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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Consolo

Ontem, foi o último dia de trabalho do Chaparro. Alegando a extinção de postos de trabalho, o patrão milionário viu-se obrigado a arrumar contas com os primeiro 25 que despachou colectivamente, alguns com 30 anos de casa. E assim se viram livres dos 2 meses legais da tortura da praxe que distam entre a oficialização do despedimento e a sua concretização.

Ontem, entre intervalos do meu trabalho, acompanhei o meu pai nas consultas – Oncologia Médica e Consulta da Dor. O dia começou ameno, mas quando chegou à Consulta da Dor começou a queixar-se de forma mais intensa. Contratempos e urgências a que os médicos foram chamados, levaram-nos a perceber que as dores do meu pai não eram ali uma urgência major. E nós compreendemos. Nós compreendemos sempre. São 13 anos a arrastar-nos entre muitas especialidades.
Agora, a especialidade da dor.

O meu pai saiu de lá aliviado da dor. Eu, nem por isso.

Trouxera o carro para a cidade, a 100km de casa deles, ainda insisti que os levava, que conduziria o seu carro. Mas ele é um resistente. Disse-me: eu consigo. E eu acreditei nele. Lá foram. A minha mãe ligou quando estavam a chegar. “Quando chegarem, liga-me”. Que é para eu ficar mais descansada. Mas eu não fiquei mais descansada. A minha mãe disse “Já chegámos, o pai está melhor.” e ele, lá do volante, disse bem alto, para eu ouvir, “beijinhoooos!”. E eu disse “beijinhoooos!”. E o meu coração fez aquela coisa de ficar muito pequenino e muito grande ao mesmo tempo.

Tive de anular umas das reuniões que ia ter mas ainda consegui ir à outra. O Chaparro foi buscar-me no fim, com o porta-bagagens cheio de caixas com livros e catálogos e mais não sei o quê – o espólio que lhe restou.

Dias grandes.

Hoje, vim ainda mais cedo que o habitual, sozinha, de carro, e ele lá ficou. Vai ao banco e vai continuar a obcecar com as várias hipóteses profissionais, que maioritariamente passam por criar o seu próprio emprego. Não vale a pena ter a veleidade de que conseguirá, na conjuntura actual, emprego na sua área.

Costumávamos sair de casa juntos pela manhã. Só temos um automóvel. Ele deixava-me de manhã e seguia, ao final da tarde eu regressava a casa de autocarro ou a pé. Não sei como vai ser agora.
Estacionei na garagem do meu trabalho, no -1, o elevador desceu ao -2 para apanhar mais alguém. Entraram 3 colegas com quem simpatizo. Um perguntou-me pelo meu pai e dei por mim a responder “um dia de cada vez” já entre lágrimas. Coitados, embaracei-os. Pediu-me desculpa por perguntar. Eu agradeci o seu cuidado ao perguntar. E desculpei-me pela vontade própria das minhas lágrimas.

Cheguei ao meu gabinete para de seguida sair com um cigarro e uma moeda para tirar café da máquina.
A caminho do cantinho dos fumadores, trauteava que a vida é sempre a perder.
Éramos 3 fumadores. Uma desabafou que é 6ªfeira, o outro disse em desalento que é igual a ser fim-de-semana. Ele não trabalha por turnos nem noites, os dias são iguais porque sim e rematou que somos sortudos por ter emprego. Eu não disse nada. Eu pensei “hoje é o primeiro dia do Chaparro desempregado”.
Pensei que sei que sou sortuda por ter emprego e pensei que sou ainda mais sortuda por ter um emprego em que não estou simplesmente a enriquecer um porco rico que tem coragem para despedir pessoas com cancro ou acabadas de comprar casa ou de ter um filho – esse é o ex-patrão do Chaparro. É essa a forma como cumpre a responsabilidade social de que tanto os da sua laia apregoam fazer.
Eu estou no serviço público e sei que é isso que faço. Nenhum ordenado paga a humanidade que venho buscar aqui. Estou feliz por ver o Chaparro livre daquele ambiente.

