. - O que farias, mamã? E a K, o que achas que a K faria?
Respondi-lhe “Acho que a K teria o cuidado de apanhar a F num momento a sós, sem pressa. Não pode ser uns segundos antes de tocar para entrada, por exemplo. E é de máxima importância que seja a sós, com a certeza de que mais ninguém vos vai ouvir. Porque se a queres alertar para uma humilhação que ela esteja a praticar, não o podes fazer humilhando-a de volta. Quando o mano chegava a casa com recados porque tinha batido nalgum menino, se a mãe lhe fosse bater de volta, como castigo, estaria a mostrar-lhe que, afinal, bater é legítimo. Percebes? Dizer-lhe algo em público só serviria para 1) humilhá-la, 2) armares-te, 3) fazer com que ela, ao invés de parar para pensar, reaja e faça ainda pior e 4) provavelmente virar-se contra ti e também passares a ser uma das suas “vítimas”. A menos que fosse um episódio de violência que tivesse de ser interrompido ali, no momento, como uma urgência, essas coisas devem ser feitas em privado. Eu não sei o que lhe diria, talvez lhe perguntasse se sabia dos problemas dele, que ele sofre, que ela pode estar a contribuir para que ele se sinta pior. Mas só tu é que sabes o que queres fazer. Não me parece que, se o fizeres com cuidado, ela te guarde rancor, mas nada garante de como isto pode funcionar. Nunca, nada, é garantido. Isto incomoda-te e parece-me muito bonito que ponderes falar com ela ao invés de estares para aí cheia de planos para fazer queixas, por exemplo, à directora de turma.”

A Magnólia perguntou-me se eu achava que era bullying, eu acho que não é, senão teria abordado a questão de outra forma. Não me parece, de todo, perseguição. Mas concordo com a minha filha e sinto um orgulho imenso de que ande com isto na cabeça e sinta que talvez possa ter uma acção. A minha filha não vira a cara ao lado a injustiças que não lhe sejam dirigidas a ela, e só de escrever isto fiquei com lágrimas nos olhos, de comoção, de orgulho. Nunca pensei que fosse possível sentir um orgulho tão imensamente grande em alguém.

sushi, sashimi, gengibre e wasabi

Estas têm sido umas semanas muito particulares. Anda aqui qualquer coisa a acontecer. Sinto que se está a dar uma viragem nesta família, nas pessoas desta família. Não sei a ordem dos factores, se é cada um que está a aclimatizar-se ou se é a família como um todo e que depois proporciona as condições a cada membro para a sua adaptação. Há-de ser, certamente, uma miscelânea.
Esta semana soube-me bem, soube-me a real. Não foi sempre bonita, há, aliás, uma coisa que me anda a incomodar muito e que não sei como solucionar. A minha mente parece aquelas passagens nos filmes, em que fazem retrospectivas em flash. Não sendo propriamente uma semana bonita, foi uma semana real, franca.


Ontem, para tornar esta numa semana ainda mais especial, fomos jantar fora e depois ao teatro.

Há determinadas coisas que só dizemos aos meninos antes de acontecerem para eles não andarem a antecipar. Temos de ter especial atenção com o Chaparrito, fragiliza-se muito com qualquer coisa que sirva para se questionar, para se sentir inseguro e isto pode concretizar-se, por exemplo, em mau comportamento na escola nesse dia. Assim, só lhes dissemos cerca de meia-hora antes de sair de casa. A minha mãe está cá e ficou com eles. Ainda o Chaparro lhes estava a dizer e já eu via os olhos do Chaparrito a ficar vermelhos. Veio logo para o meu colo e começou a chorar copiosamente. Pumba. Olhei o Chaparro com aquele olhar de “fiquemos em casa” e ele retribuiu-me com o outro olhar, o de “nem penses”. 
A última vez que a minha mãe estivera cá eu tinha feito destes planos e anulei-os precisamente porque achei o Chaparrito mais frágil naquele dia. 
Se o Chaparro não se impusesse é bem capaz que este ciclo nunca mais fosse interrompido. 
Quando saímos de casa o pequeno já estava bem disposto, mas isso não o impediu de me lançar o seu olhar de cachorrinho quando saí, e olhem que ele é, por definição, de tipo cachorrinho do mais fofinho que há.

Já no restaurante, estava cheia de dor de consciência, sentia um ímpeto enorme para me levantar e zarpar para casa. Era quase um sofrimento. Só quando lhes telefonámos para dar as boas noites, antes de ir para a peça, é que relaxei.

Comentei que era a primeira vez que ia comer japonês desde a chegada dos meninos. Comecei a fazer contas de cabeça e questionei o Chaparro - olha lá, quantas vezes fomos ambos jantar e a um espectáculo, desde que temos os meninos? 
Ora… noves fora…. nada. 
Era a primeira vez. Ontem foi a primeira vez que saímos os dois para um programa completo desde que tivemos os meninos. Já fomos à vez. E já tínhamos ido ambos ver um espectáculo de dança, tendo a minha mãe ficado com eles, mas jantámos em casa e saímos 15 minutos antes da hora deles de deitar.

