Mostrar mensagens com a etiqueta oh infertility. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta oh infertility. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

mágoas


Já ultrapassei muitas das mágoas dos últimos anos. 

Há uma que é um pau-de-dois-bicos: a minha esterilidade.

Assim mesmo, com o nome à antiga. Fui estéril. Sou um campo estéril. 
O meu ventre foi estéril, não me serviu de nada, só me serviu para sofrer física e psicologicamente.

Nem sequer o parirás com dor me calhou.

O tempo passou. Tornei-me mãe. O meu coração tem filhos. E deixei de ter as dores físicas.

Sinto agora serenidade na forma como convivo com a infertilidade e o fim dessa história com a histerectomia, mas não sinto serenidade quanto ao facto de não ter sido eu a gerar, carregar, parir e amamentar os meus filhos. 
Estes filhos. 
Os meus filhos.
Magoa-me não ter sido eu. 
Se são meus - que são, não me faz sentido não ter sido eu a gerar, carregar, parir e amamentá-los. 
É como um buraco na realidade.


Ainda não consegui solucionar isto nem sei se é um desgosto que alguma vez venha a estar arrumado e num lugar de convivência sã com os factos.

Não são só os meus filhos que têm mágoa de não ter fotografias suas de quando eram bebés, eu também tenho - especialmente de fotos destas: mãe e filho, após o nascimento.

Tenho mágoa de não poder dizer: fui eu que fiz os meus filhos.
Estão a ver estes dois seres tão maravilhosos, alegres, compassivos, divertidos, disponíveis, bondosos, generosos? Queria gritar: FUI EU QUE OS FIZ.

Não o posso dizer, não fui eu, de facto, que os fiz.

Será egoísta? Não sei.
Sou consciente de que não tem nada a ver com querer anular a existência dos seus progenitores nas suas narrativas. Não tem a ver com as pessoas do passado, tem a ver comigo e com uma lacuna que existe na biologia dos meus sentimentos. 

Às vezes, penso que, no caso de algum dos meus filhos vir a ter os seus próprios filhos, essa imagem - deles com os seus filhos recém-nascidos (embora ambos digam que quererão adoptar, mas isso são outros quinhentos) - com os meus netos, possa vir a redimir a ausência da nossa. 
Não sei explicar onde fui buscar esta ideia, é até uma ideia que mais me parece ser uma fantasia. 
E agora estou a partilhar as minhas fantasias com pessoas que nunca vi? Oh céus, acho que ao contrário do que sempre pensei, afinal a escrita tornar-nos-á inconscientes? :)

Eu avisei, isto é um pau-de-dois-bicos, não há saída racional possível para este assunto, nem forma coesa de eu o conseguir explanar. 
Pelo menos por agora, porque é uma mágoa e as mágoas são tão só isso: dor de alma, desgosto. 
E a dor de alma não me deixa falar com nexo.

Talvez passe :)

Bom dia a todos,
Cipreste

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Sonhar, uma constante da vida*

Sonho com a maternidade desde pequenina. Percorri o Anita Mamã vezes sem conta, sei-o de cor. Comecei por sonhar com bordado inglês e colónia de bebé e sapatinhos Chicco e fraldas e biberões. Sonhei com papas e sestas consoladas e histórias da noite. Sonhei que cuidaria de uma família – da minha família, que cuidaria de preparar cada um para o mundo lá fora. Sonhei com dois mundos, o de fora e o de dentro.
Sonhei com cheirinho a bebé e cedo comecei a cirandar as vizinhas que tinham bebés. E passei a ser uma espécie de ajuda para ficar a ver o bebé “enquanto vou só ali à loja”. Assim que as minhas mãos atingiram o tamanho suficiente, confiaram-me mudas de fraldas e rapidamente passei a poder dar as papas também. Tudo - tudo - me encantava. Estes bebés, por vezes irmãs e irmãos dos meus amigos, esticavam os braços para mim como segunda pessoa de eleição após as suas mães. Volta e meia, eu andava rodeada de bebés e infantes (e de cães, mas isso é uma história para contar noutro dia). No meio disto, sonhava com a minha hora. Quando eu for mãe. Ponto final. Sem reticências.
Vieram os sobrinhos e uma nova dimensão da vivência do amor às crianças. E passei a cuidar com outra responsabilidade. Por esta altura, sonhar com a maternidade era muito mais do que a Anita Mamã. Eu já tinha passado pelas noites de choro da minha menina, pelas suas dorzinhas na perna aos dois anos (que nenhum médico conseguia resolver, uma angústia), pela traquinice do mais novo, pelas birritas dos dois, pela surpresa da alegria que se sente só de se pensar naqueles dois seres. O sonho de ser mãe era algo mais. Crescera comigo. Eu era casada com o tio deles e sonhava com o dia em que lhes daria primos e os veria todos juntos a brincar.
Entretanto, a infertilidade foi admitida. Fui operada, fiz uma gravidez e sofri um aborto espontâneo. Pelo meio, houve a possibilidade de adopção que não foi concretizada (um dia destes vou falar – muito – disto). E veio o divórcio.
A vida deu uma reviravolta e eu nunca dei primos à Princesa e ao Gostarzinho. Cresceram sem brincar com os primos e isso ficou-me sempre como uma mágoa. Sonhei tanto com os primos todos juntos. E é disso que quero dizer - que sonhamos. Que é impossível não sonhar.

