quarta-feira, 30 de abril de 2014

da boca dos outros

Hoje trago-vos um post traduzido por mim do inglês para o português, pois achei que o assunto merece não ficar perdido sem tradução, trata de identidade e da obrigação dos pais adoptivos em não fechar os olhos à biografia dos filhos prévia à adopção.
Foi através desta moça, muito honesta nas suas reflexões e consequentemente na sua escrita, que encontrei o livro Adoption Reunion in the social media age.
Mesmo sem saber ainda quem vai ser meu filho/a(s), enquanto candidata à adopção nacional, há uma série de questões relativas à cultura às quais eu e a minha família seremos poupados. Ainda assim, restará muito sobre a identidade que percebo agora poder vir a ser um problema se não for bem encarado por parte dos pais adoptivos, por nós. O livro que refiro deu-me uns belos abanões sobre coisas de que nunca me lembraria se não as lesse ou, então, só no momento em que as fosse vivenciar. Neste momento, eu e o Chaparro temos muito presente questões sobre o direito da pessoa adoptada à sua história, ao seu passado, aos seus dados genéticos e origens.
Deixo uma passagem da página 29 do livro, traduzida por mim, sobre o processo de se reconhecer a necessidade à própria biografia e os resultados de procurar negligenciar essa necessidade:

«Olhando agora para trás, para os meus primeiros anos, consigo perceber de que forma a separação da minha família original me afectou ao longo da vida; Eu simplesmente não reconheci os sinais na altura. Ter-me-ia descrito como uma pessoa feliz, mas agora percebo que em grande parte do tempo eu estava mais próxima da dormência.»

Não sabemos como se desenrolará a nossa história, mas sentimos a premência de nos mantermos atentos a estas questões. Felizmente, há os blogs e os livros.

Segue-se o texto, via Casa Bicicleta.
Enjoy,
Cipreste





Enquanto mãe de uma criança adoptada, passo o tempo a pensar em questões de identidade. O que nos faz quem somos? O que é importante para a nossa noção de nós mesmos e o nosso lugar na família? Como posso ajudar a minha filha na sua busca pelo seu eu? Devo envolver-me nesta busca? Estas são coisas sobre as quais penso.

Provavelmente seja o contraste entre ter filhos biológicos e uma adoptada que me traz esta questão de forma mais presente. Os meus rapazes, como a maioria de nós, têm a sua identidade como algo garantido, os seus antepassados, as suas origens, as parecenças… todas as pequenas peças individuais que fazem de nós, nós. Ter acesso às histórias e fotografias e anedotas a qualquer momento é, enfim, uma dádiva. É uma coisa que a maioria de nós tem e em que a maioria de nós nunca tem de pensar. Está simplesmente ali. De cada vez que desejamos pensar acerca de quem somos e de onde vimos… não temos de pensar demasiado. A história está ali ao nosso alcance.

Quarta-feira foi o aniversário do QF#1*. Casualmente, mencionei ao jantar que lhe queria ter ligado às 10h03 da manhã porque essa é a hora exacta do seu nascimento. E ainda acrescentei num Sábado, estava a chover. O QM* perguntou a que horas nascera o QF#2 e eu respondi.

À medida que a conversa decorria, a Menina da Bicicleta (MB)** perguntou a que horas é que eu nasci? Ela já me tinha perguntado isto antes e já tivemos outras conversas sobre o facto de não sabermos pormenores sobre o seu nascimento. Na verdade, não sabemos nada. Não creio que esta conversa tenha sido particularmente dolorosa para a MB, não é certamente uma conversa nova, como disse, embora ela deseje, obviamente, possuir as mesmas peças do seu passado tal como os outros também têm. Portanto, ela pergunta. Mesmo quando sabe que não tenho as respostas.

Assim, depois de conversas destas, fico a pensar sobre como é que ela ficará a sentir-se. Ela tem uma relação muito próxima comigo, tão próxima que por vezes é um pouco intensa – duma forma insegura e nervosa, mas ela tem esta necessidade de estar próxima de mim, e ela queria determinada informação da minha parte, informação essa que não lhe consegui dar e isto prova, uma vez mais, que ela não vem de mim e do QM. Esta ausência de informação básica prova que houve outras pessoas na sua vida em certa altura que não estão lá agora, e nós não sabemos nada sobre quem são.

Isto acontece por fases. Por vezes, a MB e eu falamos sobre o seu passado, mas na maioria dos dias não o fazemos. Trago o assunto à baila sempre que o considero adequado. Por vezes, quando temos estas conversas, ela faz uma pergunta. Mas na maior parte das vezes, não faz perguntas. Se eu quisesse, diria a mim própria que ela não está interessada no seu passado. Poderia convencer-me de que, porque ela raramente toca no assunto, não está interessada nem é curiosa. Porque quando falo no assunto, ela por vezes ouve e noutras muda de assunto, e porque não se mostra excessivamente interessada, eu poderia convencer-me de que não lhe interessa. Eu poderia permitir-me deixar para trás este assunto da identidade, um assunto muito confuso e difícil. Claramente, poderia convencer-me a mim própria de que ela não está interessada.

Mas isso seria errado.

Considerando a personalidade da MB, eu sei que ela não consegue fazer demasiadas perguntas de prospecção. Ela tem um medo profundo das respostas. Cabe-me a mim, então, dar-lhe a informação – deixá-la à sua disposição, para que possa ver e ouvir, e ajudá-la a responder a questões não-perguntadas e ter fé para além da fé de que estou a dar-lhe aquilo de que precisa.

Aqueles de vós que me têm acompanhado desde há algum tempo, sabem que numa das nossas Buscas Pela Família Natural, uma mulher que foi entrevistada lembrava-se da MB. Deu-nos bastantes detalhes, incluindo o facto que ela trazia dinheiro consigo e um bilhete. No bilhete estava escrito um nome, nome esse que presumimos ser o seu nome próprio dado pela sua Mãe Biológica, e que esta mulher partilhou connosco. Aqueles de vós que têm estado comigo, lembrar-se-ão também do quanto me debati sobre como e quando dar (oferecer***) este nome à MB. Levou algum tempo, porque era algo tão precioso - este nome, que eu não o conseguia simplesmente proferir como se fosse uma informação tipo brinde. A sua importância fez-se sentir em mim.

Numa determinada altura, encontrei a oportunidade de falar disto com a MB e saiu. Disse-lhe o seu nome original. Disse-lhe que veio da sua Mãe. Disse-lhe que é precioso (e privado, se assim for a sua vontade). Disse-lhe quão bonito é e que se desejasse ser tratada por esse nome, e não por aquele que lhe déramos, bastaria dizê-lo e nós assim o faríamos e a trataríamos pelo nome que a sua Mãe escolhera para si.

Ela ouviu. Guardou tudo consigo. E não falou sobre o assunto.

Comprei-lhe o livro que a Maggie sugeriu (obrigada Maggie!) The Three Names Of Me. Tentei ler-lho, mas não consegui. Chorei de cada vez que comecei o livro. Estou a falar de choro tipo baba e ranho e soluços, que me deixou sem fala. Deixei o livro no quarto dela junto com todos os livros e papéis especiais dela, e sugeri-lhe que o lesse. De vez em quando, perguntava-lhe se o lera, ou se queria que eu tentasse lê-lo novamente, mas ela respondeu sempre que não.

Se eu desejasse ficar sossegada, poderia convencer-me de que ela não está interessada nisto tudo. Poderia fazê-lo porque seria infinitamente mais fácil, diria que ela agora é americana, que é a minha filha e de mais ninguém. Poderia usar a sua hesitação no assunto – porque tudo seria mais simples, como um sinal para deixar de lado o assunto, de que ela não está interessada.

Mas isso seria errado.

Ontem foi Dia de Levar o seu Filho/a para o Trabalho. O QM levou a MB para o trabalho. Dizer que ela estava excitada é eufemismo. A MB estava para além de excitada. Escolheu a sua toilette com o devido cuidado (duh) e preparou uma sacola cheia de canetas e lápis e um bloco de notas, que é o tipo de material que o QM leva para o trabalho. Ela não podia esperar.

Explicámos-lhe que teria de conhecer muitas pessoas, algo que é difícil para ela. Disse-lhe que poderia ser um bom treino e que a terapeuta ficaria muito feliz se ela conseguisse fazê-lo. Orientámo-la sobre como cumprimentar e ser educada no local de trabalho das pessoas, e disse-lhe que deveria olhar as pessoas nos olhos quando estas lhe dissessem “olá” (ou, pelo menos, olhar na direcção dos olhos da outra pessoa) e responder “olá” de volta. O QM disse-lhe quais dos seus colegas é que estavam particularmente interessados em conhecê-la, ou revê-la, para que ela tivesse uma ideia do que deveria esperar, uma delas é uma senhora chinesa que nos ajudou algumas vezes na nossa caminhada com a MB. O QM perguntou-lhe se ela queria conhecer esta colega e a MB disse que sim, mas que não queria ter de lhe falar em chinês.

É justo.