Ontem, matei saudades de sushi, sashimi, gengibre e wasabi, acompanhados de chá de jasmim. 

O tema de conversa começou por ser disperso, mas acabámos com uma conversa muito profunda sobre os nossos filhos e os últimos tempos, o nosso processo, e o de cada um de nós enquanto pais. Comovi-me em vários momentos. Demos as mãos, como sempre, mas ontem éramos mesmo só nós dois. Vimos uma peça. Lavei a alma e cheguei tão feliz a casa para ir espreitar os meus filhos a dormir.


Na verdade, eu tenho dois bebés com 1 ano e 4 meses, faz todo o sentido que só agora comece a sair.
Não é assim com todos os pais?

Cipreste

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

and the Oscar goes to...


Inside Out
directed by Pete Docter and Ronnie del Carmen


Divertida Mente



Já tinha prometido falar dele (aqui e ali).
E queria passar-vos cada parte do filme, analisando-o e explicando detalhadamente porque é que quando o vi me emocionei tão completamente, e porque é que achei (e bem) que este era o filme que eu ia passar a usar para abordar a adopção com os meus filhos. Queria, mas não consegui o tempo para o fazer e sou uma chata sempre a queixar-me disto, segue o que consegui escrevinhar.



Eu sei, é como em tudo, o que o filme nos fornece dá para ajudar qualquer criança (e adulto) a compreender uma série de fenómenos do nosso comportamento.

Ok e adiante. Eu. Aqui. Falo das particularidades da adopção.

O filme nem sequer aborda a adopção. Eu sei.

O filme começa com uma situação de separação. Riley sai da sua terra natal, "perde" as suas referências de infância, "perde" a segurança daquilo que é garantido (ou, pensava ela que era), é deslocada para uma cidade desconhecida e vê-se obrigada a fazer um luto do antes e a (re)construir uma série de edifícios para o depois. Alguém consegue ver aqui uma relação com a adopção? Vejo braços no ar? Vejo.

Vejo a retirada da criança do ambiente que conhece e onde se sente segura - é bem certo que aquilo que nós entendemos como segurança pode ser muito diferente do que uma criança negligenciada entende como tal. Mas, apesar disso, essa segurança é para si bem melhor do que o medo do desconhecido, do que perder as suas referências. É bem certo que, no filme, Riley se mantém com os pais, eu não disse que o filme é a adopção preto-no-branco, disse que podemos fazer muitas analogias.

Vejo a chegada a uma nova casa (centro de acolhimento, pais adoptivos), a uma nova escola, a uma nova cidade (até a pizza é diferente! Quem é que se lembra de pôr brócolos na pizza, pelo amor de deus!).

O luto do que ficou para trás, a casa, os amigos, a escola, o desporto, todas as fundações das suas memórias são abaladas (uma vez mais, não, não estou a esquecer os pais quando digo “todas”).

Ruptura. Dor. Incompreensão. Confusão. Medo. Negação. Revolta. Coragem. Luto. Gestão. Processo. Descoberta. Readaptação.

Tristeza.

Todo o processo que se dá de seguida pode ser usado como metáfora para quem, como eu, tem filhos adoptados em idades que já permitam elaborações sobre as suas emoções.

Eis um exemplo duma conversa com a Magnólia, usando o filme, mais coisa, menos coisa, foi isto:

- A Riley também não sabia muito bem como lidar com todas as coisas - as emoções novas, para ela. A determinada altura, ela própria nem sabia bem como reagir, dizia e fazia umas coisas um bocado descabidas (sorrisos). Na verdade, eu acho que o que estavas a fazer era a tentar mandar a tristeza embora, não? E talvez precises dela, para arrumar esse assunto. Lembras-te da Alegria? Ela pensava que a Tristeza não podia tocar em memórias da categoria “boas memórias”, como se as fosse estragar... De facto, as memórias podem tornar-se diferentes consoante aquilo que vivemos, mas não tem de ser catastrófico. Eu penso que se não aceitares que tens saudades de determinada pessoa, por exemplo, e que essa saudade vem acompanhada de uma pontinha de tristeza, então, vai tonar-se num mau-estar a andar sempre aí a incomodar-te, como uma pedrinha no sapato. A Alegria deve deixar a Tristeza fazer parte. TU deverás aceitar a tristeza. Quem sabe, até, possas deixar a Zanga espreitar um bocadinho. Sei lá, deixa entrar todos os que estão a bater à porta. Logo vês como os geres (e rimos). A tua base, a tua essência é de pessoa de bem com a vida. Eu sei que hás-de encontrar o caminho, a forma de estar com todas as emoções de que és capaz. E nós estamos sempre aqui, para partilhares, para conversares quando te sentires confusa.

Bem-dita Riley e respectivas emoções. São evocadas tantas vezes nesta casa.