A vida pode ser sempre a perder, mas há formas mais dignas de perder do que outras. Não odeio o que é fácil, nem acho que tudo o que vale a pena é difícil de conseguir. Mas tem sido a nossa experiência de vida. Estou mesmo muito feliz por ver o Chaparro livre daquele ambiente. Consola-me saber que pode estar aí ao virar da esquina o realizar de um sonho para ele.
Ok, ainda não será o sonho de ter uma cabana na praia, mas já não será nada mau. Está nas nossas mãos.

Deixo-vos com este poema:

BIOGRAFIA

Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz, no mar, no vento.

Sophia de Melo Breyner Andresen



Um bom dia para vós,
Cipreste

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

talvez escrever

Estou cansada de desabafar sobre os meus problemas. Estou cansada de tentar colocá-los em perspectiva, de me acusar de me queixar de “barriga cheia”. Estou cansada de olhar para o lado, para os problemas dos outros e sentir-me indigna dos meus queixumes. Às vezes, estou simplesmente cansada de mim.

Cada vez menos confidencio com amigos. Na verdade, os meus únicos confidentes têm sido mesmo o Chaparro e este blog.

Estando eu própria cansada de mim, receio cansar os outros. Aliás, penso já ter cansado algumas pessoas que claramente se afastaram de mim nos últimos meses. Nem sequer sinto legitimidade para abordar essas pessoas. Sinto que posso ter sufocado um ou outro amigo com tanta intensidade de relatos de eventos em sucessão. Deixo-me ficar no meu canto. Disse-lhes um ou dois olás, perguntei-lhes como vão, responderam-me que vão bem ou que vão indo. E ficou por ali. Confirmei de mim para mim que as suas ausências se devem ao espaço que ocupo e que precisam de libertar para si. E assim tenho vindo a ficar no meu canto.

Não exploro o assunto solidão porque não o identifico, embora reconheça que o afastamento de pessoas que habitualmente fazem parte do nosso círculo íntimo leve a uma certa solidão. Mas não creio ser essa a solidão que sinto.
Resta a saudade do que foi e a consciência de que o que se foi não volta, nunca mais. Fico com a auto-estima periclitante e falo mais baixinho com quem quer que se aproxime de mim. Desejo não ferir os ouvidos das pessoas.
Reflicto sobre o bem-querer. Reflicto sobre a efemeridade.
Recuso-me a considerar que já não se fazem amizades como antigamente porque não acredito que antigamente é que era.
Começo textos sobre a necessidade que sentimos, que sinto, de cultivar a lealdade e apago tudo. E depois recomeço outro texto.

Não sou prisioneira da obrigação de se ser zen e detesto a tirania do optimismo. Apesar disso, e de reconhecer que todos temos os nossos dias, procuro fazer por contrariar o mal-estar interior. Acima de tudo, porque não gosto (mesmo nada) desta sensação de querer fugir, de fazer um sprint, ouvindo esta canção em repeat, e só parar quando chegar a um penhasco da Galiza e ficar ali em pendência com as minhas vertigens.

Há dias em que nenhuma solução se adivinha, há dias em que sentimos muito mais forte que a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer*.
Hoje, a minha manhã foi regular, igual a tantas outras, cumpri o meu dever e fui almoçar. Não senti o sabor da comida, depois tomei um café e fui fumar um cigarro. Tenho fumado uns cigarros, ainda assim não me sinto consolada. Há pouco, voltava ao meu posto de trabalho e listava mentalmente os eventos e tarefas para os próximos tempos, sendo a ocupação mais importante a cirurgia da mãe-Chaparro, e o revolver a cabeça à procura de uma solução profissional para o Chaparro, seguem-se as ninharias que me levarão as energias: uma reunião hoje ao final do dia com outra entidade com que colaboro; retomar aquele compromisso que ficou interrompido com a minha cirurgia; preparar a formação do final da semana; preparar-me para a reunião de amanhã; preparar-me para a reunião de 5ªfeira e que levará à escrita de 3 resumos e 1 proposta de projecto que tenho de fazer até dia 25; preparar a formação de Outubro, e a de Novembro e a de Dezembro, sem falar na outra que começa no dia 22; contactar aqueles indivíduos que vêm ajudar nesta formação que começa no dia 22; (reparem que todas estas formações, excepto uma, são extra o meu emprego/horário de trabalho) inscrever-me na outra associação; pagar quotas; já agora, lembrar o Chaparro de pagar o selo do automóvel assim como da inspecção periódica; ah! e pagar aquela conta da oficina; inscrever-me no congresso profissional; planificar as 6ªs e Sábados que vou ter ocupados com formação que, essa sim, vou receber; e o sindicato (oh céus, como me deixei envolver em mais esta?!);  continuar a marimbar-me para a limpeza da casa, mas pôr roupa a lavar ur-gen-te-men-te; e decidir se sempre publico o meu livro.