Quando o QM e a MB regressaram a casa, recebi um relatório completo sobre a quantas pessoas ela conheceu e cumprimentou (E olhou nos olhos!) e o QM disse-me que quando ela deu conta de que ainda não tinham encontrado a colega chinesa, foi a própria MB que pediu para a ir conhecer. Quando a encontraram, a MB e a colega do QM falaram um pouco em chinês, uma coisa que ela jurou que não faria. O coração do QM inchou de tanto orgulho. Para nós, conhecer a sua língua nativa permite ter uma porta aberta que nos pode levar às suas raízes e identidade. Vê-la abraçar esta parte da sua vida fez-nos pensar que provavelmente ela está confortável com quem é, ou quem considera ser para si própria. Pareceu correcto.

E depois o QM mostrou-me um desenho que a MB deixou no seu quadro. Incluía todas as coisas que possam esperar da MB: corações, flores, um sol brilhante, uma nota a descrever o desenho dela como “Dia de Levar o seu Filho/a para o Trabalho” e uma versão inspirada da MB do logótipo da empresa do QM.

Mas depois, ao reparar melhor, vi outras coisas. Ela desenhara um par de caracteres chineses: 小 e 大. Suponho que estava a meter-se com o QM e que pensa que estes são os caracteres que ele reconheceria. Ela também escreveu: Wǒ xǐhuan bīngqílín, que quer dizer “eu gosto de gelado”. E depois havia outra coisa.

Vi três palavras escritas em pinyin e, a princípio, não conseguia perceber o que era porque a caligrafia estava difícil. Mas depois pronunciei-o. Era o seu nome chinês. Aquele que lhe foi dado pela sua Mãe. Aquele que pensei que não lhe interessava. Aquele nome que não dissemos em voz alta durante pelo menos um ano. E foi então que percebi que ela tem estado a trabalhar (n)a sua identidade este tempo todo. Quer fale disso ou não, está a pensar no assunto. Demitir-me do assunto, não falar das coisas difíceis convencendo-me de que ela não estaria interessada, não é, simplesmente, uma opção. Porque, claramente, mesmo que ela não fale disto todos os dias, está a pensar no assunto.

Compreender quem somos é um processo difícil – mesmo quando temos histórias familiares intactas, longa e discriminadamente detalhadas. Quando não temos nada disso, compreender quem somos é muito mais difícil. Não admira que não se queira falar do assunto o tempo todo. É uma tarefa árdua. É um trabalho doloroso. Mas não devemos concluir que o assunto não interessa só porque ela não fala dele. Ela está a tentar perceber quem é, mesmo que não fale disso todos os dias.



Notas da tradução:

* QF #1 = Querido Filho; na língua inglesa, utilizam muito siglas na escrita corrente de tipo DH = Dear Husband (vamos usar QM = Querido Marido), neste caso DS = Dear Son
** epíteto da filha, em Inglês Bicicleta Girl
*** tive algumas dúvidas sobre como traduzir esta passagem, pois trata-se de uma oferenda, na verdade

terça-feira, 29 de abril de 2014

sobre Crescer - e educar, nesta era online


Imprimi esta citação de um blog maravilhoso, em 2003. Está, desde então, afixada no placard do meu gabinete. Há dias, olhava para ela e pensei que uma das coisas que eu quis dizer no post Crescer - e educar, nesta era online, comparando com a era offline, é que o "defeito" está em que a participação online passa demasiadas vezes pelo vazio (muitas vezes tornando-se mesmo numa feira de vaidades), em que, de facto, tantas pessoas estão alienadas dos outros (e talvez mesmo de si). 
Muitos ficam melindrados quando se fala disto, penso que esses são os que padecem do vício que os traz precisamente alienados, dormentes embora (hiper?)activos e sempre online. Quando faço estas observações, não estou a demonizar, como já sublinhei antes, a tecnologia. Estou apenas a reconhecer que o seu mau uso leva a perdas nas relações humanas que considero lamentáveis e isso, quando é desde pequenino, pode distorcer o input das relações face-a-face, levando a uma proporção inversa de presença online em relação (e em detrimento) à presença e participação comunitária offline

Cipreste

Planos para amar - Parte II

Ainda não tinha afixado aqui a parte II da saga Planos para amar simplesmente porque não tinha fotografado as provas.
Alguns de nós somos mais tagarelas do que outros, entre mim e o Chaparro, a tagarelice está na mesma proporção de posts afixados no blog: 99% meus para 1% dele. Por vezes, comenta os posts que vou colocando aqui, ora na caixa de comentários, ora por e-mail, ora frente-a-frente. Desta vez, deixou este "comentário", que encontrei no dia seguinte a ter publicado o post, nas paredes da nossa casa:


Esta é uma parede de cerca de 50 cm que tem do lado direito a porta do nosso quarto e do lado esquerdo a porta do quarto do(s) nosso(s) futuro(s) filho(s), dá para espreitar o sofá-cama que ocupa o espaço enquanto não houver lá uma cama com destinatário(s) específico(s).

Todos os dias: o amor :)

Quem tem um Chaparro tem tudo.

Cipreste

quinta-feira, 24 de abril de 2014

25 de Abril, sempre! Fascismo, nunca mais!

Outra vez, no bar do meu local de trabalho. Na véspera do 40º aniversário do 25 de Abril, ainda se ouve este tipo de conversas - «Hoje vinham dois sem-abrigo, da associação X, no autocarro. Iam para uma formação, mas todos bem vestidos. Com telemóvel e tudo, até headphones! E recebem 80€ por mês!» 
:( 
Respondi, claro (provavelmente, tenho de deixar de ir ao bar) - «Não lhes invejo a vida. Bom dia a todos.»

~ ~ ~

Hoje começo os meus festejos “oficiais” deste 25 de Abril que é da mesma idade que eu. Penso muitas coisas sobre ele. Ele é uma entidade para mim. Eu, herege, dou mais importância ao dia 25 de Abril do que ao dia 25 de Dezembro, e olhem que, embora ateia, gosto muito do Natal. 
Andam para aí uns energúmenos a perguntar se valeu a pena o 25 de Abril. É que isso não se pergunta, nem em forma de metáfora, ou antes, só aceito essa pergunta na bela obra que é o FMI do José Mário Branco. Uma obra que conheci em 2004 (dou agora conta que passam 10 anos) pelas mãos de uns amigos que conheci através da net. Oiçam, é lindo, às tantas o JMB pergunta se valeu a pena e responde de imediato: valeu, pois!

Valeu, sim. 

Desejo-vos um 25 de Abril muito bonito e inspirado.


Cipreste

da boca dos outros




um àparte: nunca vos disse, mas tenho muitas reservas quanto à adopção internacional. Atenção, eu não disse que sou totalmente contra. Falarei disto noutro dia.


Bom dia,

Cipreste

quarta-feira, 23 de abril de 2014

É preciso assumir que isto trata de ideias de supremacia

~ ~ ~

Há uns anos, após um passeio à beira-mar com uma amiga, deitámo-nos naquela linha de fim de rebentação, recebendo sol e água simultaneamente. Não sei como foi que, num ambiente tão descontraído, veio à baila uma conversa profunda sobre a existência. Às tantas, a minha amiga remata com a sua sentença de fútil em comparação comigo (não sei se eu seria, por antónimo, “útil”), – «Porque, ao contrário de ti, eu sou uma egoísta e uma irresponsável, não me preocupo com nada, só me interessa viajar, concertos, roupas, jantares e copos». Refutei veementemente os títulos com que se presenteara, a frase dela estava correcta excepto apelidar de egoísmo e irresponsabilidade a caracterização que fazia dos seus objectivos de vida.

Para mim, isto é claro como água:
– As pessoas são responsáveis na proporção do cumprimento dos compromissos que assumem.
– As pessoas são egoístas na proporção do prejuízo dos outros em favor da satisfação das suas necessidades acima-de-tudo.

A minha amiga é professora e assume a sua função muito competentemente. A minha amiga diverte-se muito e não prejudica ninguém em função do seu divertimento. A minha amiga consome aquilo que consome, sejam concertos, roupa ou copos, com o dinheiro que ganha do seu trabalho. A sociedade ensinou a minha amiga a apelidar-se de egoísta e irresponsável. Eu chamo a minha amiga de amiga e, fossem necessários epítetos face ao seu estilo de vida, diria “responsável” e “hedonista”. E dispensamos sentimentos judaico-cristãos de culpa. 