Agora, não consigo explicar melhor, estou aberta à discussão. Posso dar muitos outros exemplos do Divertida Mente aplicado à adopção.

Volto a esta citação que já tinha usado: in real life, sadness prompts people to unite in response to loss.

E, depois, este personagem que é o Bing Bong, por si só, já devia fazer-lhe valer o "Oscar" ;)

sou apaixonada e vidrada neste ser tonto e doce, alegre, inocente, generoso e altruísta
meio elefante, meio golfinho e cauda de gato, feito de algodão
simplesmente, derrete-me e põe-me um sorriso na cara :)


Para já, vinha mesmo era dizer-vos quem ganhou os “Oscares” :)

Cipreste


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

ENDOMETRIOSE ~ Marcha Mundial

Tenho-me apercebido de uma coisa nova em mim, uma viragem na forma como lido ultimamente com as coisas: uma vez resolvida determinada questão, saio dela, faço quase como que um abandono.

Vai fazer dois anos que fui histerectomizada (com anexectomia bilateral), que vivo sem dores, que disse adeus à endometriose. Desde então, quase que abandonei a luta em grupo, o apoio, a entre-ajuda. Eu não era assim. Depois vieram os meninos e eu pensava que andava arredada do grupo apenas por causa dos meninos.

A semana passada comecei a reflectir sobre a minha cada vez maior resistência e consequente incapacidade de lidar com uma situação com a qual sou confrontada diariamente e me obriga a fazer das tripas coração porque me traz sempre com a lembrança do meu pai.

E eis que... Eureka! 

Percebi o que se passava.

Custou-me a chegar lá porque se trata de uma viragem de tipo 180º.
Eu era aquela que enfrentava todos os touros de frente, procurava pegá-los pelos cornos e não largava até os deitar ao chão. E ficava ali a escarafunchar.
Mas uma pessoa muda. Pelo cansaço, uma pessoa também muda.
Por exemplo, eu via os maiores dramas do cinema e saía ilesa. Deixei de o conseguir fazer. Escolho muito bem o que vejo porque os efeitos secundários ficam muito localizados, ficam no lugar da angústia. E eu deixei de ter a mesma resistência à angústia. O que me traz em gestão controlada da mesma.

As minhas avós chamavam à coragem para enfrentar os touros de frente de “ter estômago”. Podemos dizer que as pessoas se vão dividindo entre as que têm estômago e as que não têm estômago.
Eu fui sempre uma gaija com muito estômago. Até profissionalmente fui sempre escolhendo as “piores” áreas de trabalho no que concerne sofrimento.

Mas estou cansada. O meu coração pediu-me tréguas.
Lembrei-me agora desta passagem, rápida e aflita, d’O Fugitivo de Sérgio Godinho:
É impossível
não é possível
correr tanto
e pensar tão
lucidamente
o coração
não aguenta
a cabeça também não
porque tenta
ultrapassar os seus limites?  
(oiçam, a sério, é boa demais esta obra)

É isto. Por agora, dei os meus 5cents para determinados temas. Em muitos momentos, ultrapassei os meus limites. Foram muitos eventos de vida traumatizantes em tão poucos anos. Preciso descansar, preciso de gerir a minha energia.

Sinto forças para estar no tema da adopção, porque ainda tem muita água para passar por debaixo da ponte e sinto muito estômago para a fazer escoar.

Sou solidária com todos os que estão nesta luta da endometriose, na luta contra cada um dos sofrimentos, mas o meu estômago não aguenta estar activa nesse lugar. Concerteza perco muitos momentos de comunhão. Poderia participar com ideias, com trabalho de facto, podia ajudar, mas não consigo.  Há umas semanas, aproveitei uma oportunidade, um contacto, para passar a mensagem junto de uma pessoa "conhecida" e fi-lo, farei sempre este tipo de abordagens, mas acho que não consigo mais por agora. Importa assumir isto, acabar com o equívoco (meu e dos outros) sobre expectativas da minha eventual participação. Neste momento, não consigo. Um dia destes, quem sabe possa voltar ao grupo de apoio.


Assim, fico-me pela adopção, onde há tanto para pensarmos e ver se fazemos algo mais concreto (na informação e apoio, por exemplo) nesta área (não sou só eu que sinto falta, pois não?).

Resta-me agradecer a quem faz da endometriose a sua causa, uma parte dos seus dias, e ajudar na sua divulgação.


