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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

à minha mesa

Ora aqui está mais um assunto sobre o qual tenho opiniões, é mais forte do que eu, as opiniões brotam-se-me dos poros :)

Nas nossas cozinhas, todos temos a mania de que somos um pouco nutricionistas, não é? Nem damos conta das ignorâncias que dizemos e a ignorância é muito atrevida, eu sei :) Aqui vai!...

Antes de avançar para a alimentação das minhas crias, deixo o meu testemunho pré-maternidade sobre a relação alimentação saudável versus peso/estatura.

Tive uma depressão há cerca de 15 anos que, juntamente com o tratamento medicamentoso, me provocou uma anorexia que me fez perder 18 kg, passei dos 72kg para os 54kg. Simplesmente, os alimentos não desciam. Passei assim de ser bom-garfo a uma enjoada. Segundo uns, estava magra demais, segundo outros assim é que estava bem.
Adiante, com o resgatar da minha pessoa a essa depressão, também resgatei o bom apetite que sempre tive e os quilos associados.
Gostei de estar assim magra, foi uma novidade e uma sensação engraçada, mas a verdade é que nunca fui infeliz com o peso anterior. Como todas as pessoas, sou mal resolvida nalgumas coisas sendo bem resolvida noutras. E, de facto, o peso nunca me fez sentir mal com o meu corpo – gosto dele. Porém, para mim, gostar do meu corpo é tirar prazer dele (e com ele) e comer faz parte desse deleite. Compreendo que para outras pessoas o prazer venha de assegurar o peso e a robustez que advém da privação a que não me sujeito, mas também não juro a pés juntos que alguma vez não o venha a fazer. Ou, então, fazê-lo motivada por alguma questão específica de saúde. Para já, essa não sou eu, mas também sei e concebo que mudamos.

Portanto, 15 anos depois, fora dos vintes e já dentro dos quarentas, passados tratamentos de fertilidade e histerectomia total com anexectomia bilateral, fazendo medicação diária de substituição, estou roliça, com formas, e não me sinto infeliz com o meu corpo nem se deu aqui nenhum clique que me diga que devia isto ou aquilo. Sinto-me bem. Não incorro na noção de que deveríamos encaixar num número que indica a massa corporal (IMC) que deveria ser o desejável para mim. Aliás, isto é toda uma outra conversa, a origem das tabelas IMC é muito mais sobre economia do que sobre saúde.

A única coisa radical que fiz por mim, pela minha saúde, foi deixar de fumar numa base diária. Mas agora não vou falar disto porque também dá pano para mangas, o assunto quente hoje é a alimentação (saudável).

O que é alimentação saudável? A quem a dirigimos? – Este assunto pode mesmo tornar-se uma obsessão como refere o texto.



(abrir imagem para melhor leitura)
Diário de Notícias de 22 de setembro de 2015

Falemos, portanto, enquanto gestores das nossas cozinhas e dos outros destinatários do que compramos e cozinhamos.

Quando éramos só nós dois (o Freixo não vive connosco), não havia regras. Nuns dias cozinhava, noutros não, sendo que nos dias em que não cozinhava ora petiscávamos ora íamos buscar fora.


O processo que me deram a ler com a descrição dos meus filhos, antes de os conhecer, tinha uma lista das suas rotinas de alimentação e preferências respectivas. Cereais ao pequeno-almoço (com direito a “estrelitas” à 4ªfeira e cerelac ao Domingo), sopa, segundo prato, fruta e pão ao almoço e jantar, pão e iogurte ou leite (a Magnólia com quantidade a dobrar) aos lanches. A fruta resumia-se a pêras, maçãs e laranjas. O pão com manteiga ou marmelada. A Magnólia vinha descrita como não gostando de carapaus (hoje adora!), feijão verde (na sopa, vai) e cenoura crua (continua a recusá-la) e o Chaparrito não trazia nenhuma recusa em especial.

No dia em que os conhecemos, a Magnólia entregou-me duas folhas cheias de recortes de supermercado com as comidas preferidas de ambos e comidas que desejava provar.
Ainda hoje estas folhas estão no nosso frigorífico. E já provaram dos tais alimentos.


Não tendo regras prévias, ainda assim sempre tivemos as nossas convicções. Prendem-se mais a uma forma ética de vida do que à nossa saúde em especial. Sei que a afirmação pode parecer incongruente, mas vou explicar.

A nossa alimentação baseia-se essencialmente nos princípios da mediterrânica, com as devidas ressalvas culturais e sem fundamentalismos. Por isso, acho que não deve haver demasiadas veleidades quanto a esmiuçarmos e controlarmos todos os alimentos que ingerimos. Não será a mais saudável, mas será certamente equilibrada. Um pouco de cada, sem exageros, é a nossa regra principal.

Vejamos, por exemplo, a situação da alimentação de origem biológica. Por vários motivos, sendo o nosso rendimento o principal, não consumimos produtos exclusivamente de produção biológica. Tornar-se-ia incomportável para nós. Gasto uma média de 20€ em fruta por semana. Vejamos o preço da pêra rocha no site do continente, a pêra de origem biológica custa 3,49€/kg, as “outras” custam 1,29€/kg, são mais 2,20€ por kg. Se fizer uma “regras de três simples” passaria a gastar 54,1€ de fruta por semana, ora 80€ para quase 220€ vai uma diferença abismal.