~ ~ ~

Hoje de manhã, enquanto tomava café no bar do meu local de trabalho com duas colegas, surge o assunto das barrigas de aluguer. As campainhas tocaram cá dentro, mas não tive a esperteza de sair de cena. Diz a colega nº1 que acha muito bem que se autorizem as barrigas de aluguer que é para ver se eles (“eles” quem?) aprendem(!), que é para não demorarem tanto tempo a dar bebés para adopção. Segurem-me senhores. (subitamente, preciso de um cigarro) Acreditam que eu respondi? Pois. Disse umas coisas sobre a adopção não ser uma fábrica de bebés para satisfazer a frustração biológica dos adultos. Mas ela insistiu e contou a história de uma amiga que visita uma menina numa instituição, uma menina que hoje tem 4 anos e que é visitada por este casal desde que tem 1 anito e meio, mas que o juiz nunca mais a liberta para a adopção. Pum. E eu, de rajada: que essas visitas, com esse objectivo, são exactamente o que não deveria acontecer. Esse casal pensa o quê? Que não precisa de estar em lista de espera junto do resto da plebe? Que simplesmente escolhe a criança que quer e depois é só reclamar dos tribunais? Que essa coisa que se diz da adopção ser uma solução de vida para as crianças em primeiro plano e não uma solução para os adultos que querem ser pais não é apenas uma coisa que se diz, pois que tem fundamentos lógicos, legais e éticos muito sólidos. Que quem quer adoptar tem de respeitar a lei. Que não é ético tornar-se família amiga com o primeiro objectivo da adopção. Existe o ser-se “família amiga” e, depois, existe o ser-se família de acolhimento, o ser-se candidato ao apadrinhamento civil ou à adopção. Não existe o escolher-se a criança e visitá-la com vista à adopção, fora do circuito estabelecido, que parte da Segurança Social e que é esta que escolhe o casal para a criança e não o contrário.
ISTO NÃO É DISCURSO PARA FAZER O BONITO. Isto não é um discurso vazio sobre o SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA.
(definitivamente, depois disto hei-de cravar um cigarro a alguém) 


Vamos a ver, todos já ouvimos falar de histórias de crianças cuja vida está "empatada" em instituições à espera de serem “libertadas” para adopções. A lei provavelmente deveria ser revista, sim. Mesmo considerando a melhor instituição possível, concordamos que as crianças devem ter o direito a uma família, o direito a crescer num ambiente que lhe proporcione um crescimento saudável, e quando falamos de saúde estamos também a falar de saúde emocional, certo?
Há um mundo de coisas para dizer sobre isto, mas a principal lição a tirar é que a adopção deve existir, em primeiro plano, para assegurar uma família à criança. Dito de outra forma, a adopção não serve, em primeiro plano, para proporcionar filhos aos adultos. Não pode haver equívoco em relação a isto.

Falando daqueles que partem para a adopção com uma história de infertilidade por detrás, nós, os adultos temos de aceitar a nossa história, temos de aceitar as condicionantes que nos impediram da descendência biológica. Para ser bruta, em inglês, dizemos “get a grip”. Há que aceitar a realidade e encetar o luto da maternidade, ou paternidade, biológica. E, se pensarmos em recorrer à adopção para substituir o filho biológico tudo vai ser muito mais difícil e pode mesmo correr mal. Quando pensamos em adopção, sonhamos com maternidade e/ou paternidade, e é assim que deve de ser, é um sonho de constituir família - é certo, e o sentimento é que conta - é certo, mas convém estarmos muito conscientes de que é um sonho diferente. Não é pior nem é melhor, mas é definitivamente diferente.

Na adopção não há uma barriga, nem um parto, nem amamentação, nem comparações de parecenças com o pai ou a mãe. Na adopção há, de um lado, um ou dois adultos que desejam ter um filho e, do outro lado, há uma criança que carrega uma mochila cheia de histórias. Do outro lado, não há uma tábua-rasa que vem satisfazer um capricho. Do outro lado, há uma criança que precisa de ajuda para crescer, para aprender a confiar que nem todos os adultos são violentos ou negligentes ou omissos. Do outro lado, há uma criança que, de ter vivido tantos anos numa instituição, não sabe o que é ficar de pijama a comer porcarias (entenda-se guloseimas e afins) e a ver televisão o dia todo. Do outro lado, há uma criança que não sabe o que é poder ir ao frigorífico servir-se daquilo que lhe apetecer, mesmo que mais tarde lhe doa a barriga, porque o frigorífico não é seu e as horas das refeições estão escritas num papel oficial, junto com a ementa do mês e os horários das funcionárias. Do outro lado, se é que alguém os aconchega ao final do dia, não é sempre a mesma pessoa, e essa pessoa está apenas a cumprir uma profissão. Do outro lado, não houve a satisfação das necessidades ao desenvolvimento físico e emocional sem contratempos, sem preocupações de se passar fome ou de ser vítima de violência física e/ou psicológica. Do outro lado, ninguém diz "Não faz mal, a mãe/pai está aqui". Do outro lado, há muito provavelmente o sonho de ter uma família, de se ser protegido e não pode haver, nem há, espaço para aquilo que foi o nosso sonho da barriga, do parto, da amamentação, das comparações de parecenças com o pai ou a mãe. A esta altura, os sonhos que os adultos tiveram não interessam para nada.

A vida não me foi fácil e não me deu uma coisa que sonhei ter, pois, de facto, não foi. Mas eu tive um pai e uma mãe e muito amor e muita protecção e muito riso e muito saber o que é chorar todos juntos, todos juntos – um por todos e todos por um. Tenho a obrigação de ser consciente, altruísta e responsável. Se a vida não me deu o que eu queria, não posso usar a vida de uma criança para tentar fazer uma substituição disso. Nem que o tentasse fazer, seria impossível substituir um sonho com outro. Ah, e tal, posso ficar pelos cantos a suspirar pelo que não tive, é legítimo. Por outro lado, se eu mexer uma palha para tentar substituir o meu sonho usando a vida de uma criança através da adopção, então, meus senhores, poderão apelidar-me de egoísta e irresponsável. A verdadeira, e não a minha amiga de que falei no início do texto.

Eu sei que há muitas variáveis e História por detrás desta salganhada toda que é a adopção, mas os pontos têm de ser colocados nos i. Não se pode iniciar a adopção em equívoco acerca dos direitos nela implicados. Já li demasiadas histórias para tentar escapar ao reconhecimento do que é a adopção para o adoptado. Na adopção, os candidatos têm a obrigação de se informarem. Hoje em dia, temos informação grátis e acessível para todos e não concebo que alguém alegue que não sabe onde ir ler sobre adopção. É preciso procurar saber o que é isso do desenvolvimento, do crescer-se como adoptado, do direito à história natural e aos dados genéticos, do direito aos laços que se desejam. É preciso pôr-se o bem-estar dos filhos à frente do nosso – uma coisa que os pais costumam fazer, certo? Mas, do que tenho lido, sinceramente, fico a pensar que muitos pais adoptivos quando dizem que amam os seus filhos como se tivessem nascido de si, esquecem-se de que (1) eles não nasceram de si, pelo que (2) os seus filhos têm direito à sua história.


Quando chegamos a estes lugares de reflexão, digo-vos que tudo o que foi um dia o sonho de ter um bebé fica noutro universo.

Ficam, assim, a saber que estou a marimbar-me para a problemática dos casais que esperam tantos anos para adoptar um bebé.

A adopção não é uma construção à semelhança duma qualquer supremacia do sonho biológico, mas antes a responsabilidade de assumir o superior interesse do adoptado.

A adopção não é uma alternativa à biologia e eu gostava tanto de viver numa sociedade que compreendesse isto.


Cipreste

sábado, 19 de abril de 2014

(...)

via HONY
"It's not as bad as people make it sound. Sure, you created a little monster that you have to take care of. But it's a blast."




















Um dia destes falo disto (depois explico o que é isto)

Vim só dar-vos os bons dias :)

Cipreste

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Planos para amar

Acho este miúdo genial na sua expressão dos sentimentos:



Eu também não gosto sempre das pessoas que amo, embora, enfim, são raras as vezes. E sei que é recíproco.

Sobre os Exercícios do futuro hipotético - coisas do contacto com a equipa de adopções, cujas ideias ando a tentar arrumar, sobram-me sempre duas coisas como as principais "campaínhas":

1. Por vezes, as marcas de se viver anos numa instituição - longe de um ambiente familiar, são mais intensas do que os traumas do passado, propriamente ditos.

2. Na sua maioria, uma das grandes dificuldades que as crianças adoptadas apresentam a início é a confiança no adulto. Estas crianças* não costumam sequer saber o que é acreditar que se é amado e que o amor dos pais é, não acontece apenas conforme os dias ou o humor das partes. Que os pais amam todos os dias, a cada segundo. Para sempre.

Tenho muita curiosidade (e medos) sobre este amor de que tanto se fala. Ando a confiar no futuro, é o que me resta em relação a este assunto.
Eu e o Chaparro escrevemos mensagens um ao outro nas paredes cá de casa, pela escadaria acima. Aguardo ansiosamente pelo dia em que vou escrever para, e com, os meus filhos, nas mesmas paredes.
Talvez uma mensagem assim:

via

Ou a promessa - que aos filhos podemos, e devemos, fazer esta promessa: para sempre.

Cipreste


* já sabem que detesto generalizações, certo? 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Crescer - e educar, nesta era online

Aquele que nunca foi viciado num programa de animação ou numa série de televisão que atire a primeira pedra.

Para começar o meu raciocínio sobre a era online, falo enquanto produto de uma infância que foi marcada pelas tardes a ver televisão. Penso que é importante procurar compreender a conjuntura em que as várias gerações crescem e se encontram antes de se falar delas. No meu caso, não me lembro de ouvir adultos a mandar-nos* ir brincar para a rua, criticando as horas que passávamos frente à televisão. Mas lembro que era uma realidade ouvir mais velhos a criticar mais novos por estes passarem demasiadas horas frente à televisão. Sinceramente, acho que tive um pouco de tudo. Esfolei os joelhos na rua e comi torradas frente à televisão. Vibrava com determinados programas de televisão e sentia um vazio quando acabavam. Tal como quando lia um livro.