Depois vi-me sozinha numa cidade sem qualquer raiz, qualquer amizade, apenas trabalho. Hoje parece-me que os anos entre essa solidão e o encontro com o Chaparro foram muito mais rápidos do que, de facto, foram. Nesse tempo, o sonho de ser mãe deixou de fazer sentido. Nunca tive o impulso de construir uma família sem um companheiro. Agora, já penso que talvez nesta idade considerasse ser mãe solteira, acaso não estivesse numa relação, mas na altura nunca me passou pela cabeça. Assim, o sonho de ser mãe adormeceu durante alguns anos.

A nossa relação aconteceu muito rapidamente. Logo percebemos que estávamos para ficar e, com isso, planeámos, também logo, a vida a dois. E dei por mim a olhar para ele e a pensar “quero ter filhos com ele, quero que seja o pai dos meus filhos”. E o sentimento foi recíproco, falámos desde cedo em filhos. No entanto, eu trazia uma ferida ainda aberta do meu passado – tanto da infertilidade e da perda, como da adopção não concretizada. E percebi a força que o medo pode ter sobre nós, uma força monstruosa.
Para que saibam o quanto resisti a recomeçar nas consultas, digo-vos que marcámos uma consulta em 2010 (4 anos após o início da relação), no privado, para obter um diagnóstico, mas tivemos de desmarcar por motivos de saúde familiar e só voltámos a remarcar em 2011, e não estou a falar da distância Dezembro-Janeiro, mas de 11 meses.

Recomeçado o vai-vem das consultas de infertilidade, vi-me no meio de picas, medo, ecografias, ansiedade, exames dolorosos, desilusões, a mágoa de não atingir um sonho. Cada insucesso na infertilidade foi como uma derrota que me deitou abaixo naquilo que me deveria ser de direito, por natureza e não por decretos inventados pela humanidade. Aqueles momentos nas salas de espera, aquele lugar prévio a nos dizerem se havia folículos, se haveria lugar a punção, se houve óvulos, se houve fecundação, se haveria transferência, eram esperas de um desgaste horroroso. E eu perdi a luta. A cada falha, era eu que não prestava, era eu dilacerada por dentro. Era o meu sonho destruído, passo a passo.
Chegou o dia em que conseguimos dois embriões e eu lutei com todas as minhas forças para fingir, para mim e para os outros, que estava lidar bem com o facto da bióloga me dizer que os meus meninos não estavam a evoluir. Ao fim de dois dias, recebi a notícia – os nossos embriões eram inviáveis. Inviáveis, os meus filhos eram inviáveis e nunca chegariam a entrar no meu útero (também inviável, já agora…). Foram os cortes derradeiros na minha alma. Ajudei a fazer os golpes, em modo de automutilação, fingindo que estava a lidar bem com aquilo tudo. A dor foi tão grande que não consegui encará-la de frente. E acreditem que se há coisa que sou é corajosa, mas as pernas falharam-me e não consegui olhar a minha dor de frente.
Fingi que me prepararia para novo tratamento.

