sexta-feira, 24 de junho de 2016

até já

Após um interregno não planeado durante as férias da Páscoa, e com o regresso às aulas, as nossas rotinas escolares e laborais, assim como projectos extra e muito aliciantes, deixaram-me com menos tempo para escrever. O blog foi ficando à espera. Escrevi uns textos que ficaram em rascunho. Nuns dias não publiquei porque estava a trabalhar muito, noutros dias não publiquei porque simplesmente não me apetecia, noutros ainda não publiquei porque a vida offline me chamava para o divertimento ou para o amor (e às vezes para os problemas também). A vida foi acontecendo.

Comecei a repensar a vida online. Não sou daquelas pessoas muito resolvidas que nunca sentem necessidade de repensar posturas e eventualmente redirecionar-se.

Depois, tive um ou outro encontro com pessoas que nunca nos contactam e que abordaram os meus filhos como se convivessem diariamente com eles. Usaram informações que partilho no facebook (ou aqui, pois algumas pessoas não admitem ler o blog) com os miúdos. Fizeram passar uma imagem de proximidade que não existe na prática da vida do dia-a-dia, do bem-querer, do contar com. Ninharias de dia-a-dia. Ainda assim, arrepiei-me.

Acrescentei a isto o facto da Magnólia se aproximar da idade legal para poder abrir conta no facebook. Pensei: poderá ser-me desconfortável ver a minha filha partilhar disto online com aqueles que não lhe surgem nas alegrias e nas aflições da vida offline. Questionei-me: nesse caso, o que é que quero que a minha filha me veja partilhar (no caso de querer ser minha “amiga”) online? Afinal, faz o que eu digo, mas… e o que eu faço?
Fiz uma restrospectiva, pus muitas coisas em cima da balança.

Não esqueço o meu prazer em partilhar, nem a importância da entre-ajuda.
Uso muito tempo a pensar “como podemos partilhar as verdades entre nós, pais adoptivos” sem expor os nossos filhos? Porém, há aqui questões em que o anonimato não passa, não funciona.
Vou continuar a pensar muito nisto. Quero muito ajudar as pessoas que estejam a passar pelo que já passei, e também quero muito estar com outras que já passaram onde estou, que me ajudem a ver além das minhas angústias actuais.

Vou dar uma volta, offline.

O blog fica em estado vegetante, reverti os posts para rascunho.
Não estou zangada com a internet nem com os blogs. Gosto muito das redes sociais mas agora só uso o facebook, mais nada. Quer dizer, leio os blogs, só não uso o meu.

Saibam que estamos bem, muito bem :) Não compliquemos, é Verão.

Quando descobrir o registo mais confortável para poder continuar a partilhar o que possa ser importante para outros no mesmo caminho, cá virei dar notícias. Quem quiser ficar na lista das notícias pode enviar email a “inscrever-se”.

Para já, vamos a banhos.

Tudo de bom para vós
e... obrigada pelas partilhas,
Cipreste

quinta-feira, 31 de março de 2016

os nossos dias

têm sido assim



e eu a pensar que iria sentar-me horas e horas a escrever
hahaha
olá,
espero que estejam todos bem

beijinhos e até já,
Cipreste

sábado, 19 de março de 2016

ser pai

Conheci o Chaparro no aeroporto. Foi bonito, um acaso bonito pelas mãos de um amigo comum.
Essa história fica para outro dia, o que quero contar é que menos de 5 minutos após termo-nos conhecido já o Chaparro me estava a mostrar as fotografias do Freixo, com a carteira na mão. Cerca de 5 fotos, desde bebé até à idade actual, 6 anos.
Eu estava com 31 anos e ele com 30. Era Março do ano de 2005 e ninguém das nossas idades andava com fotografias dos filhos nas carteiras. Pensava eu.
Esta é uma coisa que o Chaparro faz: abrir a carteira e mostrar fotografias dos três filhos enquanto os seues olhos brilham.
Quando paro para perceber a sorte que tenho na vida, quedo-me muito na sorte que tive em conhecer o Chaparro. Acho mesmo que foi um golpe de sorte encontrar num tão grande amor o melhor pai que poderia imaginar para os meus filhos.
Esta aventura da parentalidade é maravilhosa não apenas pelos filhos que tenho mas por quem é o pai com quem caminho lado a lado nela.


Chaparro,
Ontem, os teus filhos estavam verdadeiramente ansiosos por conseguir transmitir, nas prendas que te fizeram, o quanto gostam de ti. O mai'novo disse: espero que o papá goste porque estes são os meus sentimentos.
E é isso, estes são os nossos sentimentos. Feliz dia do pai.