Por outro lado, damos preferência a produtos de origem animal provenientes da agricultura biológica. Consumimos cerca de 12 iogurtes “sólidos” e menos de 6 iogurtes líquidos por semana. Vejamos o preço no site do Jumbo (não encontrei no do continente), 6 iogurtes “sólidos” Agros bio de morango custam 2,39€ e 6 iogurtes “sólidos” Danone (dos poucos com leite nacional, pesquisem isto...) de morango custam 1,71€ (tive de fazer contas, pois vendem embalagens de 4 a 1,14). É uma diferença de 10ct em iogurte, em 12 iogurtes numa semana são 1,2€, tudo bem. O mesmo acontece com a manteiga. A diferença é maior no leite e nos ovos, mas fizemos a opção e vamos mantendo-a.

Ou seja, nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

E onde entra então a minha afirmação “as nossas convicções prendem-se mais a uma forma ética de vida do que à nossa saúde em especial”? Tentamos consumir produtos que tenham origem o menos possível no sofrimento dos outros animais, de seres sencientes. Tanto quanto sabemos, as pêras e as pereiras não sofrem como sofrem as galinhas e as vacas, se as vamos explorar que, pelo menos (e enquanto consigamos os €€€) que venham de animais que vivam minimamente condignamente – mesmo considerando que os estamos a explorar “na mesma”.
É isto.

Gostávamos que todos pudessem comer alimentos de origem não manipulada, nós incluídos. Por enquanto, compramos uns vegetais biológicos aqui e ali, mas não fazemos disso um objectivo.

Mesmo sabendo que muitos outros produtos que consumimos – desde as tintas que revestem as nossas casas aos medicamentos que tomamos, têm origem no sofrimento de animais, vamos tentando minimizar esse impacto. Os nossos filhos sabem disto, não tentamos santificar este consumo, mas também não o usamos para branquear. Fazemo-lo com sentimento sincero.

Já a carne, não a consigo comprar de origem biológica pois só encontro congelada e em quantidades que não desejo.
Na verdade, comemos cada vez menos carne. Raramente vou ao talho. Cerca de 1 vez por mês o meu sogro dá-nos um saco de carne e fica sempre a sobrar no congelador. Tentamos também diminuir a quantidade de peixe. Percebemos a necessidade dos vários nutrientes, mas também percebemos que consumimos proteínas em excesso. Não fugimos aos hidratos de carbono porque procurámos compreender a sua importância – os nossos fígados e pâncreas agradecem.

Os nossos pratos são coloridos. Os meus filhos pedem-me “posso comer mais vagetais, mamã?” e o meu peito fica muito cheio, muito quentinho e consolado do prazer deles com coisas boas. 
tabuleiro de bacalhau, com abóbora e curgete (e outros legumes) a substituir a batata
antes e depois da broa por cima, com azeite - vai ao forno - simplesmente adoram!
Levamos os nossos filhos ao MacDonalds, sim, para aí de 3/4 em 3/4 meses. Muito de vez em quando deixamos comer gomas. Se tiver de ser, damos preferência a um chocolate (e tenho sempre uma barrita em casa) – o chocolate começou a pesar-me na consciência desde que soube a origem de trabalho no cacau, além de o ter diminuído drasticamente (sou chocolatoólica) quero começar a optar pelo de origem conhecida.
Só compramos refrigerantes – sim, consideramos os néctares como refrigerantes, os únicos que compramos (e da marca Compal, porque não é o mesmo que marca branca) – quando o rei faz anos.


Este é o nosso dia-a-dia em refeições:

Pequeno-almoço
1 taça de cereais com leite
- uma mistura feita por mim, com cereais da zona dos "dietéticos", atractiva visualmente para eles, e que me satisfaz nos níveis e na origem dos açucares, geralmente com arroz ou millet tufado simples e com cacau, trigo integral tufado simples e com mel e flocos de cevada integral (fujo do milho)
1 banana

Lanche da manhã
1 pão com manteiga/marmelada/queijo/doce de frutos vermelhos (às vezes, à 4ªfeira, com nutella, sim!)
1 pacote de leite branco (infelizmente não vendem do biológico)
1 maçã/pêra (para ela)

Almoço
Sopa (sempre)
Prato de carne/peixe/ovos
Fruta – ao almoço geralmente são citrinos
Água

Lanche da tarde
1 pão com manteiga/marmelada/queijo/doce de frutos vermelhos (às vezes torradas)
1 iogurte sólido (ela lancha na escola 2x/semana, leva iogurte líquido)
1 ou ½ maçã/pêra

Jantar
Sopa e um pouco de pão e queijo
Ou
Prato simples de legumes salteados ou ovos (quiche, por exemplo) ou uma pizza caseira (massa caseira) só de tomate e queijo, também uso muito o grão e comecei recentemente com as lentilhas.
1 ou ½ maçã/pêra

A fruta vai variando e fazemos provas de frutos vermelhos ou tropicais.

Não damos lanche da noite, o tempo entre o jantar e o deitar não o justifica. E eu já li demasiadas coisas sobre a Doença de Refluxo Gastro-Esofágico para andar cá com ceias à base de lacticínios em crianças maiores de 3 anos. Quando se deitam mais tarde, como ao fim de semana – ao invés das 21h30, passa para as 22 ou 22h30, pode haver um lanchinho mas fujo ao leite.

Como snacks fora da refeição, temos a fruta como opção privilegiada, queijo, iogurte e bolacha “pipoca” (que opto sempre por arroz e não milho, para fugir aos transgénicos e ao preço dos bio). Às vezes, compro um bolo de tipo folar e vai-se comendo também.

Compramos pão de mistura, o Chaparrito pede muito pão de sementes para a escola.