Chorei pouco na altura. Ando a chorar agora, aos bocadinhos. Já percebi que funciono assim, fiz o mesmo quando sofri o aborto, não chorei no momento e depois fiz o luto ao relanti. Penso que esta forma de estar nas coisas protege-me, por um lado, de não cair numa cama a chorar durante semanas seguidas, mas, por outro lado, traz-me num sofrimento mais arrastado.

Há dias, numa sala privada online em que participo, uma companheira de luta deixou-nos esta mensagem:

«O sonho acabou...
Fiz um tratamento de infertilidade, o beta na sexta deu positivo, hoje repeti e o valor baixou, estou mal...a minha revolta é muito grande, tantos sacrifícios e o final é o mais devastador!
Nunca deixem de acreditar, mas hoje não estou nos dias para ter estes pensamentos, são anos de muita batalha!
Um beijinho a todas»

O sonho acabou, reticências. Há tanta coisa dentro destas reticências. Reparem que não me arrogo falar em nome da mulher que recebeu a notícia brutal. Não falo em nome de mais ninguém, senão de mim. Sei apenas que há coisas da dor que têm nome e reconheço-as amiúde em companheiras de confidência. Esta mensagem foi apenas um mote para me tocar a ferida e humedecer os olhos em nome de uma estranha.

Falo do que é em mim este sonho de ser mãe. Falo do que é o corpo todo abrasado em nome de um sonho. Falo das reticências que abomino na escrita literária, mas que não sei como contornar quando falo do meu sonho de ser mãe.
Definitivamente, ainda tenho lágrimas para chorar. Ainda não consigo ler relatos destes sem sentir tudo cá dentro, cada momento, o telefonema... os seus embriões não resistiram. Sem reticências, não eram viáveis, ponto final.

Passados cerca de 2 meses, acordei num bonito Sábado de manhã e senti no meu coração que podia partir para a adopção. O Freixo estava cá, chamei o Chaparro ao quarto, que já se tinha levantado, e falámos em sussurro para não fazer barulho. Disse-lhe que entendia que uma nova fertilização InVitro seria mal sucedida porque a minha endometriose claramente tinha piorado. Perguntei-lhe o que sentia em relação à adopção dizendo-lhe que me sentia cheia de amor para dar e de força para enfrentar (novamente) um processo de adopção.
E o Chaparro sorriu com o seu sorriso maravilhoso e disse-me que só estava à espera de encerrarmos o capítulo dos tratamentos para ter “a conversa da adopção” comigo.

Reparem nesta ideia: ele, o meu amor, só estava à espera que eu me preparasse.

É possível ser mais afortunada do que isto?

É esta a história da minha vida. É este o rumo do meu sonho de ser mãe, do meu sonho de ter filhos. Tenho uma ferida cá dentro, mas também tenho esperança. Escolhi o caminho da adopção e entretanto percebi que a adopção não é, de facto, uma alternativa à forma biológica da maternidade. São mundos paralelos. Mas o meu sonho é o mesmo: ter filhos.


Cipreste


* evocando António Gedeão in Pedra Filosofal 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

And sometimes we think we are not ok but really we are

Queria conseguir dizer do impacto que isto tem tido na minha vida, mas não sei se consigo. De cada vez que começo a teclar sobre esta moléstia, começo a chorar e não consigo avançar. Apago tudo e vou fazer outra coisa qualquer. Geralmente essa coisa qualquer é comer chocolate. Embora saibamos que a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer, um chocolate é um chocolate é um chocolate. Mimo, precisamos de mimo e de compreensão. E eu tenho isso. Tudo. E nem assim posso considerar que lido bem com isto. E daí, o que será lidar bem com isto? Um chorrilho de lugares comuns construídos na base da culpa judaico-cristã, é o que vos digo.

Cenário: passar-se mal todos os meses desde os 14 anos (menarca aos 13), muitos dos meses tendo de recorrer ao hospital para controlo da dor, sofrer hemorragias imensas, ter anemia, chegar à estação em que se planeia engravidar e os meses e os anos passam, sem filhos, mas com dores. Queixa-se de não ter filhos e ainda por cima ter dores e ter de ouvir a besta o diplomado em medicina a dizer “Não sei porque se está a queixar, 70% das mulheres férteis queixam-se de dores menstruais.”. Onde diabo terá aquele energúmeno diplomado em medicina ido buscar aquela estatística?