Aos pais, aos órfãos, aos que nunca souberam o que é ter um pai mas sabem que é ser pai, aos que perderam os filhos, um beijinho especial neste dia,

Cipreste


p.s. não levem a canção à letra... beautiful boyz

quinta-feira, 17 de março de 2016

a vida é bela e isto é um poema

Ontem, eu e o meu filho participámos no clube de leitura da sua turma.
Trata-se de um clube organizado pela sua professora e que teve duas sessões o ano passado e já vai na segunda deste ano. Sempre muito bem preparado, com vários meninos a fazer a apresentação, calhando a vez a todos. Muita alegria e entusiasmo dos meninos e participação da quase totalidade dos pais, sempre em dias de semana a horas em que muitas pessoas acabam por ter de sair mais cedo para poder comparecer.

Nós participamos sempre, na última sessão lemos "O Pássaro da Alma" em família, sendo que o Chaparro fez de pássaro da alma, o mais lindo que já vimos até hoje.

Ontem, a sessão era sobre poesia. Expliquei ao meu filho o exercício do Cadáver Esquisito e fizemos um.

Ei-lo aqui, para quem não conseguir ler a imagem:

Cadáver Esquisito

Hoje vim ler
O macaco não sabe ler
Antes disso é preciso escrever
Eu gosto de escrever
É na escola que esta história começa
A história é gira
Porque gostamos de rodopiar
Eu gosto do rodopiar da minha mamã
Que rima com "romã"
A romã é doce
Ou amargo, o poema não tem de rimar
Rimar é divertido
Afinal para que serve sabermos rir?
Rir é amoroso
Pois sem amor nada somos
Nós somos divertidos
Alegres ou tristes, tudo faz parte da vida

A vida é bela
E isto é um poema.



Ele escreveu a verde e eu a vermelho. Não seguimos religiosamente as regras dos surrealistas. Escrevemos sempre partilhando a última palavra do nosso verso e virávamos a folha por essa linha "para não vermos". Foi uma bela e emocionante surpresa desdobrar a folha e ler o poema pela primeira vez.

Lemos o poema no final da sessão do clube de leitura e falámos aos meninos sobre como foi escrito, ainda abordámos a questão se a poesia será mesmo para comer (como disse a Natália Correia) e partilhámos uma parte da história da nossa família: o pai e a mãe do Chaparrito conheceram-se por causa da poesia. Foi o "uuuu" geral de olhos arregalados quando partilhei este segredo em voz de sussurro com eles.

Ontem foi um dia cheio de tantas coisas, coisas boas e menos boas, coisas chatas e coisas não-chatas

"a vida é bela
e isto é um poema"

Bom dia a todos,
Cipreste

quarta-feira, 16 de março de 2016

mal-entendidos e a sensação de coito-interrompido

Quando estamos assoberbados de afazeres. Quando temos o cuidado de só assumir os compromissos que temos certeza de poder cumprir, para não falhar com ninguém. Quando temos um emprego e dois filhos e uma espécie de segundo emprego e nas últimas 3 semanas temos estado todos engripados à vez (daquela gripe que não nos faz aterrar mas também não nos deixa andar com a energia bem regulada). Quando temos relações que são muito frágeis e dessas relações sai um pedido de uma tarefa e nós dizemos “ok, mas por favor, esta semana não, só na próxima, ok? Para eu não falhar». Quando planeamos fazê-lo no terceiro dia da semana em que prometemos que iríamos tratar desse assunto e recebemos um telefonema e respondemos logo e bem dispostos «hoje vou tratar disso!”. Mas sai, sem estarmos à espera, uma rabecada velada em como não cumprimos a nossa promessa (aquela que fizemos questão de dizer que só esta semana podíamos despachar). E depois ligamos à segunda entidade a contar que isto se resolve, este mal entendido de que eu não tive boa vontade e que não tirei aquele bocadinho que podia ter tirado porque uma pessoa consegue sempre um bocadinho, basta orgnizar-se – afinal, se postamos no facebook é porque temos todo o tempo do mundo, oiço nas entrelinhas. E dizem-se muitas coisas, com muito cuidado para não desencadear um incidente diplomático. Mas, claro, não falta a alusão de que “não se me (a mim, Cipreste) pode dizer nada porque amofino logo, ou assim”. E dizem-se mais umas coisas com muito cuidado, trato eu disso, não,deixa, trato eu. Acabo por conseguir mostrar que tenho vontade sincera de participar na coisa e de tratar o assunto, porque sei que também é minha obrigação. Porque é. E, no meio disto tudo, o recurso a um bocadinho de chantagem emocional, para a coisa ficar completa.

E acabam ambos os telefonemas sem que eu tivesse oportunidade de poder dizer a ambas entidades que estava muito entusiasmada e queria mesmo era avançar com outro assunto: a proposta de passarmos uns dias das férias da Páscoa todos juntos.