Copiei integralmente a seguinte mensagem do site do site da Associação Portuguesa de Apoios às Mulheres com Endometriose:
No Sábado, dia 12 de Março de 2016, realizar-se-á, uma vez mais, uma marcha que pretende ter presente o maior número de pessoas possível, com o intuito de divulgar esta doença, que afecta tantas mulheres, mas que é ainda muito desconhecida e por isso mesmo, o seu diagnóstico é bastante tardio. Este ano o dia da Marcha não coincide em todos os países tendo sido dada a cada um a liberdade para escolher o dia que fosse mais conveniente para o seu país!
Em 2014, a nossa primeira marcha, foi um verdadeiro sucesso, contando com cerca de 200 pessoas. O ano passado ultrapassámos as 300 pessoas sendo um dos países em todo o mundo com maior adesão. Este ano queremos mais, muito mais!
Para se manterem a par de todos os preparativos para este grande evento, que este ano se realizará na cidade de Lisboa, por favor juntem-se à página do evento no facebook ou mantenham-se atentos ao nosso site!
Ajudem-nos na divulgação, ajudem-nos a ajudar. Juntem-se a nós neste dia tão importante que fará a diferença para muitas mulheres que por todo o mundo sofrem em silêncio sem um diagnóstico.
A participação no evento é gratuita mas para receber um kit de participação necessita de estar inscrito! Por favor façam as vossas INSCRIÇÕES AQUI

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

gripes emocionais

O fim-de-semana chegou. O fim-de-semana voou. Nele coube tanta coisa que parece ter sido uma semana. Vimos paisagens maravilhosas, Portugal é um país tão bonito. Trabalho e lazer. Ou "trabalho que é lazer" e mais lazer. Comida gostosa (que também faz parte da felicidade). Pessoas do melhor que há, de calibre boa gente
É tão bom sentirmo-nos rodeados de gente boa. Podermo-nos despir de cuidados no que dizemos. Poder dar uma opinião sem recear ferir sensibilidades, ser interrompida ou interromper em liberdade, ser calada ou poder mandar alguém calar porque se está a dizer disparates. Discordar ou concordar, no conforto da cumplicidade. Sorrir. Rir. 
Nem sei se tinha dado conta, andava um bocadito cansada dos ambientes que se crêem subversivos e contra o  politicamente correcto mas que, vai-se a ver, e é, afinal, tudo politicamente frágil

Adiante, que eu quero é dizer que o meu fim-de-semana foi muito doce. Os meninos conviveram com amigos novos. Brincaram muito. Comemos quase sempre em restaurante e eu fico tão orgulhosa da forma como os meus filhos se comportam em público. Dormimos numa espécie de camarata, os quatro. Fomos convidados para um jantar de família de pessoas que não conhecíamos. E ali nos envolvemos. 

E fiquei doente. 

Pois. 
Sábado à noite, após o tal jantar em família, subitamente comecei a ter sensação de “anginas”. No espaço de uma hora deixei de conseguir falar e engolir saliva. Fomos para “casa”, tomei uma dose de brufen e aspegic e cama. Os meninos ficaram assustados, coitadinhos. Pus-me a (tentar) rir e tal para os tranquilizar, mas nada. O que eles queriam era aconchegar a mãe. Estive 12 horas na cama e acordei (quase) fina. Eu nunca fico doente, tenho estas ameaças, tomo doses cavalares e consigo sempre reverter o processo em cerca de 12/24 horas. Ontem, tinha sensação de cabeça oca (o Chaparro disse-me que sempre fui assim, só que às vezes não dou conta :) ). 
Hoje, estou ainda com o corpo dorido, mas a cabeça já me parece inteira. 

Nunca fico doente. A endometriose foi a minha maleita, mas já passou. Fico muito escandalizada de cada vez que se me dão estes chiliques. Porque gosto muito de me gabar de ter saúde de ferro. 

Tenho uma teoria sobre estes episódios de ameaça que acabam sempre por recuar e não se traduzem em gripes ou outros, de facto. Eu acho que, quando faço viagens emocionais muito intensas fico mais frágil e o meu corpo reage assim. Ao invés de me dar para as crises de pânico ou assim, fico com sensação de gripe. 
A semana passada foi intensa em reflexões. Culminou na sexta-feira, quando fiz aquela pequena viagem emocional assim para o intenso. Depois foi o serão de sexta-feira, copos com trabalho e muito riso. O dia maravilhoso de Sábado em que cumprimos uma agenda enorme e convivemos. A envolvência daquelas pessoas, tudo, tudo me trouxe muita comoção e acho que o corpo deu de si. 

Lembram-se desta crise que descrevi? E quando o meu pai faleceu fiquei sem voz vários dias (e não foi por ter gritado ou chorado intensamente), com queixas respiratórias que não se traduziram num diagnóstico de facto. Agora deu-me para a somatização? 
Acho que o número de vezes que isto aconteceu já me deixam confirmar a teoria, são crises agudas de gripe emocional. 

Bom, mas agora é segunda-feira e há uma semana inteirinha de muito trabalhinho pela frente. 
Vamos a isto, 
boa semana a todos, 
Cipreste

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

num segundo se evolam tantos anos

AVISO: não foi, nem é minha intenção, mas este post pode ser um pouco (muito? nem sei) depressivo



- - -


Eu sou muito cómica, a sério, divirto-me muito a mim própria. Devo ser simultaneamente a pessoa que mais me entedia e a pessoa que mais me entretém neste andar à roda com os assuntos - baralhar, voltar a dar e baralhar de novo.
Confesso que tão depressa é divertido (no sentido cómico) como também cansa.