Após o 4º médico e mais 12 anos, alguém propõe um diagnóstico pela primeira vez: ENDOMETRIOSE.

Então, isto tem nome? E não é normal, é uma doença? Não é um tanto ou quanto exagero chamar-lhe doença? Agora que me habituei a dizer que é normal. Afinal, são só dores e hemorragias incapacitantes e causa de infertilidade.

Começam agora a ver onde encaixa o chorrilho de lugares comuns construídos na base da culpa judaico-cristã?

Fomos convencidas durante anos de que as nossas condições são nada mais do que a paga por sermos mulheres. No meu caso, mais de metade da minha vida tem sido marcada pela endometriose. Façam contas, sou uma quarentona (enxuta!) e comecei nestas andanças aos 14. A primeira vez que acordei com dores não fazia a mínima ideia do que se passava comigo. Tenho tão presente essa madrugada, a minha confusão sobre o que sentia, decidir se deveria acordar os meus pais, a ida ao hospital e o alívio após a medicação. E nunca mais parou. Quer dizer, intervalou há cerca de 15 anos após uma intervenção cirúrgica por laparoscopia, mas voltou passados uns anos.

Gostava de dizer com toda a certeza que eu não sou endometriose nem a endometriose toma conta da minha vida. Mas receio não o conseguir dizer sendo totalmente honesta. A minha biografia está muito habitada por esta maldita. Tive um casamento anterior que foi muito marcado para o final devido à questão “filhos” e esta questão não pode ser separada da questão endometriose. As dores já me inibiram demasiadas vezes de socializar e de trabalhar. Após os últimos tratamentos, à procura de uma gravidez, piorou exponencialmente e agora as minhas dores não se resumem ao período menstrual. Agora não há regra, é quando lhe apetece, e onde lhe apetece. E com a intensidade que lhe apetece. E isto cansa.
E isto cansa tanto.

Já não se trata de brincar com o Síndrome Pré-menstrual, é um ciclo non-stop. Não sei com o que posso contar. Passo umas semanas sem dores, passo as semanas seguintes com dores. Faço pílula contínua mas tenho hemorragias na mesma. Vou na terceira semana. Com hemorragias e com dores. E isto cansa.

E dou por mim a calçar as sapatilhas hoje de manhã para ir para o trabalho enquanto faço contas a quantas horas faltam para regressar a casa e deitar o corpo. E dou comigo em lágrimas e a afligir o Chaparro e a pensar que merda quero sentir-me melhor, com mais força. Sem dores e com mais força. A minha cabeça está activa e não pára, quero que o meu corpo corresponda, mas ele responde-me que estou cansada e que só o quero deitar. E tudo fica tão difícil e sinto-me a perder o chão e já sei que me vão perguntar o que tenho e só me vai apetecer fugir.

E isto cansa tanto.

Porque tem o resto da vida toda à volta.
A espera pela convocatória para a cirurgia. Já vos disse que o veredico de 3 médicos para o meu pecado de endometriose foi a histerectomia radical?
A nova etapa do meu pai. Mais um tratamento, paliativo e não curativo, já sabemos senhor doutor, mas não queremos saber e repudiamos isso tudo, isso tudo, isso tudo. O meu pai está bem, muito obrigada. O meu pai está bem.
E o resto da vida toda à nossa volta.
E o nosso amigo que emigrou com uma situação incerta e dizermos uns aos outros que vai correr tudo bem. Que preocupação.
E a nossa casa a ser feliz em preparação para o nosso filho ou a nossa filha ou os nossos filhos ou as nossas filhas, para a equipa de adopções aprovar. Para a equipa de adopções aprovar. Porém a equipa nunca mais chega, porque as equipas de adopções também têm baixas no pessoal, mas nós temos tanta dificuldade em compreender como é que um processo de adopção pode ser adiado ou atrasado ou lá o que é por falta de pessoal. E não compreendemos e ficamos com medo que o nosso filho ou a nossa filha ou os nossos filhos ou as nossas filhas estejam já à nossa espera e nós que nunca mais chegamos.
E nós que nunca mais chegamos.

E o resto da vida toda à nossa volta.

E ter energia para aplicar técnicas no nosso trabalho e conseguir ter uma palavra amiga para os clientes.