Pois :(

Boa tarde,
Cipreste

nesta pequena aldeia

Ando muito atarefada com um novo e muito aliciante projecto que nada tem a ver com a maternidade nem com a minha profissão, é uma coisa da minha vida dupla e que me faz sentir muito eu, muito a Cipreste ela própria e isso é tão bom, tão revigorante.

Adiante.

Venho dar espreitadas aos blogs dos meus vizinhos e hoje senti o meu coração quentinho.

A Olívia escreveu uma carta à mãe de coração e eu senti-me ali, dentro daquele círculo. Sei que não fui chamada para a conversa, não tinha de ser. Sabemos que fazemos parte de uma comunidade quando nos sentimos parte daquele grupo de pessoas. Senti-me parte de um voto de compreensão e entre-ajuda, para lá das diferenças que são naturais entre as pessoas.

Li a carta e senti-me ao lado da Olívia a dizer à mãe de coração «Estamos aqui, um por todos e todos por um».

Somos poucos*, ou eu é que não os encontro, nesta blogosfera dos pais através da adopção, mas a sensação de comunidade começa a estar lá para mim. A sensação de viver numa pequena aldeia.

It takes a village, diz uma expressão popular em língua inglesa, omitindo o final da frase, pois está lá implícita... to raise a child.

É necessária uma aldeia para criar uma criança.
E garanto-vos que neste mundo da adopção isso se sente de forma muito intensa.
encontrei esta imagem num blog, sem refª ao autor
diz a imagem que a expressão é de origem africana...

Hoje inauguro esta etiqueta - It takes a village, em honra desta pequena comunidade amiga de que me vou sentindo parte.

Bom dia, vizinhos,
Cipreste

* um dia destes vou fazer um apelo à reunião de todos os links da adopção, portugueses, que conheçamos

domingo, 13 de março de 2016

para começarem o domingo com a magia da infância

o Chaparrito informou-nos que afinal já não quer ser bombeiro (como o bombeiro Sam), agora quer ser cavaleiro andante, como o D. Quixote, e sublinhou que também quer ser apelidado de "cavaleiro da triste figura"

olhou para o marcador do meu livro, em cima da mesa, e exclamou "que elefante tão lindo!"


é isto, senhores
não se aguenta, pois não? :)
Bom domingo,
Cipreste

terça-feira, 8 de março de 2016

Exercício


1. Lê a seguinte lista de violações dos direitos humanos e depois responde às questões:

- violação sexual
- mutilação genital
- casamento infantil
- tráfico humano
- escravidão
- escravidão sexual
- repressão
- violência doméstica
- desigualdade no acesso à vida em sociedade (por ex, no direito ao voto e o acesso a cargos de liderança)
- desigualdade no mercado de trabalho (por ex, nas oportunidades de liderança e nas remunerações)

1.1. Tens conhecimento de que haja um grupo de "pessoas que se distingue de outro grupo de pessoas" que é mais atingido por estas violações do que o outro grupo de pessoas?

1.2. Tens conhecimento de que haja tendência para que seja habitualmente um grupo de "pessoas que se distingue de outro grupo de pessoas" que mais perpetua estas violações ao outro grupo de pessoas?

1.3. Tens conhecimento de que estas violações ainda acontecem diariamente, em pleno século XXI, pelo mundo fora?

Se respondeste “sim” a tudo, é provável que concordes que talvez (só talvez) seja bom dinamizar todo o tipo possível de acções para a sensibilização de que no século XXI ainda exista este tipo disparidades, nomeadamente o assinalar de dias específicos.

Cipreste

segunda-feira, 7 de março de 2016

But I believe in love

Não é para deprimir ninguém :) é só porque sim, chamemos-lhe "banda sonora para este fim de tarde".

a nova era

O que mais marca isto de se viver numa nova era é a ambivalência de cada momento. Niemeyer esteve muito bem quando disse que a vida é rir e chorar a vida inteira. Já sabíamos?  Pois já, mas ele é que o disse dessa forma bela e simples (haverá forma de se dizer belo sem ser simples?).
Repito isto tantas vezes, com este ritmo de respiração, por vezes arrogando-me na linguagem da Maria Gabriela Llansol:

a vida___________ é
rir
e chorar
a vida inteira______________________

Tenho andado muito atarefada com o luto do meu pai porque me tem doído muito. Tanto. Mas tanto que às vezes parece que, mais do que as pálpebras de chorar (que não choro), são as mãos que me doem.

Há dias, disse à minha psicóloga que me sinto nesta nova era como quem acabou de fazer uma mudança de casa.