Quando a minha mãe está connosco, a nossa alimentação não é a mesma. Não tenho coragem de pedir à minha mãe para não usar a sua margarina vaqueiro ou caldos Knorr (lá ficam no frigorífico à espera da sua visita seguinte). É assim que ela sabe e gosta de cozinhar e uma semana por mês não nos há-de dar cabo da saúde. Ela sabe das nossas opções porque são faladas à mesa, tem dificuldade em aceitar que queremos comer de forma mais leve à noite, mas lá vai percebendo que é uma convicção firme. E não digo à minha mãe que o que nos traz da sua horta não é biológico.

Aos fins-de-semana, comemos papas de aveia aos pequenos-almoços, estamos completamente rendidos. Com canela, maçã, pêra e iogurte para o Chaparrito e para o pai, com canela, banana, laranja espremida e iogurte para a Magnólia e para a mãe. De resto, conforme o programa do fim-de-semana, ora comemos mais saudável, ora fazemos uns abusos.

Por vezes, enquanto faço o jantar, o pai abre uma garrafa de vinho, corta um queijo seco que comemos acompanhado com orégãos e maçã às fatias e os meninos vão debicando no queijo e na maçã.

Vão experimentando coisas novas e vamos cozinhando juntos.
Há tempos, arrisquei um caril de legumes: adoraram! Faço muitas vezes, muito, muito leve.

Adoram abóbora e curgete. Passei a substituir, muitas vezes, a batata por estes legumes.

Fazemos um bolo, ou coraçãs de nutella ou panquecas (que passei a fazer só com banana, leite e farinha de trigo integral) de vez em quando. Temos uma lata de Nesquick que adicionamos ao leite como um miminho menos do que uma vez por semana.



Estou tranquila com aquilo que dou a comer à minha família. Falo na primeira pessoa porque usurpei a cozinha para mim e raramente dou espaço ao Chaparro, quer dizer, dou-lhe espaço todas as noites ... para que a arrume :) Mas partilhamos as mesmas convicções.

Acho que não padeço da tal ortorexia.
É bem certo que assumo que pensamos mais na alimentação do que os nossos pais pensavam ou, pelo menos, doutra forma. Mas não acho isso pernicioso. Talvez sofra de algo cujo nome não sei, mas não se prende tanto com a nossa saúde - que, já disse e assumi, procuro cuidar mas considero que não o faço exageradamente (ninguém é juiz em causa própria, por favor digam-me se este parlapié todo serve de prova de que sofro, afinal, de ortorexia)
 :)
É capaz que haja um nome para a maleita de sofrer de consciência em relação ao sofrimento alheio na origem daquilo que como, isso sim, assumo que sofro.

Enfim, em inglês chamamos aos meus problemas de consciência de “first world problems”.

Não faz mal.
É bem melhor do que o sítio onde me encontrava o ano passado. De licença de maternidade, entendi que deveria ter os miúdos a almoçar todos os dias em casa. Entre as mil emoções de se ser mãe de um dia para o outro, passei de “sem regras” a ter de providenciar 14 refeições principais por semana, fora lanches e quejandos. Catorze! Com sopa e tudo.
Bem, este foi o meu primeiro passo junto dos meninos, diminuir a quantidade de comida ingerida ao jantar: ou há sopa, ou há “segundo” prato.

Não foi fácil, mesmo para uma cozinheira como eu, que rapidamente engendro comida para 30 (a sério, essa sou eu).
Aliar a responsabilidade de alimentar duas crianças ao fazer de contas às portas do desemprego do Chaparro não foi fácil.
Subitamente via-me num sítio onde tinha medo que o dinheiro não chegasse para o dia de amanhã.

Olhava o preço dos iogurtes no supermercado e trazia os mais baratos dos mais baratos, procurava todas as promoções. Um dia, tive uma crise de tristeza no supermercado. Não foi uma crise de pânico (acho que só tive uma dessas na vida), foi mesmo de desalento. Tinha deitado os meninos e disse ao Chaparro que ia às compras, precisava de abastecer e também de apanhar ar.
Dei por mim num daqueles memes que povoam o facebook com mães a dizerem que ir ao supermercado equivale a uma noite de saída. Mas dessa vez não teve graça. Dei por mim cheia de frio, no corredor dos congelados, a colocar alimentos transformados (aos quais sempre fugi), dos mais baratos, no carrinho de compras. Tomei coragem de espreitar os ingredientes, coisa que evitava desde a chegada desta conjuntura a nossa casa, e lá os vi, àqueles estabilizadores e açucares maus todos. Deixei vir aquelas compras para casa.

Os meses passaram e o Chaparro tem tido encomendas de trabalhos que nos vão indicando mais x meses tranquilos.
Não somos pobres, fazemos contas.
Não compro roupa, ou raramente o faço. As minhas botas de cano alto foram compradas em 2007, comprei uns botins o ano passado, este ano não comprei calçado. Andamos todos bem calçados e bem vestidos, eu, o Chaparro e os nossos filhos. Continuamos a comprar livros, mas menos. Vamos a poucos concertos com bilhetes de valor considerável. Vamos ao cinema 2 ou 3 vezes por ano. Fazemos muitas viagens de fim-de-semana, onde gastamos dinheiro para o combustível, mas ficamos com família. Isto para dizer que temos para aquilo de que precisamos. Vamos a muitos sítios e fazemos muitas coisas, basta estar atento, há muitas coisas a acontecer e que não implica gastar 100€ por família. Estamos a poupar para uma viagem no Verão de 2017. Poupámos para um piano digital que comprámos a um preço simpático. Nada nos falta.
Comecei a fazer contas mais a sério, como vos mostrei acima e vamos decidindo… compramos leite biológico, 1€ mais caro em litro é muito, mas não compramos as pêras biológicas, pronto.