E querer chegar a casa e deitar o corpo. Vemos um filme num dia e choramos. Vemos outro filme noutro dia e já sabíamos que íamos chorar. E choramos uma vez mais.

cena final do filme Monster's Ball,
em que se come gelado de chocolate  :)
e ouvimos We're gonna be alright
E chega o dia em que dizemos não. Não. Dizemos não à forma como estas dores e estas feridas estão a tomar conta de nós. E arranjamos forças e vamos a pé para casa.  E pensamos eu não sou endometriose nem a endometriose toma conta da minha vida. Fazemos os cerca de 4 km a pé e recebemos o vento no rosto e lembramo-nos que temos o fogo dentro de nós*. E sentmo-lo - ao fogo, e pensamos: we’re gonna be alright.


E depois dizemo-lo em voz alta no meio da rua e não importa quem passa. We’re gonna be alright.
Assim que entramos em casa, cai uma tromba de água e sorrimos e repetimos as palavras da nossa querida amiga: And sometimes we think we are not ok but really we are.



* referência a A Estrada de Cormac McCarthy
Cipreste

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

(ritos de passagem)

Nada mais perfeito do que uma casa enfeitada de natal com uma caixinha de música a tocar durante a vida vazia de filhos. Digo: nada mais perfeito para espiar a ferida de uma não-mãe.
Estou a dias de completar 40 anos. Programei-me com mestria para estas construções culturais. Datas, marcos, lugares, cheiros. Aceito-os, não os renego, não sou, no entanto, dramática em relação aos mesmos. Assumi há já algum tempo que sou assim, evoco estas coisas, é uma característica como qualquer outra. As décadas: Gostei muito de fazer 30 anos, foi no final de um ano muito duro para mim, aquele em que recomecei a minha vida numa cidade onde não tinha amigos nem família, apenas trabalho. O ano seguinte a um divórcio, com uma mala cheia de lutos por fazer.
Ainda que com alguns golpes por sarar, senti os meus 30 como uma vitória. Foi um dia feliz passado com aqueles que amo, e que me amam.
Há dias decidi que quero fazer uma festa para celebrar os 40. E assim será. Mas não vou fingir que entro nesta época natalícia com o coração incólume. Não, não vou fingir.
Fechou-se uma porta. E eu tranquei-a.

Nunca hei-de gerar um filho dentro de mim. Nunca hei-de ver o meu corpo transformar-se. Nunca hei-de ser abordada pelos que me amam a abraçar-me a barriga, a fazer promessas para dentro dela. Nunca hei-de parir. Com dor ou sem ela. Nunca hei-de parir. Nunca hei-de ter um bebé em cima de mim, acabado de nascer e eu cheia de lágrimas de felicidade por receber esse sentimento misterioso. Nunca hei-de ter as entranhas atravessadas por águas de dar à luz. Nunca hei-de dar de mamar ao meu filho. Nunca hei-de ter o meu bebé nos braços, adormecido, aconchegado, consolado. Nunca hei-de ouvir o riso dobrado do meu bebé. Nunca.

Tenho de encontrar um lugar onde sepultar este sonho. Os médicos, sábios, propõem que coloque na mesma cova o meu útero e os meus ovários. E fico eu, para lamber esta ferida. Oiço música triste. Enquanto choro, deixo acesas as luzes da árvore de natal.
Eis que esta luta se metamorfoseia agora num luto.

 

(procurar o chão, quando o "you" em "fix you" somos nós próprios)


When you lose something you cannot replace
Tears stream down your face



Cipreste

domingo, 3 de novembro de 2013

(música para ritos de passagem)

O momento em que percebemos que uma luta passa a ser um luto. 

 For now 
 Leaving point despair 
Leaving point hope 

 Getting lost to find a way back home 
Getting back by letting go

 



Cipreste

quinta-feira, 13 de junho de 2013

portanto. caímos. de novo.

Um blog em língua inglesa, a convite de uma amiga de infância.
Vou deixando os posts à medida que saem.



SO. WE FELL. AGAIN.

