Estou cansada de desabafar sobre os meus problemas. Estou cansada de tentar colocá-los em perspectiva, de me acusar de me queixar de “barriga cheia”. Estou cansada de olhar para o lado, para os problemas dos outros e sentir-me indigna dos meus queixumes. Às vezes, estou simplesmente cansada de mim.
Cada vez menos confidencio com amigos. Na verdade, os meus únicos confidentes têm sido mesmo o Chaparro e este blog.
Estando eu própria cansada de mim, receio cansar os outros. Aliás, penso já ter cansado algumas pessoas que claramente se afastaram de mim nos últimos meses. Nem sequer sinto legitimidade para abordar essas pessoas. Sinto que posso ter sufocado um ou outro amigo com tanta intensidade de relatos de eventos em sucessão. Deixo-me ficar no meu canto. Disse-lhes um ou dois olás, perguntei-lhes como vão, responderam-me que vão bem ou que vão indo. E ficou por ali. Confirmei de mim para mim que as suas ausências se devem ao espaço que ocupo e que precisam de libertar para si. E assim tenho vindo a ficar no meu canto.
Não exploro o assunto solidão porque não o identifico, embora reconheça que o afastamento de pessoas que habitualmente fazem parte do nosso círculo íntimo leve a uma certa solidão. Mas não creio ser essa a solidão que sinto.
Resta a saudade do que foi e a consciência de que o que se foi não volta, nunca mais. Fico com a auto-estima periclitante e falo mais baixinho com quem quer que se aproxime de mim. Desejo não ferir os ouvidos das pessoas.
Reflicto sobre o bem-querer. Reflicto sobre a efemeridade.
Recuso-me a considerar que já não se fazem amizades como antigamente porque não acredito que antigamente é que era.
Começo textos sobre a necessidade que sentimos, que sinto, de cultivar a lealdade e apago tudo. E depois recomeço outro texto.
Não sou prisioneira da obrigação de se ser zen e detesto a tirania do optimismo. Apesar disso, e de reconhecer que todos temos os nossos dias, procuro fazer por contrariar o mal-estar interior. Acima de tudo, porque não gosto (mesmo nada) desta sensação de querer fugir, de fazer um sprint, ouvindo
esta canção em
repeat, e só parar quando chegar a um penhasco da Galiza e ficar ali em pendência com as minhas vertigens.
Há dias em que nenhuma solução se adivinha, há dias em que sentimos muito mais forte que
a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer*.
Hoje, a minha manhã foi regular, igual a tantas outras, cumpri o meu dever e fui almoçar. Não senti o sabor da comida, depois tomei um café e fui fumar um cigarro. Tenho fumado uns cigarros, ainda assim não me sinto consolada. Há pouco, voltava ao meu posto de trabalho e listava mentalmente os eventos e tarefas para os próximos tempos, sendo a ocupação mais importante a cirurgia da mãe-Chaparro, e o revolver a cabeça à procura de uma solução profissional para o Chaparro, seguem-se as ninharias que me levarão as energias: uma reunião hoje ao final do dia com outra entidade com que colaboro; retomar aquele compromisso que ficou interrompido com a minha cirurgia; preparar a formação do final da semana; preparar-me para a reunião de amanhã; preparar-me para a reunião de 5ªfeira e que levará à escrita de 3 resumos e 1 proposta de projecto que tenho de fazer até dia 25; preparar a formação de Outubro, e a de Novembro e a de Dezembro, sem falar na outra que começa no dia 22; contactar aqueles indivíduos que vêm ajudar nesta formação que começa no dia 22; (reparem que todas estas formações, excepto uma, são extra o meu emprego/horário de trabalho) inscrever-me na outra associação; pagar quotas; já agora, lembrar o Chaparro de pagar o selo do automóvel assim como da inspecção periódica; ah! e pagar aquela conta da oficina; inscrever-me no congresso profissional; planificar as 6ªs e Sábados que vou ter ocupados com formação que, essa sim, vou receber; e o sindicato (oh céus, como me deixei envolver em mais esta?!); continuar a marimbar-me para a limpeza da casa, mas pôr roupa a lavar ur-gen-te-men-te; e decidir se sempre publico o meu livro.
O meu livro. Nunca vos contei: eu escrevo. Quero dizer, escrevo sobre outros assuntos que não só a infertilidade, a endometriose e a adopção. Escrevo uma coisa a que penso se possa chamar de prosa poética. Ando há anos (anos!) para publicar e parece que vai ser agora. São tudo textos escritos a anos-luz desta que hoje se apresenta como Cipreste. Embora este apelido venha da convivência desses dias. À distância, reli-os, e leram-mos em voz alta convencendo-me que, ok, é publicável.
Ao listar estas tarefas, pensei que não vou conseguir levar avante tudo isto. É demais, pensei. Não é um dia de cada vez, são 4 meses muito cheios. E senti o canso todo em miscelânea, senti os cansaços todos juntos dentro e fora de mim, como uma nuvem de fumo, mas de fumo indestrutível. E pensei que, uma vez que não tenho disponibilidade nem dinheiro para ir passar os próximos meses a Bora-Bora, talvez deva voltar a escrever sobre os outros assuntos que não só a infertilidade, a endometriose e a adopção. Ou, talvez, sejam os mesmos assuntos, apenas todos juntos nesses dois que dizem obcecar os poetas: o amor e a morte.
Tenho uma vaga memória de me sentir mais perto do mundo quando escrevia sem travões. E eu que ando tão atreita a deixar-me vaguear ao deus-dará. Talvez hoje passe por um café antes de zarpar para casa e tente escrevinhar uma ou duas linhas com a alma toda lá dentro.
Em busca de me sentir mais perto de casa.
É isso: tenho saudades de casa.
Cipreste