O meu livro. Nunca vos contei: eu escrevo. Quero dizer, escrevo sobre outros assuntos que não só a infertilidade, a endometriose e a adopção. Escrevo uma coisa a que penso se possa chamar de prosa poética. Ando há anos (anos!) para publicar e parece que vai ser agora. São tudo textos escritos a anos-luz desta que hoje se apresenta como Cipreste. Embora este apelido venha da convivência desses dias. À distância, reli-os, e leram-mos em voz alta convencendo-me que, ok, é publicável.

Ao listar estas tarefas, pensei que não vou conseguir levar avante tudo isto. É demais, pensei. Não é um dia de cada vez, são 4 meses muito cheios. E senti o canso todo em miscelânea, senti os cansaços todos juntos dentro e fora de mim, como uma nuvem de fumo, mas de fumo indestrutível. E pensei que, uma vez que não tenho disponibilidade nem dinheiro para ir passar os próximos meses a Bora-Bora, talvez deva voltar a escrever sobre os outros assuntos que não só a infertilidade, a endometriose e a adopção. Ou, talvez, sejam  os mesmos assuntos, apenas todos juntos nesses dois que dizem obcecar os poetas: o amor e a morte.

Tenho uma vaga memória de me sentir mais perto do mundo quando escrevia sem travões. E eu que ando tão atreita a deixar-me vaguear ao deus-dará. Talvez hoje passe por um café antes de zarpar para casa e tente escrevinhar uma ou duas linhas com a alma toda lá dentro.
Em busca de me sentir mais perto de casa.

É isso: tenho saudades de casa.

Cipreste

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

mudar de vida

O meu pai, doente oncológico há 13 anos, portador de doenças diferentes entre si e muito graves, tem-nos ensinado as maiores (as mais básicas) lições de vida. Há uns 3 anos, disse-me «Olha que a vida são mesmo só 2 dias, eu pensava que eram 3, mas são só 2.». A minha mãe confirmou e disse-me das vezes em que se chateou e se preocupou em vão com coisas, afinal, insignificantes e de como se arrependia das energias que gastou nesses eventos.

Acho bonito cumprimentar os outros com um “saudinha!”. 
~

Haja saúde.

Eu sei: há dias muito maus nesta passagem. Um dia, por exemplo, quis morrer, tive uma dor tão negra dentro do meu peito que me achei indigna de viver. Sobrevivi à custa de poupar um desgosto aos meus pais.
Hoje, o dia começou como os outros. Ontem à noite, quis rever o American Beauty e assim fiz. Fui para a cama inspirada pelo filme, como das outras 4 ou 5 vezes em que o vi.
~
Há momentos que nos parecem ser guiados por aquilo a que, eu – ateia, agnóstica ou lá como me queiram apelidar, chamo de anjo da guarda.
Hoje, o dia começou como os outros, com o lusco-fusco veio uma mudança profunda nas nossas vidas.
Sentámo-nos, trocámos olhares, conversámos e soubemos que isto, afinal, há-de ser uma insignificância.
O meu pai continua a levar os dias de bem com a vida, todos os outros vão bem de saúde, nós também. E nenhum de nós quer morrer.
Vamos ficar bem.
Nós estamos bem e é assim que seguiremos pela estrada renovada que ajudaremos a abrir. Haja saúde. E se a não houver, cá estaremos - uns para os outros.

Saúdinha!
Cipreste

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Vamos falar disto.