That’s it: this treatment didn’t lead us to the so desired pregnancy.
I haven’t been very busy here at Oh Infertility! But do believe that almost everyday I think “Oh, I should write about that for OI!” but my state of mind has been so down I haven’t had the drive for anything other than automatic behaviour.
So, seeing that I am now willing to be myself again and do the things I left behind, I plan on coming here more often.
As a comeback I thought I should tell you about what happened regarding what these treatments are all about.
There are a few fertility treatments available depending on the case. I’m going under In Vitro Fertilization (IVF) treatments in a so-called Long Protocol.
Here is an example of a treatment schedule, it may not be exact as a timeline because it is, after all, an automatic calculator and there are particular issues to be decided case by case. If I select my last menstrual date before treatment, it gives me a very approximate schedule of what my last treatment was.
Once a case is assessed and there is a therapeutic indication for IVF, at the 21stday after the last menstrual period you start a daily injection of Gonadotropin-releasing hormone agonist (GnRH-A) and a daily intake of folic acid. You may read each step and a simple explanation of each moment here.
My last period before treatment was on April 11, which means I started GnRH-A injections on May 1. Also, I started a new inner battle of… all kinds of feelings you can imagine. Oh, boy! This was quite a roller-coaster ride.
Reading step-by-step on the IVF calculator doesn’t tell you that by each one you may feel like you are going under strict supervision, commission after commission, under custody of superpower you-know-who: mother nature.
At each commission you may pass or you may fail and fall off the ride. That’s it, there is no way of going fast forward, you have to go back to “start” without collecting… a baby.
I was very frightened of the result of this treatment because I had decided it was my last attempt to have a baby (let’s talk about this another day). Still, the first 10-13 days were as expected, even if you are nervous for the first couple of times, you get in the routine of the injections and that’s it for those days. I had embraced healthy habits like eating well, relaxing, taking a 40 minute walk home from work, etc.
But I wasn’t okay. No, I was not. Nor was the-best-guy-ever. We were in so much pain this time. All because I had decided this was it, the last treatment before accepting I would never be a mother.
What. A. Mistake.
I should know better than that: one never comes out with the sentence before the verdict.
At each step of the treatment there was always something (a blood result or uterus state, etc) that the doctor didn’t like, and then the biologist. It was never “all fine”. We would always leave the hospital with an uncertainty so much bigger than the one we already expected. Each time we would go back, we carried the belief that that would be the day of treatment interruption.
Oh, and the hormones, oh my. Poor the-best-guy-ever! I have to acknowledge he was really the-best-guy-ever and reserve the right not to say more so I don’t expose the silliness of my behaviour [blushes].
Both our state of mind and my physical response to treatment became a very bad emotional cocktail. Let’s say, I presume I didn’t become dehydrated from crying so much because I was really careful with water intake.
Suddenly we found ourselves with an Egg Retrieval date and there was a click. We talked so much during this treatment and by this time we decided we had to become happy for coming so far. And we were. I was afraid, but I truly believed this could be it.
I had five eggs which isn’t that bad because it’s only from one ovary and I’m 39, three of them weren’t good (this is bad) and two of them fertilized. OMG! Two of them fertilized! This is almost as good as knowing you are pregnant indeed. It’s actually beautiful, even though it was other people managing our gametes, they were *our gametes* and they became two embryos. Ours! From me and the-best-guy-ever! It was a nice moment. But it lasted so little. The second day I got a call from the biologist informing me that they weren’t developing as quickly as they should and if they didn’t catch up the next day it would mean that they weren’t good quality embryos. My poor babies. There they were, and there we were. Apart. And we got the call the next day.
So.
We fell.
Again.
And we dealt with it.
And I knew I wanted to undergo another treatment and I told the-best-guy-ever who agreed.
And here we are: willing to go on another ride because we didn’t feel “this was it”.
I promised myself that this time I won’t suffer from anticipation the way I did. With that intensity. And I’m believing it can be possible for me to become a mother.
We will be back on treatment by September so my body can get a little rest before then. That means we get to go on our planned August vacation.

Zambujeira beach


Cipreste

sexta-feira, 31 de maio de 2013

seis coisas ao calhas sobre mim... e a minha infertilidade

Um blog em língua inglesa, a convite de uma amiga de infância.
Vou deixando os posts à medida que saem.




Just like Sandy, I also think these lists are always fun to do so here I go:

1) I have a recurring dream in which my loving mom denies me as her daughter (I believe Freud would relate this to my infertility).