*este “nos” por si só, já é um erro, mas é a forma mais simples e directa que encontro para tentar diferenciar as “gerações” no que concerne aquilo que têm à sua disposição e, desde que me lembro de ser gente, as coisas têm de facto evoluído/modificado muito


O hedonismo manda-nos tirar o melhor partido das coisas.
Tratando-se das tecnologias, o seu possível mal não estará nelas propriamente ditas, mas poderá estar na forma como fazemos uso delas. E esta constatação nunca deverá contribuir para que tenhamos uma visão demonizada das tecnologias, antes deverá exactamente ajudar-nos a compreender os fenómenos à sua volta.
E aqui entra a sensatez em cena.

Eu não acho que antigamente é que era bom (isso fica para outra conversa) e que agora estamos a perder uma série de valores, mas acho, sim, que há muitos valores que não vemos amiúde actualmente, de facto, e acho que esta ausência se nota de forma muito exacerbada no uso das tecnologias.
Também não vejo lógica nem utilidade em dividir as pessoas entre as que usam tecnologias e as que não usam e aqui reside um ponto-chave no que concerne a minha opinião face ao Crescer - e educar, nesta era online: penso que, para além das adaptações conformes aos tempos que se vivam, educar é sempre educar e crescer é sempre crescer. [momento com patrocínio de La Palisse]

Educar dá trabalho, mesmo quando se têm filhos que não dão preocupações. Educar nesta era online dá trabalho, portanto, e exige aos pais a devida actualização ao seu tempo – o tempo dos nossos filhos é o nosso tempo, não nos tentemos enganar.
Nesta era online, também é preciso ensinar aos filhos as regras do bom trato. Porque é que deveria ser diferente doutra era? Porque existe um novo canal de comunicação, esquecemos o “por favor” e o “obrigado”? Esquecemos que, quando alguém fala connosco, sói responder? Na era online, continua a ser de bom-tom olhar para as pessoas quando elas estão a falar connosco e não para um aparelho. Na era online, ignorar a mensagem de uma pessoa continua a ser “ignorar a mensagem de uma pessoa”, venha ela em que veículo venha. E isto são só as regras básicas da boa educação.
Depois, há aquela parte da educação que obriga os pais a estarem atentos aos filhos. Por exemplo, às horas que os filhos prestam ao estudo versus as horas que dedicam ao lazer. E outros pormenores como a atenção e concentração que ficam afectados por esta relação. E não foi sempre assim?

Por outro lado, crescer continua a ter as mesmas dificuldades: é difícil crescer, é difícil atravessar a adolescência. A fisiologia continua a ser a mesma, não obstante estarmos em plena era online. O gap geracional sempre existiu e a responsabilidade não é só dos mais novos, é também dos adultos que se esquecem rapidamente o quão difícil é estar no sítio da puberdade e da adolescência. Cabe aos mais novos pôr em causa, esticar a corda e… obedecer. Cabe aos mais velhos explicar porque é que as coisas têm de acontecer da forma como os mais velhos dizem que têm de acontecer.

Talvez vos pareça que ainda não desenvolvi nada sobre qual a minha opinião específica face ao Crescer - e educar, nesta era online. Porque penso que é pouco interessante ler-me sobre as pequenas regras que hoje creio serem de bom senso na educação com tecnologias. Parece-me tudo tão lógico no que deve ser o controlo do uso das tecnologias por parte das crianças e jovens que não consigo sequer organizar uma lista. Digamos que, uma vez mais, acho que deve ser regido por aquilo que são as convicções da família. E aqui convém que a família converse e se defina.
Deixo alguns exemplos sobre o que se passa cá em casa: a nossa opção é não ter TV Cabo, porque nos tira tempo e dinheiro desnecessário; só existe um aparelho de televisão, na sala, que é uma sala comum; a televisão está desligada durante as refeições; aliás, a televisão só é ligada quando alguém lhe está a prestar atenção, o resto do tempo preferimos música ou silêncio; os computadores só são usados nos quartos se alguém está de cama; os telemóveis não fazem as refeições connosco; não estamos de olhos pegados em ecrãs quando alguém fala connosco, etc. 
Reparem que nunca nos sentámos para declarar estas “regras”, são coisas que acontecem naturalmente. Alias, penso que quando as coisas são forçadas acabam sempre por não resultar.

Quando tiver filhos, concerteza engolirei muitas palavras. 
Na devida altura, sei que perceberemos alguns fenómenos em que nunca tínhamos pensado, e que haveremos de ter de pensar algumas das coisas de forma mais deliberada, e que aplicaremos regras desnecessariamente, enfim, faremos o melhor que conseguirmos fazer mas não vale a pena dizer que tudo decorrerá espontaneamente – algumas coisas são e têm de ser pensadas (não estou a falar de coisas que às vezes têm de ser forçadas=impostas).

Se hoje me faz confusão pessoas que não respondem a e-mails, por exemplo, é óbvio que vou contrariar essa tendência se vir que os meus filhos o fazem – para mim, é uma questão de boa educação.
Se hoje me faz confusão estar à mesa com amigos que percorrem o facebook nos telemóveis enquanto conversamos, é óbvio que vou ensinar aos meus filhos que mais vale arrumarem os aparelhos ou recolherem-se do que a estarem só de corpo presente – para mim, é uma questão de boa educação e… de atenção e concentração. 
Ah, pois é, esta conversa toda não trata só de boa educação e etiqueta, mas de coisas que interferem no crescimento dos garotos. 
Sinceramente, fico sempre pasma (de boca aberta mesmo) quando oiço pais de filhos com telemóveis XPTO com acesso internet/PC e TV no quarto/playstation/etc. queixarem-se das notas dos filhos: hello?

Quando falamos de educar, falamos de proteger. E o que penso que nos pode ajudar a manter o Norte no que concernem as questões da educação na era online é mesmo isso: ponderar até onde é que a permissividade estará a interferir com a protecção que é devida aos filhos. Educar dá trabalho, dizer não dá trabalho, mas costuma dar bons resultados, e não esqueçamos que não é sinónimo de desamor, pelo contrário.
Fazer isso sem entrar em conflito é a parte difícil e é o que me parece levar os pais a baixar os braços. Nenhum garoto quer ser o único da sua turma sem um telemóvel XPTO, mas às vezes tem de ser. Imagino que o “segredo” se se viver isto de forma o menos em modo-guerrilha possível, estará na forma como se explica isto. E isso terá de ser vivido caso-a-caso, mas não imagino que não se tenha de recorrer, por vezes, ao “É assim pelos motivos que te expliquei e vai ser assim, mesmo que discordes, porque a decisão é minha – e a mãe aqui sou eu”. 
Ainda não li nenhum estudo que fale dos prejuízos da autoridade per si, mas já li alguns (bastantes) que falam nos seus benefícios.
Resta-nos ser empáticos com os filhos quando estes não podem ter tudo o que desejariam ter e donde acreditam que disso dependeria a sua felicidade. Não será tentando tirar o valor que as coisas têm para eles, mas ajudando-os a perspectivar os acontecimentos. Life goes on.

Cipreste


sexta-feira, 11 de abril de 2014

cenas dos próximos episódios (e um esclarecimento)

Que é como quem anuncia os posts que estão no forno:

~ Exercícios do futuro hipotético - coisas do contacto com a equipa de adopções

~ Crescer - e educar, nesta era online



~ ~ ~

E o esclarecimento:

No texto de ontem, sobre ter-me caracterizado como uma daquelas que sempre quis ser mãe desde pequenina, quero dizer que, entre aquelas que sempre quiseram ser mãe e aquelas que só se lembraram disso quando sentiram o tic-tac biológico, a minha opinião é simples e directa: a única diferença estará na quantidade de anos que se passa a sonhar com as coisas, de resto, os sonhos e as desilusões serão sentidos da mesma forma.

~ ~ ~

Amanhã, os meus pais comemoram as bodas de ouro, não sei se venho aqui deixar umas palavras ou se só volto depois dos festejos em família. O Freixo vem aí para completar o ramalhete. Vai ser bonito.
Ficam já os desejos de que tenham um fim-de-semana maravilhoso.
Bom dia :)

Cipreste

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Sonhar, uma constante da vida*

Sonho com a maternidade desde pequenina. Percorri o Anita Mamã vezes sem conta, sei-o de cor. Comecei por sonhar com bordado inglês e colónia de bebé e sapatinhos Chicco e fraldas e biberões. Sonhei com papas e sestas consoladas e histórias da noite. Sonhei que cuidaria de uma família – da minha família, que cuidaria de preparar cada um para o mundo lá fora. Sonhei com dois mundos, o de fora e o de dentro.
Sonhei com cheirinho a bebé e cedo comecei a cirandar as vizinhas que tinham bebés. E passei a ser uma espécie de ajuda para ficar a ver o bebé “enquanto vou só ali à loja”. Assim que as minhas mãos atingiram o tamanho suficiente, confiaram-me mudas de fraldas e rapidamente passei a poder dar as papas também. Tudo - tudo - me encantava. Estes bebés, por vezes irmãs e irmãos dos meus amigos, esticavam os braços para mim como segunda pessoa de eleição após as suas mães. Volta e meia, eu andava rodeada de bebés e infantes (e de cães, mas isso é uma história para contar noutro dia). No meio disto, sonhava com a minha hora. Quando eu for mãe. Ponto final. Sem reticências.
Vieram os sobrinhos e uma nova dimensão da vivência do amor às crianças. E passei a cuidar com outra responsabilidade. Por esta altura, sonhar com a maternidade era muito mais do que a Anita Mamã. Eu já tinha passado pelas noites de choro da minha menina, pelas suas dorzinhas na perna aos dois anos (que nenhum médico conseguia resolver, uma angústia), pela traquinice do mais novo, pelas birritas dos dois, pela surpresa da alegria que se sente só de se pensar naqueles dois seres. O sonho de ser mãe era algo mais. Crescera comigo. Eu era casada com o tio deles e sonhava com o dia em que lhes daria primos e os veria todos juntos a brincar.
Entretanto, a infertilidade foi admitida. Fui operada, fiz uma gravidez e sofri um aborto espontâneo. Pelo meio, houve a possibilidade de adopção que não foi concretizada (um dia destes vou falar – muito – disto). E veio o divórcio.
A vida deu uma reviravolta e eu nunca dei primos à Princesa e ao Gostarzinho. Cresceram sem brincar com os primos e isso ficou-me sempre como uma mágoa. Sonhei tanto com os primos todos juntos. E é disso que quero dizer - que sonhamos. Que é impossível não sonhar.