Quando se abre o nosso frigorífico, há comidinha da boa e muito variada.
E há sempre para quem mais chegar à hora do jantar.

Este é o equilíbrio que vamos encontrando.
Falamos destas decisões com os filhos.
Se um dia eles decidirem por outras opções que não estas, cá estarei para as experimentar com eles ou, pelo menos, para não as boicotar.


Não quero acabar este texto sobre alimentação sem a seguinte ressalva: os meus filhos nunca me verão desesperada a fazer uma dieta de emagrecimento. Tal como disse acima, não juro que um dia não decida que quero diminuir o meu volume, mas isso nunca (nunca!) será o mesmo que mostrar que não gosto de mim e do meu corpo, será, quando muito desejá-lo numa dimensão mais reduzida, mas nunca (nunca!) o será de forma a procurar o que o meu corpo não permita. É importante olhar para o lado, todos (todos!) os dias ouço alguém (e não apenas mulheres) queixar-se ou comentar o volume ou quilo a mais, não compreendo nem me encaixa esse stress. Esse stress não é o mesmo que cuidar, não me venham com tretas.

E a lição que prefiro dar aos meus filhos é: gosta de ti como és.


Noutro dia, falarei nas nossas opções no que concerne o consumo de produtos do cuidado do corpo, o desperdício e outros produtos biodegradáveis.


Bom apetite a todos é o que desejo.
E boa semana!
Cipreste

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

ai ca nervos

Sigo esta mãe desde muito antes da chegada dos meninos. Uma vez inclusive traduzi um post seu.

E agora ela tinha de ir tocar no assunto. Argh.
Na consulta de pediatria do ano passado, o pediatra, nosso amigo, disse que a Magnólia iria menstruar nos 12 meses seguintes. Aliás, disse-o a ela. Apeteceu-me colar-lhe a boca com fita-cola. Raio de coisa para se dizer à miúda, pá! Não estou preparada para isto.

Ok, ok. Não penso assim. Ele fez bem, e fê-lo bem. Apenas, acontece que… eu não estou preparada para isto. Pronto, já o disse. Não sinto maturidade para enfrentar a menarca da minha filha. Grande palavrão, hein? Mas é assim que se chama a primeira menstruação de uma mulher. Acabei de escrever “mulher” pensando na minha filha. Oh-meu-deus.

Estão a ver o meu nível de preparação? Pois.

Mas não pensem que estou sozinha nesta falta de preparação. Há duas semanas, a Magnólia queixou-se de dores musculares no baixo-ventre durante dois dias. Ao segundo dia, já eles se tinham deitado e disse ao Chaparro que era capaz de estar aí a menarca dela e ele mandou-me calar. Assim mesmo: mandou-me calar(!). O Chaparro nunca me manda calar. Disse-me “Cala-te” (como é que é?!) “Isso dá-me vontade de chorar” (disse, já com os olhitos pequeninos e brilhantes) e rematou “ela é muito pequenina, é a minha menina”. Haha, ela já ultrapassou a minha mãe em altura, já cresceu uns 12 cm desde que está connosco. A nossa menina já não é pequenina.

Ai… é, é! Escrevo cá com cada parvoíce. Pfff.

Estão, finalmente, a ver o meu nível de não preparação para isto? Pois.

Ontem, numa conversa com ela, voltei a tocar no assunto “porque um dia destes vem-te o período” blábláblá.
Acho que ela encara isto com naturalidade, nem sequer é pessoa de stressar com as coisas. A mãe é que…

Faltam-me coisas.
Falta-me um livro: alguém aí desse lado me recomenda um livro sobre o assunto para lhe oferecer e ler com ela?
Já comprei duas bolsinhas para lhe dar nesse fatídico dia. Uma mais pequenina onde caiba um penso higiénico e um toalhete (daqueles embalados individualmente), para ter na sua malinha, e outra bolsinha um pouco maior para ter com reforços no cacifo da escola.
Mas não comprei pensos porque… ela é... muito pequenina, entendem?
Argh.
Quando me veio o período usei um penso da minha mãe e da minha irmã - não havia distinções lá em casa, estava tudo no mesmo armário da casa de banho, eram da marca Modess (alguém aí se lembra daqueles pensos-almofada?). Eu não tenho pensos porque, enfim, já sabem, sou histerectomizada (com anexectomia bilateral). Que pensos devo comprar? Os que eu usava são grandes demais para ela, para as suas cuequinhas… ela é muito pequenina, é... um bebé pequenino – o meu bebé pequenino, percebem?


Ajudem esta pobre mãe.
Ajudem-me, por favor.











Cipreste

post-scriptum  agora mais a sério, quem vos fala daqui é uma mãe que sofreu muito (e sofrer não é eufemismo) por causa do período e... e... e nada, pensar na possibilidade da minha filha sofrer como eu sofri, enfim, deixa-me aflita, fico como o Chaparro, só me dá vontade de chorar. E eu sei que ela não tem os meus genes, mas uma em cada cinco mulheres sofre de endometriose e... oh, céus.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

desejar que o dia nos seja limpo

Cada pessoa tem o seu jeito de levar a vida. Eu tenho um jeito que me traz sempre a analisar as coisas que se passam, a reflectir sobre a existência.
Actualmente, as redes sociais estão cheias de memes com citações sobre como levar a vida e confesso que me enjoam um bocado. Acredito, ainda assim, nalguns mantras que outros considerarão ingenuidade e sei que, muitas vezes, o que digo possa ser apelidado por pessoas mais práticas como sendo um discurso de auto-ajuda.
Mas a verdade é que estão sempre a acontecer”-me” coisas que não consigo ignorar, acabando por me ver nesse lugar de dissecar os dias. Reparem, não me estou a queixar da minha sorte, pois considero-me uma pessoa muito sortuda e privilegiada, mas não me lembro de viver sem sobressaltos.
Cada um tem os seus problemas, é bem certo, porém, às vezes, parece-me que há vidas um pouco mais tranquilas do que a minha. Isso, ou talvez seja apenas eu a achar que a vaca da vizinha é mais gorda do que a minha.