Então… não é que, por causa do post abaixo, me fui lembrar da canção da Aimee Mann – Wise Up desse filme grande que é o Magnólia (oh, coincidência néscia a do nome deste filme com o nickname que arranjei para a minha filha neste blog).
E, como se não bastasse, fui ver o vídeo.

Oh, minha nossa senhora das chafurdeiras na dor, tende compaixão de mim.


Vou deixar-vos já o vídeo, para os mais corajosos.



Agora, reparem no que me aconteceu ao ver o vídeo, faço-vos acompanhar da letra da canção e da minha interpretação (podem pôr a tocar de novo se pertencerem, como eu, à congregação de nossa senhora das chafurdeiras na dor)...

Primeiro, a imagem do meu pai e eu com ele nas suas últimas horas. Que dor. Que dor!
É bem certo que guardo estas horas como um dos meus maiores tesouros.
A vida não me deu o primeiro suspiro dos meus filhos, guardou outro requinte para mim, deu-me o último suspiro do meu pai.

Estou eu a achar que a dor de consciência por me irritar com os meus filhos é um problema, vou ouvir música para lamber feridas (sou tão estúpida,  tão freudamente… estúpida) e dou de caras com esta imagem deste vídeo que já vi milhentas vezes. 

Não me posso queixar, eu é que fui à procura. Lágrimas, portanto.


Sigo com o vídeo, aquele “you’re so stupid” dito em sussurro. Outro murro.

E aparece-me a minha mãe, viúva. Dói de novo.

Depois, começamos a aparecer todos. A imagem do cheque pago pelo “superior knowledge”. Conhecimento superior my ass. Continuamos tão básicos e primitivos como desde Edgar Adão e Eva ou lá como se chamou o primeiro Homo Sapiens (sabem que quer dizer “wise man”, certo? hahaha).

Seguimos, não fazemos pausa no vídeo. Aparecem os medicamentos novamente, as drogas, o álcool. Não, nem esses nem a grande sapiência da medicina te vai trazer a resposta. Estúpidos! Pensar que pode existir uma cura para a existência, estúpidos.

Nem a água da chuva há-de lavar a tua dor.

Desde os mais acompanhados aos mais solitários, estamos sós na nossa essência, na nossa busca.
E a derradeira imagem da infância. Saber isso desde a infância (deve ser a tristesse que sentia em criança). Essa imagem da criança frente a um livro (pois não, também não está nos livros, amigo) e verbaliza: give up.

Saber, desde o início – o do mundo e o nosso, o de cada um de nós, saber que há uma parte disto que só vai começar a funcionar em plenitude quando tivermos a sensatez de parar de querer saber a solução para o mistério da vida


Por vezes, só por vezes, como disse David Mourão-Ferreira no poema, E por vezes por vezes ah por vezes/ num segundo se evolam tantos anos.


- - -

Comic reflief: quando acabei de ver o vídeo, ligou-me uma pessoa que não conheço, apresentou-se, chama-se... Dores.

A sério, acho isto bastante divertido.

Não se zanguem comigo se levarem daqui uma pontinha de angústia. Desculpem qualquer coisinha. Vou pensar nalguma coisa para vos deixar aqui à laia de melhor disposição para o fim-de-semana.

Um abraço,
Cipreste

às vezes, não, não está tudo bem

Tenho lido tanto sobre como lidar com as contrariedades na parentalidade que já tudo me parece a mesma coisa. Neste momento, sinto que a informação está emaranhada num rolhão ali entre o meu cérebro, o meu coração e o meu botãozinho da reacção.

Educar é difícil, muito difícil.
E eu vivo com esta nuance da educação na adopção.

Muitos me dizem que ah, e tal, educar é difícil, ponto. Independentemente de o fazer num contexto de adopção. Sim, mas não.
Quando fizemos uma das formações com a equipa de adopção, tivemos um exercício sobre crenças e mitos. Lembro-me de me quedar muito tempo sobre esta questão: há diferenças entre as famílias adoptivas e as famílias biológicas. Parece fácil de entender, isto, não é? Porém a questão toca ali nas nossas convicções de tipo “ora essa, somos como qualquer outra família”. Da mesma forma como poderá reagir uma mãe a quem eu diga que acho que tem o trabalho mais facilitado por o seu filho ter vivido sempre consigo – não obstante a eventualidade de ter dificuldades próprias. Pois, são diferentes. As famílias, os filhos. A semelhança está no amor.