Depois vi-me sozinha numa cidade sem qualquer raiz, qualquer amizade, apenas trabalho. Hoje parece-me que os anos entre essa solidão e o encontro com o Chaparro foram muito mais rápidos do que, de facto, foram. Nesse tempo, o sonho de ser mãe deixou de fazer sentido. Nunca tive o impulso de construir uma família sem um companheiro. Agora, já penso que talvez nesta idade considerasse ser mãe solteira, acaso não estivesse numa relação, mas na altura nunca me passou pela cabeça. Assim, o sonho de ser mãe adormeceu durante alguns anos.

A nossa relação aconteceu muito rapidamente. Logo percebemos que estávamos para ficar e, com isso, planeámos, também logo, a vida a dois. E dei por mim a olhar para ele e a pensar “quero ter filhos com ele, quero que seja o pai dos meus filhos”. E o sentimento foi recíproco, falámos desde cedo em filhos. No entanto, eu trazia uma ferida ainda aberta do meu passado – tanto da infertilidade e da perda, como da adopção não concretizada. E percebi a força que o medo pode ter sobre nós, uma força monstruosa.
Para que saibam o quanto resisti a recomeçar nas consultas, digo-vos que marcámos uma consulta em 2010 (4 anos após o início da relação), no privado, para obter um diagnóstico, mas tivemos de desmarcar por motivos de saúde familiar e só voltámos a remarcar em 2011, e não estou a falar da distância Dezembro-Janeiro, mas de 11 meses.

Recomeçado o vai-vem das consultas de infertilidade, vi-me no meio de picas, medo, ecografias, ansiedade, exames dolorosos, desilusões, a mágoa de não atingir um sonho. Cada insucesso na infertilidade foi como uma derrota que me deitou abaixo naquilo que me deveria ser de direito, por natureza e não por decretos inventados pela humanidade. Aqueles momentos nas salas de espera, aquele lugar prévio a nos dizerem se havia folículos, se haveria lugar a punção, se houve óvulos, se houve fecundação, se haveria transferência, eram esperas de um desgaste horroroso. E eu perdi a luta. A cada falha, era eu que não prestava, era eu dilacerada por dentro. Era o meu sonho destruído, passo a passo.
Chegou o dia em que conseguimos dois embriões e eu lutei com todas as minhas forças para fingir, para mim e para os outros, que estava lidar bem com o facto da bióloga me dizer que os meus meninos não estavam a evoluir. Ao fim de dois dias, recebi a notícia – os nossos embriões eram inviáveis. Inviáveis, os meus filhos eram inviáveis e nunca chegariam a entrar no meu útero (também inviável, já agora…). Foram os cortes derradeiros na minha alma. Ajudei a fazer os golpes, em modo de automutilação, fingindo que estava a lidar bem com aquilo tudo. A dor foi tão grande que não consegui encará-la de frente. E acreditem que se há coisa que sou é corajosa, mas as pernas falharam-me e não consegui olhar a minha dor de frente.
Fingi que me prepararia para novo tratamento.

Chorei pouco na altura. Ando a chorar agora, aos bocadinhos. Já percebi que funciono assim, fiz o mesmo quando sofri o aborto, não chorei no momento e depois fiz o luto ao relanti. Penso que esta forma de estar nas coisas protege-me, por um lado, de não cair numa cama a chorar durante semanas seguidas, mas, por outro lado, traz-me num sofrimento mais arrastado.

Há dias, numa sala privada online em que participo, uma companheira de luta deixou-nos esta mensagem:

«O sonho acabou...
Fiz um tratamento de infertilidade, o beta na sexta deu positivo, hoje repeti e o valor baixou, estou mal...a minha revolta é muito grande, tantos sacrifícios e o final é o mais devastador!
Nunca deixem de acreditar, mas hoje não estou nos dias para ter estes pensamentos, são anos de muita batalha!
Um beijinho a todas»

O sonho acabou, reticências. Há tanta coisa dentro destas reticências. Reparem que não me arrogo falar em nome da mulher que recebeu a notícia brutal. Não falo em nome de mais ninguém, senão de mim. Sei apenas que há coisas da dor que têm nome e reconheço-as amiúde em companheiras de confidência. Esta mensagem foi apenas um mote para me tocar a ferida e humedecer os olhos em nome de uma estranha.

Falo do que é em mim este sonho de ser mãe. Falo do que é o corpo todo abrasado em nome de um sonho. Falo das reticências que abomino na escrita literária, mas que não sei como contornar quando falo do meu sonho de ser mãe.
Definitivamente, ainda tenho lágrimas para chorar. Ainda não consigo ler relatos destes sem sentir tudo cá dentro, cada momento, o telefonema... os seus embriões não resistiram. Sem reticências, não eram viáveis, ponto final.

Passados cerca de 2 meses, acordei num bonito Sábado de manhã e senti no meu coração que podia partir para a adopção. O Freixo estava cá, chamei o Chaparro ao quarto, que já se tinha levantado, e falámos em sussurro para não fazer barulho. Disse-lhe que entendia que uma nova fertilização InVitro seria mal sucedida porque a minha endometriose claramente tinha piorado. Perguntei-lhe o que sentia em relação à adopção dizendo-lhe que me sentia cheia de amor para dar e de força para enfrentar (novamente) um processo de adopção.
E o Chaparro sorriu com o seu sorriso maravilhoso e disse-me que só estava à espera de encerrarmos o capítulo dos tratamentos para ter “a conversa da adopção” comigo.

Reparem nesta ideia: ele, o meu amor, só estava à espera que eu me preparasse.

É possível ser mais afortunada do que isto?

É esta a história da minha vida. É este o rumo do meu sonho de ser mãe, do meu sonho de ter filhos. Tenho uma ferida cá dentro, mas também tenho esperança. Escolhi o caminho da adopção e entretanto percebi que a adopção não é, de facto, uma alternativa à forma biológica da maternidade. São mundos paralelos. Mas o meu sonho é o mesmo: ter filhos.


Cipreste


* evocando António Gedeão in Pedra Filosofal 

coisas óbvias que devem ser ditas

"Uma coisa é ser mãe, outra coisa é ter filhos."
K.


Cipreste

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Apresentando a nossa família: as crianças

Hoje vou mostrar-vos um pouco mais de nós.
Tenho andado a escrever um texto sobre o sonho de ser mãe e, lá pelo meio, deu-me para começar a falar dos meus meninos e das minhas meninas, pelo que resolvi que era altura de vos apresentar a família. Não vou entrar em pormenores sobre as personalidades de cada um, mas apenas referir as suas chegadas à minha vida.

Começando pela pequena mais velha, conhecida por A princesa, com… 22 anitos. A minha menina pequenina, portanto. A gravidez, não tendo sido propriamente planeada, foi vivida pelos os pais com alguma parcimónia no início. Mas eu não estive com meias medidas e, nem pensei se era cedo ou não, ofereci-lhes uma blusa de bordado da Madeira, sem saber que era a primeira prenda. Disseram-me que ficaram tão enternecidos com o meu gesto que gostavam que eu aceitasse ser madrinha do bebé. E eu aceitei, lisonjeada. Esta menina é um dos grandes amores da minha vida. Só de o escrever sinto o peito cheio de alegria. É a minha menina mais velha. Dois anos e meio depois da sua chegada, nasceu o mano – o meu Gostarzinho, e assim me vi como A Madrinha das duas crianças mais doces, com tanto amor e tanta alegria a invadir-me a vida.
Depois, vieram as meninas da minha irmã. Mais uma emoção sem igual. Nem a consigo descrever. Os nomes que lhes dei: Líti, a mais velha, com 10 anos, e Noqui, a mais nova, com 8 anos.
Vivo a cerca de 100km da minha família, os meus pais e a minha irmã vivem lado-a-lado. E suspeito que a minha irmã criou uma espécie de culto da tia Cipreste lá em casa. A forma entusiasta com que sou sempre recebida por elas e a desilusão que mostram sempre que é hora de vir embora deixam-me com um sentimento de reconhecimento que hei-de agradecer sempre à minha irmã. É muita generosidade. Há coisas da vida que ficam para ser faladas “quando a tia Cipreste vier cá a casa” e isso dá-nos um lugar muito especial, só nosso. Se acaso uma delas resolve desconfiar de alguma coisa que lhe digo e lhe pergunto “alguma vez te menti?” e me responde “não, tia, nunca me mentiste” sinto a verdade e o tamanho que a nossa relação tem.