Amanhã é um dia bonito nas nossas vidas, porque se dará um marco que é bonito de se celebrar. É uma data especial, mas nem por isso deixou de ser assombrada.
Esta semana tivemos duas más notícias, daquelas que os psicólogos colocam nas listas de tipo “Os 5 eventos marcantes de vida como sendo causas de depressão ou stress”.
Uma delas é ultrapassável, traz angústias mas até pode vir a servir para uma viragem de vida positiva, por agora, constitui um problema a ser resolvido - que vai ser resolvido.
A outra, e as possibilidades que traz dentro, tira-nos o tapete por debaixo dos pés, deixa-nos momentaneamente sem fôlego, faz-nos ter medo, faz-nos sentir as lágrimas sempre prontas a brotar.
É chegada uma nova hora de termos todos muita força, de estarmos atentos e nos apoiarmos uns aos outros, de torcer para que as piores suspeitas não se confirmem.

A ser sincera, digo que gostava que a vida nos desse uma pausa nestes sobressaltos, mas não tenho a quem o pedir pelo que também me vejo sem ninguém para culpar. São acasos da sorte e do azar. E queixar-nos também não terá serventia, não é? E talvez fosse mesmo uma heresia, pois, como disse, sei que somos uns privilegiados.

No meio disto tudo, temos conversas de esperança. Sonhamos com os nossos meninos e confessamos a ânsia da sua chegada aos nossos braços. Vamos compondo o enxoval do sobrinho que aí vem e já o imaginamos a adormecer ao nosso colo.
via post secret
Somos uns sortudos, não é? Temo-nos uns aos outros e sonhos de embalar.

E depois, mesmo sem acreditar num Deus, mas acreditando na energia do bem-querer, podemos rezar e desejar dias limpos uns aos outros, que sempre traz alguma inspiração aos nossos sorrisos.

Saúdinha!
Cipreste

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

mudar de vida

O meu pai, doente oncológico há 13 anos, portador de doenças diferentes entre si e muito graves, tem-nos ensinado as maiores (as mais básicas) lições de vida. Há uns 3 anos, disse-me «Olha que a vida são mesmo só 2 dias, eu pensava que eram 3, mas são só 2.». A minha mãe confirmou e disse-me das vezes em que se chateou e se preocupou em vão com coisas, afinal, insignificantes e de como se arrependia das energias que gastou nesses eventos.

Acho bonito cumprimentar os outros com um “saudinha!”. 
~

Haja saúde.

Eu sei: há dias muito maus nesta passagem. Um dia, por exemplo, quis morrer, tive uma dor tão negra dentro do meu peito que me achei indigna de viver. Sobrevivi à custa de poupar um desgosto aos meus pais.
Hoje, o dia começou como os outros. Ontem à noite, quis rever o American Beauty e assim fiz. Fui para a cama inspirada pelo filme, como das outras 4 ou 5 vezes em que o vi.
~
Há momentos que nos parecem ser guiados por aquilo a que, eu – ateia, agnóstica ou lá como me queiram apelidar, chamo de anjo da guarda.
Hoje, o dia começou como os outros, com o lusco-fusco veio uma mudança profunda nas nossas vidas.
Sentámo-nos, trocámos olhares, conversámos e soubemos que isto, afinal, há-de ser uma insignificância.
O meu pai continua a levar os dias de bem com a vida, todos os outros vão bem de saúde, nós também. E nenhum de nós quer morrer.
Vamos ficar bem.
Nós estamos bem e é assim que seguiremos pela estrada renovada que ajudaremos a abrir. Haja saúde. E se a não houver, cá estaremos - uns para os outros.

Saúdinha!
Cipreste

terça-feira, 13 de maio de 2014

Canções tristes

I
Maldades googlianas

Pronto, já tenho data de internamento para a cirurgia. No meu jeito de navegadora inveterada, só porque sim, digitei “hospital packing” no Google e cliquei em Images. (sim, tenho por hábito pesquisar em inglês caso não esteja à procura de receitas de caldo verde) Pesquisem e vejam que “bonitos” resultados obtêm.
Bah. Não precisava de ser lembrada que vou ser internada numa maternidade não para trazer um filho em braços para casa mas para deixar os órgãos que tantos dissabores que têm dado desde há 26 anos, sendo o maior, precisamente, o impeditivo de gerar vida.
Preciso mesmo de ir ali chorar um bocadinho.

Na 6ª-feira, comecei a escrever um texto sobre a necessidade de chorar, um texto que não acabei, nem chorei como era o meu plano. Ao invés disso, fui sair com o Chaparro e dois amigos e seguiu-se um fim-de-semana de jardinagem, algo que é sempre muito terapêutico para mim.
De seguida, fica o texto inacabado.

II
Tristesse

Trago uma tristeza dentro de mim desde pequenina. Embora não seja francófona, faz-me sentido chamar-lhe tristesse.