Quando me frustro e me zango com os meus filhos, quando arrefeço e me arrependo de morte, há uma pedrinha especialmente aguçada que me magoa a alma, a pedrinha da adopção. A pedrinha que me lembra que, não obstante estarmos todos a fazer o nosso melhor, o melhor deles é muito mais esforçado e dorido e doloroso e corajoso do que o nosso. E lembro que não detenho a informação “toda”. Que a codificação, processamento e tradução que fazem das minhas abordagens não está munida da total confiança de que sou deles, toda deles. 
Eles sofreram quebras, rupturas, interrupções no processamento, no seu desenvolvimento de competências que incluem, por exemplo, a confiança no adulto, na sua permanência.
Caramba, eu decorei isto a primeira vez que o li: a vinculação só é considerada completa aos dois anos após a adopção. Mais coisa, menos coisa, ok. Antes decorei a teoria, agora já percebi isto na prática, na pele, já o senti, já sei que é verdade, que não é um mito.

E falho na mesma,
E continuamos, ainda assim, com toda a bagagem que nos permite, pasme-se, reagir como se fôssemos pais biológicos. Os nossos botõezinhos não sabem que estes filhos não estiveram sempre connosco. Aos nossos botõezinhos só deve chegar a informação do amor, digo eu.

Zangarmo-nos com um filho, esquecermo-nos pela milésima vez da promessa de que não voltamos a gritar é normal, é humano. No entanto, quando há uma lacuna na história da família, essa humanidade assume em nós pais uma transformação que faz pesar terrivelmente a dor da nossa falha - como uma quebra na promessa que fizemos aos nossos filhos. A promessa do amor. Nós sabemos que, não obstante o ralhete, os continuamos a amar, mas nunca temos a certeza de como fica a certeza deles.
Depois, a vozinha cá dentro grita-nos e arranjamos maneira de inserir no meio do ralhete “a mãe ama-te muito, não se trata disso, trata-se de não estar nada satisfeita com o teu comportamento”. Ah, e nem sempre a vozinha chega a tempo, e nessas vezes ficamos ainda pior. Na fossa, como se dizia quando eu era adolescente, ficamos na fossa.

Bolas, amamo-los, são os nossos filhos, queremos o melhor do mundo para eles e fazemos isto. Bolas.

E, reparem, a informação que me chega diz que não devia reagir assim, não é? Porque já sei... os actos dos nossos filhos não o são “contra nós”, nem os nossos filhos nos amam menos por não seguir as nossas ordens orientações. Também sei que ficam aflitos e que ficam angustiados (oh, céus, angustio só de escrever isto).
Tantos livros e blogs e esses modernos trainers de famílias e cursinhos e quejandos já mo repetiram. Todos. E nenhum deles o fez com um traço sequer de originalidade que o distinguisse dos outros porque estão estamos todos a falar do mesmo: da humanidade de cada lado da parentalidade, de pais e de filhos. Das expectativas dos pais, do esforço e dedicação dos pais que, muitas vezes, parece cair em saco roto, do cansaço da associação a todas as outras tarefas da vida, da necessidade de colo dos filhos e da imaturidade neuropsicológica própria da idade dos filhos e, e, e que, afinal, só queremos, todos e cada um de nós, apenas... ser amados (no meio destas vírgulas todas que não consigo anular).


Hoje (ontem, escrevo já depois da meia-noite), zanguei-me com ambos meus filhos. Não quis gritar e consegui, hoje consegui, mas nem por isso fui mais simpática. Eles ficaram tristes, eu fiquei triste. Senti um desalento enorme, senti um cansaço enorme.

Às vezes, é muito difícil conciliar o colo todo que se tenta recuperar, com o colo do dia, com as coisas “normais” das crianças, com as coisas “extra” dos nossos filhos em particular, com a sopa, com os deveres, com as nossas coisas.
Às vezes, ficamos muito longe da teoria lógica que todos os experts que referi acima compilaram sobre o que é isso de vivermos em amor e comunhão.


Nesses dias, só me sobra assumir que fiz o meu melhor*, que amanhã quero procurar ser melhor do que fui hoje. E ir espreitar os meus filhos a dormir antes de me deitar.

* o problema é esta sensação de que o nosso melhor não chega, de que o nosso melhor pode fazer mal aos nossos filhos. Oh, angústia...




Nesses dias, tenho tolerância zero a pessoas que falam à professor Eduardo Sá, porque me fica sempre a parecer que, pese embora admitam que somos todos humanos e falíveis, o tom de voz parece dizer-me “ok, eu estou a desculpar-vos por serem assim defeituosos, e só assumo que sou humano por misericórdia com todos vós - mortais”.

Nesses dias, apetece-me dirigir a minha exasperação a algo, sei lá, a alguém. Alguém que não seja os meus filhos. Por isso, mantenho esta irritaçãozinha de estimação com a voz de expert maior do professor e evoco-a. Porque representa para mim todos aqueles que falam como se tivessem a situação milagrosa para isto e eu começo a suspeitar que ela, afinal, não existe. Que temos apenas de aprender a viver com isto e com a possibilidade do dia seguinte.

Vou calar-me, vou espreitar os meus filhos a dormir. 
Estou ansiosa por abraçá-los de novo pela manhã.