Dos meus sobrinhos mais velhos, acabei por ser um pouco uma mãe, porque foi assim que a vida se proporcionou. Nunca esquecerei o dia em que a minha cunhada me reconheceu: tu também és mãe deles, és a sua segunda mãe. Quanta generosidade.
Das minhas sobrinhas mais novas fui sempre a tia, a viver longe e a tentar recompor a minha vida e a aproveitar cada minuto juntas, deixando as responsabilidades para os pais.

Depois chegou o Chaparro e foi logo adoptado como tio por todos eles.

Com a chegada do Chaparro, veio também o Freixo (tinha 7 anitos, hoje está com 15 anos) e um turbilhão de emoções. Primeiro, pensar que talvez não o devesse sequer conhecer porque muito provavelmente não levaria a relação adiante pelo que seria emocionalmente muito mais seguro para toda a gente que não nos conhecêssemos. O tempo passou e acabámos por nos conhecer. E eu com aqueles mitos todos de que os putos odeiam as namoradas do pai mas o diacho do puto foi simpático e muito receptivo. Resumindo: conquistou-me. Perguntou logo ao pai se eu seria a sua madrasta, mas fez questão de frisar que não gostava do termo, muito provavelmente à causa dos contos dos irmãos Grimm. O tempo passou e os afectos começaram a ocupar o seu lugar. E eu sempre muito consciente, sempre com os travões accionados a repetir: não sou a mãe dele, ele tem mãe.
Não quero dizer que tenha sido difícil construir a minha relação com o Freixo, porque não o foi, ele é muito afável e uma pessoa que gosta da família, e já era assim em garoto. Sempre me incluiu na família. Um dia, disse ao pai que gostava de ter mais irmãos (tem dois, mais novos, do lado da mãe) que fossem “filhos da Cipreste”. Querem mais generosidade do que isto?
Enfim, temos a nossa relação, temos as nossas cenas que são só nossas, a nossa cumplicidade. E é muito bom quando estamos os três juntos e a receptividade dele face ao nosso casamento, depois aos tratamentos e agora face à adopção é das coisas melhores para nós, faz de nós três uma família (mais o gato, vá).

Temos mais dois sobrinhos: os manos do Freixo. São o T., com 9 anos e o D., com 5 anos. O mais pequeno, como nunca passa muito tempo connosco é um tímido, ainda se esconde muito de nós. Já o T., posso dizer que tem uma relação connosco. Há 2 anos passou duas semanas em nossa casa, nas férias de Verão. E foi muito bonito. Tanto pelo gesto do Freixo querer trazer o irmão, bem mais novo, como pela forma como se mostrou sentir em casa. Dá os abraços mais gostosos do mundo.

E agora a família vai aumentar porque vamos ser tios de novo, por vias da mana Chaparra.

Há dias, alguém, dizia ao Chaparro que finalmente ia saber o que é ser tio e ele respondeu, muito pronto, que já é tio (pelo meu lado da família). E eu senti o coração quentinho.


E agora só uma curiosidade: Se fizerem contas, perceberão que neste grupo de 8 crianças*, metade são “de sangue” e outra metade não são. Penso que isto diz algo sobre de onde não vem o amor.

Cipreste


* ok, ok, a Princesa, o Gostarzinho e o Freixo já não são crianças, mas contam na mesma; e já estou a contar com o/a sobrinho/a que vem aí

terça-feira, 8 de abril de 2014

isto anda (mesmo) tudo ligado

ao concentrar-me em questões históricas e factuais sobre a adopção, estou sempre a evocar isto:

 

um dia destes tento arrumar estas ideias e vir cá explicar-me

Despicable me

Ontem vi Gru, o mal disposto, pela primeira vez. Era só para dizer isso. Bom dia.

 
 Cipreste

Nota mental: criar uma coluna no rodapé do blog com filmes que façam alusão à adopção.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

da protecção das crianças nesta era online

Ontem sonhei com uma menina que não conheço. Quer dizer, conheço, mas não conheço. Trata-se de uma menina cuja história acompanho online há 2 anos.
Visito amiúde uma mão-cheia de blogs sobre parentalidade e adopção, a maior parte anglófonos, há cerca de 3/4 anos. Antes mesmo de decidirmos pelo caminho da adopção. Digamos que antes de nos admitirmos, de nos assumirmos um ao outro, com vontade de embarcar na adopção. Dentre estes blogs, vou acompanhando a história desta menina e a da sua irmã (mais velha) - cuja história foi uma das primeiras que comecei a acompanhar.
Creio que o Chaparro não visita o blog, mas reconhece os nomes das meninas e as suas histórias, quando o informo de alguma novidade nunca pergunta “quem?!”, antes diz “oh, que bom” ou “que giro”.
Portanto, e pensando nisso agora, é como se estivéssemos a falar das filhotas de algum vizinho ou de amigos distantes. Acontece que não é disso que se trata, pois a relação não é bilateral. Nós sabemos quem é aquela família. Ou, no mínimo, conhecemos-lhes os rostos, para não falar de muitas coisas dos seus percursos de vida. Estão lá as imagens para vermos: blog, instagram, flickr, facebook, twitter, etc. E diga-se que são uma família bonita de se ver. E, repare-se que não se trata só de ver, trata-se de se associar a imagem ao que se sabe. Acompanhámos cada passo de cada cirurgia da mais nova. Sabíamos onde é que ela estava internada. Sabemos onde fazem as suas compras, onde gostam de ir tomar café. Sabemos datas, por ex, quando fazem anos.
É muita informação sobre uma família que, de mim, o máximo que poderá deter será o IP.

Esta era online traz-me sempre em reflexão. Nada é linear e nada compreendo à primeira. Quando penso que compreendi uma camada da existência online, percebo que há mais algumas que não estão tão visíveis, e volto quase à estaca zero nas conclusões a que havia chegado.

Sou do meu tempo, sou deste tempo. Não estaria aqui a comunicar convosco se não o fosse. Nunca andei no MIRC nem no IRC. Leio e detenho blogs desde cerca de 2003. Usei fóruns. Tenho uma conta pessoal no facebook com algumas páginas associadas. Agora que falamos nisso, nunca me ocorreu abrir uma página para este blog (será necessário ou útil?). Não twitto, porque não lhe acho graça. Enfim, sou do meu tempo. Porém vou sendo-o devagarinho. Talvez tenha sido das últimas entre os meus amigos a criar conta no facebook. Há fotos minhas com o rosto perfeitamente identificado, porque alguns amigos começaram a afixá-las (sem me perguntar, já agora) e dum ou outro evento duma coisa a que estou ligada e da qual ficaria difícil controlar a publicação de imagens, no caso de eu eventualmente fazer questão de não aparecer (mas chega a pouquíssima gente). Raramente uso uma foto do meu rosto no perfil e quando uso é sempre um pouco desfocada. Nunca partilho fotos de cenas domésticas com a identificação explícita das pessoas, e zelo sempre com mais cuidado pela identificação de pessoas que sei não estarem confortáveis com os fenómenos do online (nomeadamente duas grandes amigas).
Disclaimer: esta é a minha forma de estar online, não é melhor nem pior do que as outras (bom, e daí, outro assunto, acho que sim, que há pessoas que sabem melhor do que outras sobre como estar online), esta é a que me é natural e confortável.

Este assunto dá muito pano para mangas. E eu agora podia falar de educação e etiqueta online. Podia falar da liberdade a que algumas pessoas se dão publicando fotografias de terceiros sem se "importunarem" lembrarem de pedir autorização. Podia falar das relações online, nomeadamente de uma das coisas que mais abomino – os recados, vulgo indirectas, online. A falta de carácter que se vê a olhos nus de quem prefere deixar recados a resolver as suas questões olhos nos olhos é, para mim, das revelações mais óbvias da pobreza de espírito das pessoas. E nós a ver tudo e a pessoa a pensar que está a fazer um figurão: triste.

Adiante que eu dizia que isto dá pano para mangas mas o que me traz hoje aqui é a identificação de pessoas, especificamente de crianças e, mais especificamente ainda, a identificação de crianças adoptadas.

Sinceramente, se alguém me viesse dizer que sonhou com um filho meu, filho que não conhece para além das fotos e histórias do blog, acho que o meu primeiro impulso seria apagar o blog. Estou a exagerar ou isto arrepia um bocado? Ou devo simplesmente encarar estas meninas como vedetas, pessoas cujos rostos e histórias são públicos?
Reparem, o meu sonho foi muito inocente. Ainda assim, acordei com a sensação de ter sonhado algo que não devia.
Bom, talvez eu seja uma grande pudica e eram evitadas estas linhas todas de parlapié. Não sei, mas hei-de solucionar esta sensação estranha de ter sonhado que passeava a menina.