Se partirmos de uma postura psicanalista-de-trazer-por-casa, podemos procurar identificar algum acontecimento de vida que seja responsável por esta característica. Se partirmos de uma postura geneticista-de-trazer-por-casa, podemos cabalmente afirmar que haverá um gene qualquer que é responsável por esta característica.
Não sei o que poderá ser identificado na minha meninice como responsável por esta tristesse. Radicais das filosofias New Age provavelmente diriam que, para começar, eu nem sequer queria nascer, pois tive de ser “arrancada a ferros” e chorei que me desunhei até aos 9 meses levando a minha mãe à exaustão, pelo que a minha tristesse já virá de vidas anteriores.
Por outro lado, se falarmos na genética, e partindo do princípio de que não sou adoptada, nunca esquecerei o dia em que a minha mãe me disse que eu sou tal-qual o meu avô, pai dela, também conhecido como “avô dos pães”, por ser padeiro. Quando perguntei à minha mãe porque acha que sou parecida com o avô dos pães, ela simplesmente respondeu “Porque ele também tinha uma tristeza.”. Nunca mais falámos disto, como se proferir que o seu pai tinha uma tristeza fora como que uma traição. Mas nunca o vou esquecer, por ser para mim uma honra ser parecida com o avô dos pães.

~ ~ ~

Ouvi toda a vida que sou parecida com a avó dos pães e isso constituiu sempre uma dificuldade para mim. Eu amava a minha avó mas, se for para sermos honestos, temos de admitir que ela tinha um feitio difícil, muito difícil. E eu não queria ser comparada com uma pessoa difícil. Ninguém quer ser uma pessoa difícil. Antes triste do que difícil. Até hoje, tenho esta insegurança que me traz a auto-estima e a auto-confiança em corrupio. Por vezes, dou por mim a pensar se terei sido difícil com determinada pessoa, ou em determinada situação. Isto também pode tornar-se num pau-de-dois-bicos, pois uma pessoa menos honesta com os seus sentimentos pode usar isto facilmente contra mim. Basta que alguém, para não assumir a sua falha, me acuse de estar a ser difícil e deixar-me de quatro, ficando ali uma situação mal resolvida mas declarada como finda.

Fui aprendendo a juntar bocadinhos bons para procurar neutralizar a minha parte “difícil”, um lado que creio estar muito no rigor com que assumo as coisas e a minha frontalidade terrível. Vou buscar outros bocadinhos, os bons, à avó dos pães que também misturo com bocadinhos bons dos outros avós, e assim levo os meus dias a procurar ser uma pessoa melhor.

~ ~ ~

Acredito nisto: procura ser uma pessoa melhor a cada dia.

Ser uma pessoa melhor é, para mim, ser uma pessoa que leva a sua vida, com as suas pessoas e no desenvolvimento dos seus interesses, numa ética de vida que procura o bem-estar sem consequente prejuízo de outros.

Acontece que, por mais que façamos, há sempre falhas na circunstância do bem-estar. Essas falhas podem ser do exterior, como o exemplo dos acontecimentos de vida, ou do interior, como o exemplo da predisposição genética.
E eu tenho andado tão periclitante nesta coisa do bem-estar, quer espiritual, quer físico.

É de propósito que digo espiritual e não emocional e não vejo sentido em explicar essa opção.

Temos vivido uns anos muito intensos cá para estes lados da minha família. É sempre tudo tão grande, é sempre tudo tão de vida ou de morte. Há sempre tantos eventos, tantas reflexões, tantas decisões, tantas alegrias e tantos medos.
Isto são coisas espirituais e merecem a devida parcimónia. Importa encontrarmos o lugar para o seu crescimento. Importa encontrar o lado da vida que proporcione a sua aceitação.

~ ~ ~

Na verdade, eu não sei se o meu avô dos pães trazia uma tristeza dentro de si, mas a observação da minha mãe fez sentido. Trago uma tristesse dentro de mim, desde pequenina. Porém, nada do que tenho sentido tem a ver com essa tristesse, o que tenho sentido tem a ver com desalento, com a procura de me adaptar às realidades duras da vida. O que tenho sentido tem a ver com doença, minha e dos meus. O que tenho sentido tem a ver com medo e com impotência. O que tenho sentido tem nome e não é de cá dentro, vem de fora, sem dó nem piedade.
É tristeza, não é a minha tristesse.
E é-me muito importante reconhecer esta diferença e actuar.

Tenho procurado dar o lugar devido à tristeza sem me afligir imediatamente em tarefas vãs a procurar enxotá-la dos meus dias. Ela tem estado aí. Os motivos para a sua existência são reais. Já ouviram falar deles por aqui.
A tristeza tem-me rondado, fruto deste sofrimento e deste medo. Hoje de manhã, percebendo que estava a tentar disfarçá-la com as dores físicas que exigiram analgesia, pensei: se não tiveres forças para dar um giro ao final da tarde, vais para casa deitar este corpo dorido no sofá e vais ouvir as canções mais tristes que conheces e vais chorar.

Há que encontrar um lugar para tudo, nuns dias dá para ir beber uns finos e rir de baboseiras, noutros dias ouvem-se canções tristes.
Contando com o dia seguinte.
Contando que teremos forças para nos desenrolarmos do próprio corpo, dos dramas próprios, e dar lugar a toadas mais alegres.


III
Medo & raiva

Ontem, com a carta da convocatória na mão, apeteceu-me iniciar um sprint e fugir, mas eu sei que tenho pouquíssima resistência e que antes de chegar ao fim da minha rua já estaria com os bofes de fora, encostada a um muro, a arfar defraudada com a minha própria raiva.
Não sei que pensar disto tudo. 
Não tenho medo de cateteres e agulhas e o diabo a sete, mas tenho medo. Tenho medo que o estadiamento da minha endometriose obrigue à intervenção noutros órgãos. Tenho medo da vida com terapêutica hormonal de substituição. Receio que a histerectomia total não compense em qualidade de vida – que é, afinal, o meu maior motivo para me sujeitar a tão grande mutilação.