2) I am not jealous of your pregnancy or motherhood, please share it with me.

3) I’m infertile for 15 years now. That’s many years of dreaming of names for possible future babies. It also proves to me that names have a lot to do with trends BUT I may say that I still like the first names I thought about.

4) Instead of it becoming easier to go through Mother’s Day, every year it’s becoming harder. During the last one I hardly contained my tears on the phone with my mom and then locked myself at home and had a “good” cry.

5) I don’t think I deserve a child more than you do but I do feel like slapping you if you tell me “you don’t know how lucky you are for not having kids” (even if it is a very desperate day for you, sorry but I won’t be empathic after those words).

6) I feel proud that I have the courage to go through fertility treatments (e.g. I know it’s not that much of a big deal but still… imagine weeks after weeks of injecting yourself daily).

I’d love to read six random things about you & your infertility.



Cipreste

terça-feira, 9 de abril de 2013

não fugi

Um blog em língua inglesa, a convite de uma amiga de infância.
Vou deixando os posts à medida que saem.


RUN AWAY

I have not.

Well, let’s say that in a certain way I did run, as one is just letting it be. It has been exactly four months since my IVF treatment was interrupted and I was back to the good ol’ pain of infertility in its whole shape of inability and helplessness.
So I let time go by (a little). I invented a few full-time hobbies.
Now it is time to stop and feel it all again. As soon as my next period is here my dearest is calling the nurse and I’m back to injecting my tummy. And I’m looking forward for it.
If it is true that we learn lessons, the one that I’m always acknowledging is that we do have to give things their time.
Four months ago I was devastated, both by my bio-reality and bad practice reality. I could hardly breathe without exercising not to cry. I had to struggle not to fall into my bed and stay there.
But I was not alone, I was not suffering alone.
There was my love and he was also suffering, this was something new for him. He has a son. He desires to have a child with me. He heard my stories about the past, but he had no idea how much it could hurt. And there I was aching twice, for us.
And time: Three months ago we had Christmas and all the availability it takes. Two months ago I started all the craziness around organizing a poetry festival in my city. It happened last weekend, from Thursday to Sunday. It was a great success and so on.
Now it is time for courage, again. And as soon as we made our call to the biologist today it all came back: the desire to keep all the healthy habits and that feeling of the heart filling with hope.
That’s what I meant about giving things their time. One month ago, if you had asked me about my treatments, I’d probably tell you I wasn’t very much into it, and was even considering a longer break. And I would have meant it.
We gave it time. And we are back.
Now starting a baby-step (like the irony of the expression?) process in which we may fail mid–way through our journey. But there is no other way to build our story. That’s what we believe in today, so that’s what we are doing today.

And now, a poem:


Respectful repetition

You draw overlapped rocks.
You animate infertility
On the drought of the metaphor’s tyranny.

From the portuguese

A respeitosa repetição

Desenhas pedras sobrepostas.
Na aridez da tirania da metáfora
Animas a infertilidade.

Paulo Azevedo



Cipreste

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

coragem & medo [uma amiga ~ um blog]

Mais uma experiência: um blog em língua inglesa, a convite de uma amiga de infância.
Irei deixando os posts à medida que saem.


  OH INFERTILITY!

Hello, my name is S. I’m married to the-best-guy-ever and have a stepson who is the-best-stepson-ever. I have a great life – my dream job, a loving family and friends, a lot of hobbies. But, I always have spare time for one more hobby. I have been fighting infertility for some time now. It seems that I want to stop having spare time. You know, I have my cake, but the cherry is missing. 

________________________

COURAGE & FEAR

How much courage does one need to decide to have a child?