Carpe Diem,
Cipreste


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

carta aberta a quem passa por aqui e deixa um pouco de si

Já falei aqui várias vezes sobre porque escrevo, porque partilho o que escrevo. “Várias vezes” porque me questiono amiúde sobre o assunto. Porque muitas coisas deste fenómeno da convivência no mundo virtual me trazem constantemente em espanto. Em espanto pela dimensão de compaixão que se consegue encontrar.

Tenho as minhas opiniões, mas para lá disso há discussões que não me interessam. E não me interessa discutir se as pessoas são falsas atrás de um monitor ou se assumem várias personas. Nem me interessa o marketing ou rankings bloguísticos (que, atenção, acho perfeitamente legítimos e sei que há quem viva disso).

É bem certo que se identificam também esses fenómenos.
Em relação ao primeiro, já tive algumas desilusões, mas essas são com pessoas que conheço na vida real cujas personas virtuais me deixam constrangidas. Tenho pena, pronto, porque se me arrefece a admiração que tinha por essas pessoas, pela sua humanidade. Custa-me porque quase sempre interpreto como um sinal de mal-estar consigo próprio.
Quanto ao segundo fenómeno, não me constrange, quando muito provoca-me vergonha alheia. Custa-me ver as pessoas em bicos-dos-pés. 

Uma atenção que resulta de um estímulo que não corresponde à verdade, mas apenas a uma imagem construída para seduzir, só pode ser vã.
Parece uma solidão aflita. Uma solidão que se procura combater com uma busca por uma atenção imediata.



Eu sofro de solidão.

Tenho solidão profissional porque sou a única no meu local de trabalho, um sítio onde as pessoas são simpáticas mas estranhamente muito (tão demasiadamente) desligadas umas das outras. Tenho solidão por distância geográfica da família. Tenho solidão porque a minha melhor amiga vive nos antípodas.

Mas não me quero deixar enganar com companhia frugais.

Não sei dizer filosoficamente o que é a verdade, mas sei o que sinto no coração como sendo “de verdade”. E sou uma sôfrega por momentos verdadeiros.
Por isso, mesmo que tivesse algum interesse - para ganhos (sociais, económicos, de visibilidade, etc.) secundários em cativar, seria incapaz de o fazer passando uma mensagem falseada do que vou sendo, de como vou estando nas coisas. É-me contranatura. Como se, se assim o desejasse fazer, os meus dedos se paralisassem no momento de escrever o texto falacioso.


Isto tudo para dizer que, por estes dias, tenho sido especialmente agraciada com comentários e emails tão generosos da vossa parte.

Fazem-me sentir tão grata, tão satisfeita e confirmada por fazer esta partilha. 
Tão acompanhada.

Os gestos que vêm daí, desse lado, têm contribuído para diminuir a minha solidão.


Não sei quantos são os nossos visitantes. Criei uma página no facebook, mas o que faço é só linkar os posts daqui. Não vejo sentido nela, não me apetece dinamizá-la com outros posts efémeros. Talvez acabe com ela um dia destes. Criei a página do pinterest, mas já percebi que aquilo é uma espécie de emprego a tempo inteiro de link-atrás-de-link e não me posso perder por lá. Vou partilhando alguns dos posts/temas no fórum do website da Associação Portuguesa de Fertilidade quando acho que pode ser um mote para encetar alguma conversa. Muito de vez em quando, participo no grupo de Famílias Adoptantes em Portugal no facebook, mas nunca linkei lá o blog para não ser identificada. Ao longo do tempo, tenho mostrado o blog a algumas (poucas) pessoas conhecidas. A alguns amigos e familiares, uns creio que se esqueceram que ele existe, outros não sei se o lêem, mas não me dão feedback nesse sentido. Apenas a minha querida amiga me vai dando um retorno e, às vezes, até comenta. Recentemente, partilhei o blog com a nossa equipa de adopção, com a equipa do centro de acolhimento onde os nossos filhos viveram e com a minha psicóloga. Mais ou menos, é isto, é este o universo por onde ando e com quem partilho. Bastante restrito, portanto.

Não me interessa saber quantos são, interessa-me saber quem são. E eu já sei o que preciso de saber: são pessoas como eu. Pessoas que procuram um pouco mais de mundo na internet. Pessoas que tiram tempo para ler os outros. Pessoas que se emocionam como eu quando lêem da felicidade, da tristeza e da aflição dos outros. Pessoas que querem as coisas por inteiro, sem cortes no feio, no que é, afinal, também parte da nossa humanidade. Pessoas que sentem necessidade de deixar uma palavra sem saber bem o quê, como “oh, que lindo”, “obrigada”, “desejo-vos tudo de bom”, “vamos rezar por vós” ou “mandar energias positivas”. Pessoas que se lembram de nós, mesmo não nos conhecendo, quando vêem algo na rua que os fez lembrar um post nosso (isso não acontece só comigo, pois não?).
Pessoas.
Pessoas que encurtam um pouco a solidão umas às outras.