Repara, Cipreste: vais permitir que te amputem.

Não estou a, nem vou, dramatizar. Mas as coisas são o que são e uma histerectomia total é uma amputação.

IV
Bondade

Não sei o que pensar e preciso de me preparar: organizar a casa, dar conta de dois ou três recados, organizar a minha vida profissional, fazer a mala e chorar. 
Tenho de fazer isso. As lágrimas andam por aqui a cirandar e não saem, mas eu sei que têm de sair. Preciso de chorar o meu corpo para que depois se possa renovar. Não sei se isto é certo ou errado, nem sequer sei se há um certo e um errado para estas coisas. 
O que sei - o que sinto, é que agora é hora de ouvir canções tristes.
Para depois me preparar para entregar o meu corpo nas mãos de estranhos e contar com a sua bondade.



Deixo-vos com esta imagem por vários motivos, um deles é que sei que me esqueci disto no trato a uma pessoa a semana passada. Entretanto, já me retractei com a pessoa, mas fico sempre um pouco desiludida comigo quando deixo que algo me tolha a visão. 
O conceito de neutralização - de que passei a tomar mais consciência desde uma das formações da adopção, parece-me ser um bom passo para conseguirmos lembrar desta máxima: sermos bondosos uns com os outros, pois estamos todos a travar batalhas.

Desculpem o estilo soturno dos últimos dias,
I'm gonna be alright ;) eu sei que sim

Cipreste

domingo, 9 de março de 2014

Um pedido de ajuda

Boa noite,

Hoje trago-vos agora um assunto um bocadinho diferente, é um pedido de ajuda

Na próxima 5ªfeira queríamos conseguir entregar esta petição na Assembleia da República, mas ainda não chegámos às 4000

A todos pedimos que divulguem, aos que não assinaram ainda pf assinem

Ficarão com gratidão das mulheres portuguesas com endometriose por não ignorarem este pedido***

Para conhecerem um pouco mais sobre endometriose:

quarta-feira, 5 de março de 2014

Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma*

Desci as escadas para almoçar e assim que sentei à mesa as lágrimas caíram copiosamente. O meu nível de frustração naquele momento estava muito elevado. Tinha acabado de passar por um momento de dor física horrorosa e esperava poder sentar-me sossegada com o Chaparro e o Freixo - que veio passar as mini-férias de Carnaval à sua segunda casa. Só queria um almoço em família, com o Chaparro a dizer disparates e eu e o Freixo a unir forças em desaprovação jocosa do seu comportamento, para que todos sentíssemos aquele calorzinho que se sente por dentro quando sabemos que estamos todos ali, que o mundo todo está naquela sala de jantar. E que nos pertencemos e que podemos contar uns com os outros daqui até ao céu. Mas caí em lágrimas. Um farrapo. E fiz do nosso almoço uma coisa preocupada e desalentada.
Já deitada no sofá, não me contive e pedi desculpas ao Freixo pelo almoço logrado e este, um querido, como sempre, disse-me que eu não tinha nada que pedir desculpas.

Não queria que este Carnaval tivesse sido em torno das minhas dores, mas não havia nada a fazer, elas ali estavam e o Chaparro deixou bem claro que íamos passar aqueles dias assim: em família.
Não vale a pena entrar em pormenores sobre o que aconteceu: uma desregulação que teve de ser regulada por “tentativa-erro” com medicação. Toda a violência física deste vaivém de hemorragias e dores levou-me a um estado de labilidade emocional que me assustou. E nessas alturas não há nada como nos deixarmos à mercê da protecção da família e dos amigos íntimos porque o resto da humanidade apresenta-se-nos muito hostil nessas horas.

Hoje voltei ao trabalho e pude fazê-lo devagarinho, o que me soube bem. Fiz daquelas coisas que nos deixam o sentimento de missão cumprida para o dia. Foi gratificante. É assim em muitos dias da minha lida e ainda bem que o foi hoje. Acrescente-se-lhe o calor e o cuidado com que me receberam de volta (só estive 6 dias ausente!). Foi tudo muito conciliador.
Porém, nem por isso senti menos vontade de vir para casa descansar. Embora as considere insignificantes, as dores ainda andam por aqui e tanta imensidão de existência humana com que lidei hoje deixou-me muito cansada.

E eis que chego ao tema cansaço.
Eu sei. Eu sei o que se passa. Não vou tentar fingir. Nem fugir.
Não foram apenas as perdas de sangue e uma eventual anemia (que não chegámos a avaliar) nem só o cansaço disso tudo que me trouxe a este estado de fragilidade.

Sou demasiado consciente dos meus processos para virar a cara para o lado, no entanto, às vezes demoro um bocadinho a formar uma linha de pensamento sobre o que se está a passar comigo. Agora reconheço o que se passa e tenho de me organizar para aceitar as feridas que estão em mim. E quando falamos de feridas, falamos de friabilidade e neste momento tenho de ter cuidado ao lamber as minhas pois não as quero em carne mas antes a sua cicatrização. E eu sou daquelas pessoas que aceita que as cicatrizes devem ser acarinhadas e servir para que nos lembremos - sempre. Não acredito que haja uma solução para se ir da ferida à pele intacta. [receio ter-vos proporcionado mais um momento de metáfora barata(?)]

Posto isto, tive de dar a mão à palmatória e adiar uma série de compromissos. Consegui reformular todos, felizmente. Custou-me especialmente um compromisso profissional que implica com a vida de uma pessoa especial, mas também sei que quando o retomar será comigo mais completa para assumir as competências que me são devidas.