Para já, isto só veio confirmar a minha ideia de que pouco provavelmente divulgarei de forma explícita a imagem dos meus futuros filhos. 

esta imagem é-me tão ternurenta, vi-a ali e ficou-me cá dentro :)

Poucas pessoas dos meus relacionamentos têm conhecimento deste blog, talvez meia-dúzia e, dessas, são poucas as que me dizem que o visitam. Não o escondo dos meus amigos, apenas não creio que muitos deles tivessem interesse em lê-lo. Das pessoas que não me conhecem, acho que consigo preservar a nossa identidade. Até porque não somos pessoas públicas. Estou, portanto, convencida de que se tiram poucos nabos desta púcara. Ou antes, pelas partilhas de pensamentos que faço, conhecem-me mais a alma do que o rosto, o nome, a minha profissão ou onde vivo.


É bem certo que eu própria vou olhando as fotos dos meninos dos outros, mas não deixo de ler ou visitar blogs cujas imagens dos envolvidos estão protegidas. É também certo que pode chegar aqui alguém e reconhecer-me, nesse caso, sou grata pela vossa discrição ;)


Algumas notas para finalizar:

- discutir as motivações de algumas pessoas para se exporem, e às suas famílias, nos blogs e quejandos, sugerindo interesses de audiência associados a patrocínios são outros quinhentos e eu nem sequer vou por aí;

- há milhões de imagens de crianças online, bem sei, para publicidade, informação, sensibilização, etc., mas não é o mesmo que estar a imagem associada a relatos de vida; 

- mesmo para  famílias sem associação a adopção ou outras questões que incutam mais protecção, aqueles que crêem ser inócuo associar a imagem dos seus filhos a relatos engraçados das suas tropleias, podem sempre estar a dar informações, aos seus coleguinhas de escola por exemplo, que não têm a certeza de ser informação a ser usada de forma inocente. 

- deixando de lado teorias da conspiração, podem perguntar-me o que é que penso que pode acontecer de mal por divulgar a imagem de crianças - sei lá, um completo estranho sonhar com os vossos filhos não vos parece suficientemente estranho e justificação para nos sentarmos a pensar e a falar disto?

Don't get me wrong. Tenho tirado muito partido da dimensão online do mundo da parentalidade e da adopção. E gosto muito. E faz-me bem. Estou só a falar de cuidados que acho que não devemos descurar.

- Etc., etc. Eu disse: pano para mangas.



Bom dia e desejos de que tenham uma semana bonita,

Cipreste

domingo, 6 de abril de 2014

Merecer ser amado, cuidado, acarinhado




Vídeo por sugestão da Mãe Sabichona, a quem sou muito agradecida. 

Não resisti a fazer uma tradução-livre do "texto":

Por vezes, alguém magoa-nos tanto que deixa de doer de todo. Até que algo no faz sentir de novo. E depois volta tudo, cada palavra. Cada dor. Cada momento.
Como é que poderás alguma vez perceber de onde venho? Mesmo que perguntes. Mesmo que oiças. Não estás aqui, nem viste, nem sentiste. Tu não te lembras da minha história. Não caminhaste no meu trilho. Não viste o que eu vi.

O meu passado define-me. Isto é o que eu sou. Eu sou: invisível, sem voz, indesejada. Isto é o que eu sou, se é que sou algo.

Parece que a mesma coisa que me manteve foi a mesma que me levou abaixo. O mundo virou-se do avesso e a ordem desapareceu. Nada foi como deveria ser e uma tristeza dura preencheu-me a alma.
De forma cada vez mais profunda, afundei em mim mesma. E nada me conseguia fazer ressurgir. Encarcerada na miséria da minha vida. Perdida na dor da minha alma. Incapaz de ver a luz. Incapaz de ver a alvorada, de sentir, de ter esperança, de sonhar.
E assim os dias escuros continuavam a chegar, e as noites negros da minha alma não paravam. Parecia que era sempre de noite com pesadelos, e que nunca era de manhã. E talvez nos questionemos “porquê?”, mas na maior parte do tempo tentamos nem pensar nisso e tentamos escapar e sobreviver. E tudo o resto fica tão insignificante, a única coisa que desejamos é recuperar o que tínhamos. Como desejar que pudéssemos ver a nossa mãe a sorrir de novo. E ouvi-la a cantar aquela canção preferida que sempre nos acalmou. Ou, se não podemos recuperar a nossa mãe que, pelo menos, pudéssemos tomar conta do nosso irmão bebé. Porque sabemos que ele precisa de nós e que vai ter medo e sentir-se sozinho. E quem é que lhe vai agarrar a mão e segredar-lhe que vai correr tudo bem? E quem o há-de segredar a mim?

Sei que sou desamparada, dependente, desesperada. Mas o que acontece quando aqueles de quem precisávamos são os que mais ameaçam a nossa própria existência? Já ouvi muitas promessas, e todas soam ao mesmo. Se eu tentar o suficientemente, mais tarde ou mais cedo, todas as promessas provam ser vãs.

O sol nasce toas as manhãs, mas saberemos onde? Em cada lugar, é num sítio diferente. É difícil encontrar o norte quando continuamos a mudar, mas acabamos por encontra-lo. Ao menos isso. Habituei-me a depender disso. E devagarinho, devagarinho, as estações mudaram. E parecia que, desta vez, talvez o tapete não seria puxado por debaixo dos meus pés, de novo. Pés a salvo, raízes a começar a crescer, pequenos pedaços de esperança para mim. Devagarinho a tentar confiar nesta vida nova.
Desejo que alguém me diga que vai correr tudo bem. Que um dia, talvez, me sinta normal. E que não me sinta sempre sozinha. Que tenha uma mãe que me abrace e que seja forte por mim. Porque, talvez, eu não consiga fazer tudo sozinha.

Este é o meu passado. A minha história não é culpa minha, não é por minha causa. E não tem de ser o que define o meu futuro. Eu sou amável, eu mereço cuidado. E um vislumbre de luz faz toda a diferença.
Os vislumbres de luz dão-me esperança de que um dia o meu Verão chegue.

________________________________

“It would be impossible to fully understand the life and emotions of a child going through the foster care system, but this short narrative film portrays that saga in a poetic light, with brushes of fear, anger, sadness, and a tiny bit of hope.” - Santa Barbara Independent via

________________________________

Nota pessoal: O vídeo foi realizado para sensibilização sobre famílias de acolhimento, mas o que me interessa mesmo nele é a forma eficaz como nos deixa perceber o universo da criança que vive traumas, é retirada à família e entregue a estranhos. Nada mais consigo dizer, estou demasiado comovida.


Cipreste

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Sugestão do dia


Hoje comprei este livro para o filhote de uma amiga. Tenho um exemplar há cerca de 15 anos, oferecido pela minha melhor amiga. Passei a comprá-lo, de vez em quando, para adultos e crianças, indiscriminadamente. Já passavam alguns anos desde a última vez que o comprara para alguém. Emocionei-me quando o abri de novo. É bonito. Pronto. Era isso.
Deixei mais dois encomendados -  para uma adulta e para um crianço.
Achei que devia partilhar este segredo convosco. Estará certamente disponível na vossa livraria.
De nada. :)

Cipreste

^.^

o P é obra minha, não-adepta do desacordo ortográfico

quarta-feira, 2 de abril de 2014

parole parole parole - parte II

Disclaimer: não me levem a mal o eventual tom abespinhado neste post. Reservo-me o direito. Ainda assim, podem reclamar se não gostarem. Ouvirei cada reclamação com a atenção devida :)


Vê lá no que é que te vais meter.

É outra coisa que corremos o risco de ouvir quando falamos com algumas pessoas sobre o processo de adopção.

Para começar, digam-me por favor: alguém tem a veleidade de saber em que se vai meter antes de se meter em seja o que for? Será que não é do senso comum que ninguém sabe, de facto, em que se vai meter antes de se meter nelas?

Aborrece-me um bocado esta pose. Sim, é uma pose. Como se eu fora uma inconsciente e a pessoa do outro lado do discurso esteja a ver a realidade muito além daquilo que eu possa alcançar e que me resta confiar no seu aviso: Que eu veja lá bem no que é que me estou a meter. E pronto, oiço isto e depois o quê? Faço provas da minha idoneidade, atestando o meu (impossível) conhecimento total e esgotado sobre aquilo em que me vou meter? Ou desisto porque, oh, não tinha pensado nisso, muito obrigada pelo laivo de clarividência?

Ouvi isto há dias, de uma pessoa sem filhos. Também este Verão tive uma conversa surreal, com outra pessoa, à volta deste aviso.

Sinceramente, não compreendo.
Sabem, é que de boas intenções está o inferno cheio e isto ofende. É bem certo que sou uma pessoa muito séria e muito cheia de mim e que levo as palavras das outras pessoas como se elas também quisessem dizer aquilo que realmente dizem. Eu sei. Duh para mim.

A conversa do passado Verão foi tão estranha que a pessoa, mãe de uma menina pré-adolescente, quase admitiu que estava arrependida de ter tido a filha. Wow. Falávamos de tratamentos de fertilidade e de adopção e a questão era se tínhamos mesmo pensado nas coisas a sério. O remate da pergunta era uma exclamação: tu não sabes o que é, como é, ser mãe. Tcharan. Eu-não-sei-o-que-é-ser-mãe. [Momento Prémio Sensibilidade do Ano com o patrocínio das evidências presentes na minha vida desde 1997]

Passa pela cabeça de alguém que me conheça que eu nunca me tenha aventurado nas questões do que poderá ser ter um filho? A sério, não percebo. Há pessoas que dizem coisas só para dizer coisas, não é? Sujeitei-me a cirurgia e tratamentos, passei por gravidez e aborto, embarco na adopção, mas nunca me ocorreu pensar em divagar no que poderá ser isso de se ser mãe, isso de ter um filho à minha responsabilidade. Hum? Depois disto tudo, é óbvio que a clarividência está do lado de quem está saturado de viver o peso das responsabilidades de se ser pai (ou mãe) e que embora ame o seu filho não o deseja para mim.