Why should one have a baby? What’s the point in bringing a child to this crazy, violent, hostile world? Really, why should one even consider all the trouble around having the risk to love someone like it hurts, more than you ever thought you could bear(I heard it’s something like that), and know that this will be the most important dimension of your life ‘til the day you die? The only answer I am able to articulate is: Yes, I want a child.
I really like my life. Okay, it could better, but then again… it could always be better.
I’m married to this guy who is the-best-guy-ever. He not only reads poetry, he even writes poetry. Ha! And may I say it’s not junk poetry, it’s good stuff.
He loves me so.
And I love him so.
And we have a cat.
Yup, we have one of those. Of course I’d also love to have a dog, but it’s much more work than I am up to. Uh, wait, we have a point here: she’s not up to all the work around a dog but she’s considering having a kid? Oh boy.
Just kidding, we’re not going to compare having a child with having a pet. Different desires for different commitments. And there is nothing more to say about that.
So, I want to have a child. Since 1997. (You may now imagine one of those “established” signs.) Yes, since 1997. Or may I say since ever? I’m one of those freaks whom always thought was born to nurse babies, many babies. Here we are, the year of 2013, and I am still not a mother, no one calls me mom. Imagine: I could have a whole teenager!
My story: At first, I found out that my body was in trouble (you’re likely wondering ”why doesn’t she just adopt?”, let’s leave that for another day), then my life was in trouble, after that my head was in trouble and then years just went by (hiding fromthe fear).
Going back to the initial query, how much courage does one need to decide to have a child? And fast forward, how much courage does one need to have to go under treatment(s) to have a child? I think I’ll never be able to answer this question, or maybe the question is just wrong, I don’t know. I guess that the only possible explanation is the “sudden moment snap” theory (not my theory but I named it). So, the “sudden moment snap” theory consists of taking months (or even years) to try to decide on something. For example, you consult friends or even get professional guidance, you write down pros and cons lists and one day while you are putting away your groceries you suddenly snap and the decision is made. That’s it, no more reflections about it. The decision is made and you feel this is the point of no return.
It is. There is no going back to who you were before deciding you want to bring a child to this world. A child whom you are willing to love with all of your strength and forever fear for their welfare. Til-the-day-you-die.
There is actually no return from the day you decide that you want to have a child. From that day on, you want your body to change, you want to give birth no matter how much it frightens you, you want to hold one of those little creatures in your arms and think “oh, look at him/her, he/she is mine, from me, from my love with this wonderful man” and all those silly thoughts that make you feel at ease with the earth. You want it all, you are even willing to loose your sleep and (what the heck!) you are willing to let go of your “peace of mind” and “freedom”.
I guess that by now you’ve speculated why am I mentioning so many hypothetical moods and feelings about motherhood. You know… when you have 15 years to live in the “when/what if” stage, you collect many examples and wonder about them, sometimes you even think you may picture how it is. It’s only a wide range of imagery working in your brain together with your dreams. Still it does hurt in your chest, because no matter how much you dream (day & night) nor how much you do it all according to the books, you don’t get it.
You just don’t get it.
Maybe it is not written in the stars for you. You had forgotten that things don’t come easy for you. Why should a baby be something natural? Before you get to be presented with all those worries and dirty diapers, you have to pass a few tests. And still, Madame, we don’t guarantee you’ll get it.
That is infertility, ladies and gentlemen. That is what separates me from what seems like the rest of the world. Infertility is what causes me to live in non-stop-existentialism-town. I just don’t get it. I was supposed to have a little doubt, then decide, have some nice sex and see the red lines in the pregnancy test. But no, the universe has higher plans for me. I’m special so I’ve been chosen to go through this anguish. It is a prize, you know. I get to go to all of these different doctors and hospitals and go through all these tests. I even get to inject myself. I’m a society-tolerated junkie. I’m a piece of meat. I’m a leg-spreaded guinea pig. I know it’s not nice but at the least it is the truth. I’m impotent. I’m my mommy’s hurt little girl.
Life has denied me, and so many women and men, something life itself taught us would be ours naturally and I am afraid I don’t know how to put it into words for you to ever understand. I have tried so many times. I don’t know how to tell you what it is like to live with this absence. One thing I may say is that, even if you don’t know what to say to your infertile friend, your friendship and empathy are welcome.
And that is what I’ve been living with – Infertility and trying to keep things in perspective. With a little help from my friends, just like The Beatles.
If you recall, earlier I said I really like my life. And I do. I am very happy. I have my cake, but the cherry is missing. So, as much as it hurts, I smile and laugh everyday. And I don’t run away from my devilish fertile family and friends. I also find myself checking my friend’s baby website everyday and even commenting on things. And one day she asks me if I want to share my infertility experience with you. And I’m all like, “Hellooo, I’m your babyless friend and this is a baby website.”. And here I am, starting round two of InVitro Fertilization next month. Hello.


Cipreste