E depois há outra coisa, só para tentar complicar decisões sensatas: sabem aquelas pessoas que não sabem parar? Pois, eu sou daquelas que ficam a remoer e a pensar que é um exagero, que afinal conseguiria dar vazão aos compromissos todos e tal. Mas felizmente tive um momento de lucidez quando assumi que não. E hoje senti que o esforço de ir trabalhar com tudo de mais mundano que implica - desde o acordar bem cedo, arranjar-me, ter energia para empatizar com pessoas cheias (cheias) de problemas, é o esforço que posso fazer.  Adiante.

Ao lusco-fusco, só quero cair nos braços do meu querido Chaparro e fazer tudo o resto o mais devagar possível. Sem grandes planos, segurando as pontas àquilo que não vale a pena abandonar, procurar olhar para as coisas vendo-lhes a beleza possível sem fazer um drama de cada vez que me der para o choro. 

É um grande rol que enfrento neste momento. O luto pelo sonho de gerar um filho. O luto do que implica uma histerectomia radical, aos 40, como descerrar de uma história de infertilidade. A luta do meu pai. A luta pela minha saúde, pois a cirurgia que aí vem ainda me pode trazer dissabores assim como não me garante a cura da endometriose, e a vida com a medicação e efeitos secundários de uma histerectomia radical.

Para já, o que se passa comigo é isso - a vida, e a minha é tão cheia de coisas boas que me parece que as más acabam por ser na mesma proporção advindo daí esta intensidade de mágoa.

Para já, batalharei com uma das minhas armas mais fortes: o amor pelo qual estou rodeada. Donde tenho de salientar a incondicionalidade e o orgulho com que o Chaparro se apresenta lado-a-lado comigo.
Sou uma felizarda.

Cipreste


Fulfillment, Gustav Klimt



* Miguel Esteves Cardoso via Citador

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Vamos falar disto.

Dentre os meus amigos e conhecidos, quem esteja mais ou menos atento, já terá percebido que tenho dado alguns passos para sair do armário.
Ou seja, tanto andei que arranjei coragem para dar a cara: OLÁ, O MEU NOME É CIPRESTE E SOU PORTADORA DE ENDOMETRIOSE.

Trata-se de uma doença que me tem tomado alguns dos dias… desde os meus 14 anos.
Fui diagnosticada pelo 4º médico a quem me queixei, aos 27 anos (13 anos depois  do início dos sintomas!). Fui operada. E fui ignorante porque não procurei mais informação na altura, pensei que estava curada. Mas não. Tudo voltou. Hoje, às portas de fazer 40 anos, continuo com muitos dias marcados por esta malvada.

Muito há a dizer sobre a vida com endometriose.

Não nos olhem com pena, mas façam-nos um favor: ajudem a passar a palavra.
Porque CHEGA de deixar esta doença passar impune.
CHEGA de ouvir alguns médicos ainda da idade das trevas dizer-nos que é normal ter dores.
Aos que quiserem, e puderem, venham caminhar comigo no dia 13 de Março.

Não sei dizer grandes coisas sobre isto. Deixa-me sem palavras.

Não esqueçam o meu pedido: passem palavra.

Vamos falar disto.
Obrigada.

 

Fico com o meu sonho.

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Cipreste

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

(ritos de passagem)

Nada mais perfeito do que uma casa enfeitada de natal com uma caixinha de música a tocar durante a vida vazia de filhos. Digo: nada mais perfeito para espiar a ferida de uma não-mãe.
Estou a dias de completar 40 anos. Programei-me com mestria para estas construções culturais. Datas, marcos, lugares, cheiros. Aceito-os, não os renego, não sou, no entanto, dramática em relação aos mesmos. Assumi há já algum tempo que sou assim, evoco estas coisas, é uma característica como qualquer outra. As décadas: Gostei muito de fazer 30 anos, foi no final de um ano muito duro para mim, aquele em que recomecei a minha vida numa cidade onde não tinha amigos nem família, apenas trabalho. O ano seguinte a um divórcio, com uma mala cheia de lutos por fazer.
Ainda que com alguns golpes por sarar, senti os meus 30 como uma vitória. Foi um dia feliz passado com aqueles que amo, e que me amam.
Há dias decidi que quero fazer uma festa para celebrar os 40. E assim será. Mas não vou fingir que entro nesta época natalícia com o coração incólume. Não, não vou fingir.
Fechou-se uma porta. E eu tranquei-a.

Nunca hei-de gerar um filho dentro de mim. Nunca hei-de ver o meu corpo transformar-se. Nunca hei-de ser abordada pelos que me amam a abraçar-me a barriga, a fazer promessas para dentro dela. Nunca hei-de parir. Com dor ou sem ela. Nunca hei-de parir. Nunca hei-de ter um bebé em cima de mim, acabado de nascer e eu cheia de lágrimas de felicidade por receber esse sentimento misterioso. Nunca hei-de ter as entranhas atravessadas por águas de dar à luz. Nunca hei-de dar de mamar ao meu filho. Nunca hei-de ter o meu bebé nos braços, adormecido, aconchegado, consolado. Nunca hei-de ouvir o riso dobrado do meu bebé. Nunca.

Tenho de encontrar um lugar onde sepultar este sonho. Os médicos, sábios, propõem que coloque na mesma cova o meu útero e os meus ovários. E fico eu, para lamber esta ferida. Oiço música triste. Enquanto choro, deixo acesas as luzes da árvore de natal.
Eis que esta luta se metamorfoseia agora num luto.

 

(procurar o chão, quando o "you" em "fix you" somos nós próprios)


When you lose something you cannot replace
Tears stream down your face



Cipreste

sexta-feira, 15 de novembro de 2013