Dentre os meus amigos e conhecidos, quem esteja mais ou menos atento, já terá percebido que tenho dado alguns passos para sair do armário.
Ou seja, tanto andei que arranjei coragem para dar a cara: OLÁ, O MEU NOME É CIPRESTE E SOU PORTADORA DE ENDOMETRIOSE.

Trata-se de uma doença que me tem tomado alguns dos dias… desde os meus 14 anos.
Fui diagnosticada pelo 4º médico a quem me queixei, aos 27 anos (13 anos depois  do início dos sintomas!). Fui operada. E fui ignorante porque não procurei mais informação na altura, pensei que estava curada. Mas não. Tudo voltou. Hoje, às portas de fazer 40 anos, continuo com muitos dias marcados por esta malvada.

Muito há a dizer sobre a vida com endometriose.

Não nos olhem com pena, mas façam-nos um favor: ajudem a passar a palavra.
Porque CHEGA de deixar esta doença passar impune.
CHEGA de ouvir alguns médicos ainda da idade das trevas dizer-nos que é normal ter dores.
Aos que quiserem, e puderem, venham caminhar comigo no dia 13 de Março.

Não sei dizer grandes coisas sobre isto. Deixa-me sem palavras.

Não esqueçam o meu pedido: passem palavra.

Vamos falar disto.
Obrigada.

 

Fico com o meu sonho.

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Cipreste

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

(ritos de passagem)

Nada mais perfeito do que uma casa enfeitada de natal com uma caixinha de música a tocar durante a vida vazia de filhos. Digo: nada mais perfeito para espiar a ferida de uma não-mãe.
Estou a dias de completar 40 anos. Programei-me com mestria para estas construções culturais. Datas, marcos, lugares, cheiros. Aceito-os, não os renego, não sou, no entanto, dramática em relação aos mesmos. Assumi há já algum tempo que sou assim, evoco estas coisas, é uma característica como qualquer outra. As décadas: Gostei muito de fazer 30 anos, foi no final de um ano muito duro para mim, aquele em que recomecei a minha vida numa cidade onde não tinha amigos nem família, apenas trabalho. O ano seguinte a um divórcio, com uma mala cheia de lutos por fazer.
Ainda que com alguns golpes por sarar, senti os meus 30 como uma vitória. Foi um dia feliz passado com aqueles que amo, e que me amam.
Há dias decidi que quero fazer uma festa para celebrar os 40. E assim será. Mas não vou fingir que entro nesta época natalícia com o coração incólume. Não, não vou fingir.
Fechou-se uma porta. E eu tranquei-a.

Nunca hei-de gerar um filho dentro de mim. Nunca hei-de ver o meu corpo transformar-se. Nunca hei-de ser abordada pelos que me amam a abraçar-me a barriga, a fazer promessas para dentro dela. Nunca hei-de parir. Com dor ou sem ela. Nunca hei-de parir. Nunca hei-de ter um bebé em cima de mim, acabado de nascer e eu cheia de lágrimas de felicidade por receber esse sentimento misterioso. Nunca hei-de ter as entranhas atravessadas por águas de dar à luz. Nunca hei-de dar de mamar ao meu filho. Nunca hei-de ter o meu bebé nos braços, adormecido, aconchegado, consolado. Nunca hei-de ouvir o riso dobrado do meu bebé. Nunca.

Tenho de encontrar um lugar onde sepultar este sonho. Os médicos, sábios, propõem que coloque na mesma cova o meu útero e os meus ovários. E fico eu, para lamber esta ferida. Oiço música triste. Enquanto choro, deixo acesas as luzes da árvore de natal.
Eis que esta luta se metamorfoseia agora num luto.

 

(procurar o chão, quando o "you" em "fix you" somos nós próprios)


When you lose something you cannot replace
Tears stream down your face



Cipreste

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

domingo, 3 de novembro de 2013

(música para ritos de passagem)

O momento em que percebemos que uma luta passa a ser um luto. 

 For now 
 Leaving point despair 
Leaving point hope 

 Getting lost to find a way back home 
Getting back by letting go

 



Cipreste