Hoje, já me fizeram chorar com um comentário, com a imagem cheia de esperança que me deixou. Obrigada, Ana G.

Obrigada a todos os que têm tomado tempo a ler e a dizer-nos que estão aí.
Obrigada pela companhia, muito, muito obrigada.

Que o dia vos seja limpo,
Cipreste

cenas dos próximos episódios

Vai sair um post sobre como afinal, sim, as crianças conseguem ser muito mázinhas umas com as outras e, não, não estou a falar das honestidades que as crianças dizem de forma cómica aos 3 anos. Estou a falar de crianças da faixa etária dos 10 anos.



Há duas semanas, a Magnólia teve um dos encontros receados e esperados por nós: uma fuinha menina, na escola, perguntou-lhe se não se sente inferiorizada por ter sido adoptada.
Dentre as perguntas sobre se conhece os seus progenitores e se não tem saudades, lá veio a derradeira sobre uma pretensa inferioridade.






O ano passado já tinha havido um episódio semelhante, mais imediato. Ela esperava-me ao portão da escola e uma colega chamou-a a brincar, ao que respondeu que não podia porque esperava a sua mãe. A ranhosa da cachopa respondeu-lhe «Quer dizer, estás à espera da tua “mãe”» fazendo o gesto de aspas com os dedos ao dizer mãe.


Deslarguem-me, senão eu... !


Depois venho cá dizer como lido com isto.


Para mostrar à Magnólia como pode neutralizar em si os actos passivo-agressivos as inconveniências dos outros.


E sentir-se mais tranquila e confiante e com as armas a bagagem necessária para ir lidando com este tipo de investidas. Dou-lhe sugestões sobre como pode lidar com a situação no momento.


Ela acaba sempre estas conversas com um olhar sereno, abraçada a mim, e eu com planos maléficos para ir lá dar cabo daquela gente toda sensação de missão cumprida.


Para já, e porque acordei com isto (não sei bem porque) vim dar um cheirinho do tema e partilhar convosco a minha irritação.


Bom dia a todos,
Cipreste

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

mágoas


Já ultrapassei muitas das mágoas dos últimos anos. 

Há uma que é um pau-de-dois-bicos: a minha esterilidade.

Assim mesmo, com o nome à antiga. Fui estéril. Sou um campo estéril. 
O meu ventre foi estéril, não me serviu de nada, só me serviu para sofrer física e psicologicamente.

Nem sequer o parirás com dor me calhou.

O tempo passou. Tornei-me mãe. O meu coração tem filhos. E deixei de ter as dores físicas.

Sinto agora serenidade na forma como convivo com a infertilidade e o fim dessa história com a histerectomia, mas não sinto serenidade quanto ao facto de não ter sido eu a gerar, carregar, parir e amamentar os meus filhos. 
Estes filhos. 
Os meus filhos.
Magoa-me não ter sido eu. 
Se são meus - que são, não me faz sentido não ter sido eu a gerar, carregar, parir e amamentá-los. 
É como um buraco na realidade.


Ainda não consegui solucionar isto nem sei se é um desgosto que alguma vez venha a estar arrumado e num lugar de convivência sã com os factos.

Não são só os meus filhos que têm mágoa de não ter fotografias suas de quando eram bebés, eu também tenho - especialmente de fotos destas: mãe e filho, após o nascimento.

Tenho mágoa de não poder dizer: fui eu que fiz os meus filhos.
Estão a ver estes dois seres tão maravilhosos, alegres, compassivos, divertidos, disponíveis, bondosos, generosos? Queria gritar: FUI EU QUE OS FIZ.

Não o posso dizer, não fui eu, de facto, que os fiz.

Será egoísta? Não sei.
Sou consciente de que não tem nada a ver com querer anular a existência dos seus progenitores nas suas narrativas. Não tem a ver com as pessoas do passado, tem a ver comigo e com uma lacuna que existe na biologia dos meus sentimentos. 

Às vezes, penso que, no caso de algum dos meus filhos vir a ter os seus próprios filhos, essa imagem - deles com os seus filhos recém-nascidos (embora ambos digam que quererão adoptar, mas isso são outros quinhentos) - com os meus netos, possa vir a redimir a ausência da nossa. 
Não sei explicar onde fui buscar esta ideia, é até uma ideia que mais me parece ser uma fantasia. 
E agora estou a partilhar as minhas fantasias com pessoas que nunca vi? Oh céus, acho que ao contrário do que sempre pensei, afinal a escrita tornar-nos-á inconscientes? :)

Eu avisei, isto é um pau-de-dois-bicos, não há saída racional possível para este assunto, nem forma coesa de eu o conseguir explanar. 
Pelo menos por agora, porque é uma mágoa e as mágoas são tão só isso: dor de alma, desgosto. 
E a dor de alma não me deixa falar com nexo.

Talvez passe :)

Bom dia a todos,
Cipreste