Não consigo perceber, alguém por favor me explique o que leva alguém a fazer este aviso. É que, reparem, serei tão volúvel que, após o aviso, comece a pensar que afinal as “compensações” de que alguns falam sejam uma treta, a grande mentira? Afinal, não vale a pena “ficar para segundo plano” e “abdicar de toda a minha liberdade”? Ah, ok, então parem as rotativas que eu já não quero nada disto, foi apenas um equívoco. Talvez seja bom parar mesmo. Ocorre-me agora que talvez me consideram incapaz da maternidade, até a que não tem filhos. Afinal, será que o Universo tem tentado falar comigo, com o meu percurso de vida, para me dizer “Cipreste, desiste, tu não nasceste para ser mãe, tu não estás talhada para isto”?

E agora, paramos?
Não, não paramos.
Ninguém é bom juiz em causa própria, bem sei, mas não admito este tipo de discurso a ninguém. Ainda sou uma pessoa imputável, e não o sou mais nem menos do que qualquer uma das pessoas que proferiram estes avisos. Não tenho medo de correr o risco de ser (mais) feliz. Tenho um ego de tamanho q.b. pelo que confio no meu discernimento. Não me avisem das coisas óbvias do futuro como das abdicações inerentes à maternidade, por exemplo, antes ofereçam o vosso apoio. Isso, ou afastem as energias negativas que nós precisamos é de apoio. Todos sabemos que nunca estamos a ver o quadro todo antes de estarmos lá dentro. Mas certas evidências em nada ajudam, só trazem de fora uma mensagem de falta de confiança em nós.

Já agora, e para que não restem dúvidas, não encaramos a adopção como ir buscar um cão ao canil municipal. E até conseguimos compreender que adoptar um animal já envolve algum nível de responsabilidade. Não é à toa que sobrevive um gato cá em casa há 10 anos.

Eu-não-sei-o-que-é-ser-mãe, pois não, não sei, obrigada. Mas hei-de saber e espero que seja, em primeiro plano, uma dádiva bonita e não um peso.


Eu hei-de ser capaz, o Chaparro há-de ser capaz. Nós seremos capazes.



Não sabemos no que nos estamos a meter, mas seremos capaz de o fazer o melhor que nos seja possível fazer: com amor e boa vontade.

Deixo uma proposta: ‘bora ser felizes com os sonhos uns dos outros?

Cipreste

parole parole parole - parte I

Daquilo que dizemos uns aos outros.

Nunca me não habituei a esta ideia de que algumas pessoas, por vezes, não queriam bem dizer aquilo que disseram nem queriam bem ter feito aquilo que fizeram. Baralho-me e levo as coisas a peito, partindo do princípio equivocado de que somos todos pessoas francas. Sim, estou a entrar pelas generalidades sobre aquilo que dizemos uns aos outros. Já explico melhor.

Há dias, líamos antes de dormir, ou antes eu lia já no sofá e o Chaparro, invejoso, foi buscar a sua leitura também. Digo invejoso porque eu lia o Adoption Reunion in the Social Media Age: An Anthology, de Laura Dennis e ele foi buscar o “seu” A Aventura da Adopção, de John R. Thompson e Karen J. Foli. Há duas semanas que não pegávamos no assunto adopção por andarmos entretidos com outras coisas, também boas. Confesso que já tinha saudades de me afundar nestes meandros. Acho que tenho aprendido muito sobre a vida e sobre as pessoas com esta história de me querer documentar sobre a adopção.
Só um à parte: por favor, não confundam, pois ando um bocadinho cansada de ser mal interpretada - eu disse “aprender muito” não disse “saber muito”, ok?

Avante.

Gosto de pessoas que não adiantam muitas palavras sobre os assuntos mas que, quando as adiantam, fazem-no de forma certeira. Eu sou daquelas pessoas que usam muitas palavras (creio que já repararam nisso) e o Chaparro é daquelas pessoas que não precisa de muitas palavras para dizer “as verdades”. Sobre o tema deste post: aquilo que dizemos uns aos outros, ontem recebi uma carta linda do Chaparro, que tem estado fora em trabalho. E foi assim que ele validou sentimentos que me têm minado os dias.

Às vezes, inventamos na nossa cabeça dimensões para as relações que estas não têm, de facto. Acontece que vivenciei há pouco tempo um quid pro quo que serviu para me abrir os olhos sobre a autenticidade de determinadas coisas. Não sou pessoa de me contentar com coisas mornas e tenho-me concentrado em tentar perceber a razão das minhas atitudes e das das outras pessoas. Demoro-me, não sou assim uma daquelas pessoas fixes que arrumam assuntos num piscar de olhos e toca a andar de bicicleta que isto é tudo muito divertido e nós somos todos muito cool e não temos paciência para remoer (n)as coisas. Não sou adepta do toca-e-foge, vejo algum sentido em procurar perceber porque é que alguém me diz uma coisa num dia e as desdiz completamente no dia seguinte como se nunca as tivesse proferido. Mas as palavras já estão cá dentro e, se a pessoa não está disponível para conversar comigo e fazer-me entender o seu lado, fico sozinha a tentar solucionar o puzzle. Fico a mastigar tudo bem devagarinho para que no fim sobre uma digestão sem refluxos malucos. E consigo sempre que o que me sobre seja verdadeiro. Há, porém, várias contas que acabo por ter de pagar no final destes desacertos. Lamento, por exemplo, ver-me resumida àquela aborreceu toda a gente e que não os deixou gozar o momento. Quando o que eu desejava era ver solvida uma tensão. Decepcionamo-nos e os afectos até queriam contrariar essas desilusões, no entanto, no fim damos por nós a admitir, como canta o Sérgio Godinho, que mais vale um bom desengano do que andar enganado sempre. Mas não deixa de ser triste. E depois, nesta era online vê-se tudo tão a céu aberto, vêem-se poses que acabam por provar que ninguém enterrou coisa nenhuma mas, afinal, concentrou as energias bem longe dos afectos e da vontade de lavar o que ficou sujo.

Hei-de lutar para sempre contra a tentativa de provar que as pessoas são todas assim, porque eu (pessoa com outros defeitos) não sou assim e não estou sozinha.

Estas coisas só vêm confirmar a minha sensibilidade sobre como devo encaminhar as minhas relações e a vontade que tenho de contrariar invariavelmente todas as tentativas de se falar dos ausentes e, pior, como tenho visto mais vezes do que desejaria - o julgamento de quem não está presente para se defender. E digo mais: sinceramente, não estou certa deste tipo de comportamentos estar muito longe da origem do bullying. É assustador quão hostil se pode tornar uma agremiação quando contrariada.

Eis a miscelânea com que tenho labutado cá dentro.

No fim, com uma carta linda de morrer, cheia de bem-querer e de gostar de compreender e de não recear falar as coisas, o Chaparro validou-me os sentimentos e propôs-me caminhar no sentido da conciliação com o facto de que fiz o que podia fazer, fui franca, independentemente do resultado a que me levou. Mas que agora é hora de aceitar que nem toda a gente quer levar as coisas ao mesmo porto.
Que as noções de bondade e do cuidar do outro, por vezes, são conformes aos egos. Nem sempre se consegue conciliar as verdades das várias consciências, facto que se incompatibiliza com a noção de genuinidade necessária às relações.

Essa carta rematava o raciocínio com esta citação do livro A Aventura da Adopção:

«nós controlamos as nossas acções e somos responsáveis pela forma como agirmos perante as nossas emoções.(...) Ao aceitarmos a nossa incapacidade de controlar, podemos libertar a energia que tem sido empregue a tentar mudar o imutável. Não estamos a advogar a passividade, mas antes uma assertividade apropriada e a abdicação daqueles acontecimentos improdutivos que nos custam tempo e energia.»


E foi assim que consegui pôr o ponto final no que me tem consumido emoções e tentativas de neutralizar as beliscadelas dos últimos tempos. Resta-me lamentar e fazer o luto de algo que eu pensava existir e fazer-me rodear daqueles que correspondem no bem-querer comigo. Tudo para não perder a fé em mim e nos outros, continuar a lembrar que todos carregam as suas histórias e dificuldades. Continuar a cuidar, como sempre cuidei. E preparar-me para a minha cirurgia e para a entrevista com a psicóloga* e para o 50º aniversário de casamento dos meus queridos pais.
Andar em frente, de consciência limpa, dar-me bem com a minha almofada e afirmar: Se os meus pais conseguiram, eu também hei-de conseguir.

Um bom dia para vós. Já tinha saudades.

Cipreste

* “finalmente!” marcada: a nossa equipa das adopções ficou sem psicóloga há uns meses e no dia em que teremos a entrevista com a psicóloga já distarão 7 meses do início do nosso processo, portanto 1 mês além da data legal para termos o certificado que ainda não temos, faltará ainda a visita domiciliária e a aprovação do casal Cipreste&Chaparro como candidatos competentes à adopção :)