Vejo-me sentada no chão de uma sala com os livros todos desempacotados (já estão desempacotados, ao menos isso). Estou sentada no meio dos livros, em pilhas maiores ou menores, no chão. Estou naquele momento em que olho à volta e ainda não percebi como os vou dispôr, como os vou dividir. Aliás, há alguns livros que já nem me lembrava de ter, ou talvez que até nunca tenha aberto. Está aqui tudo, só não foi tudo usado e agora tem de ser minimamente organizado.

Consegui perceber já uma coisa que me faz compreender muito bem o estado de constante inconformidade da minha mãe. A partir de agora, grande parte (senão todos?) dos momentos de felicidade serão acompanhados de tristeza.
Senti-o há bocado. Arrumei esta ideia à hora de almoço ao ver o Chaparrito tão feliz a dar uma volta naqueles comboios de moedinha, feliz por ter ido excepcionalmente almoçar com os pais ao centro comercial, ainda por cima num dia de aulas. Senti alegria pela alegria do meu filho, senti tristeza imensa por não ter cá o meu pai para vivermos esta alegria todos juntos.


Como é possível que se tenha perdido esta pessoa? A minha mãe tem razão quando resiste. Eu compreendo-a. E não vivi 50 anos com ele.


Hoje, os meus pensamentos estão mais com a minha mãe do que com ele. Deve ser isto aquela coisa do cuidar dos vivos.
Vou ligar à minha mãe. De novo, já nos falámos hoje.













Boa tarde a todos, desejos de boa semana,
Cipreste

sábado, 5 de março de 2016

para fazer depois de tomar café

Como é que, movendo apenas um palito, se obtém a soma de quatro?
A bem dizer da verdade, o post donde tirei o quebra-cabeças refere "movendo dois palitos" mas eu considero que é só um ;)

desafio via Palmier Encoberto


Bom dia,
Cipreste

sexta-feira, 4 de março de 2016

a ridícula ideia disso

Por altura do falecimento do meu pai, saiu em Portugal o livro A Rídicula Ideia de Não Voltar a Ver-te de Rosa Montero. Já tinha lido artigos dela mas nunca tinha lido um livro. Tinha-a ouvido uma vez no Correntes de Escritas (não, não sou uma fã-arranca-cabelos, fui lá duas vezes, gostei e bastou-me) e gostei muito dela, do seu olhar, da sua doçura, da sua inteligência. Fiquei com a nota mental para a ler. Foi o primeiro livro que li sem o meu pai. (todos fazemos exercícios das primeiras vezes)

Fiquei boquiaberta quando vi o livro, quando li o seu título.
Obrigou-me a lê-lo porque, de facto, a ideia de não voltar a ver o meu pai é das coisas mais ridículas da minha existência.

Gostei bastante, acresce o que aprendi sobre Madame Curie e a certeza de ser uma feminista. Eu até podia ter-me sentido defraudada pelo miolo do livro o que não interessaria para nada. Bastava ter comprado um livro em branco com a capa deste (foto incluída, que é muito boa) e sentir-me-ia uma cliente satisfeita. O título vale o preço do livro. O título serviu-me para horas de solidão neste enigma que é o presente sem o meu pai, a ideia de futuro sem o meu pai. O título vale que o livro seja levado para o café e que fiquemos ali a mirá-lo como quem está a ler a sua vida para trás por causa da tal ideia ridícula. 

O título vale-me pela ideia de prisão perpétua num instante, que não conseguimos definir no tempo, quando nos encontramos de luto. E eu acho que estamos de luto para sempre quando alguém que nos é querido parte, porque também é para sempre. E não, não falo do período de nojo que consta nos dicionários. E não, não estou a falar das fases do luto, nem de Kubler-Ross nem de outros. Embora fale de um momento, de um instante, refiro-o como algo contínuo e ininterrupto, porque se trata de “Não Voltar a Ver-te” da “Rídicula Ideia” disso. E isso nunca há-de passar. A menos que nos voltemos a ver.

Ali estamos e repetimos em voz baixa “A Rídicula Ideia de Não Voltar a Ver-te”, a ver se somos apanhados por alguém que nos pergunte “o que disseste?”. E nós respondemos “nada, nada” e voltamos a repetir “A Rídicula Ideia de Não Voltar a Ver-te”. O meu cérebro costuma fazer umas ligações que nem sempre consigo explicar, por exemplo, ilustro mentalmente este momento com a memória desta cena do enorme filme Big Fish:



Mas eu não vinha cá falar deste livro, vinha falar daquele que estou a ler agora: O Ano do Pensamento Mágico de Joan Didion.

Bru-tal. 

Às vezes, dá-me vontade de dizer palavrões, outras vezes, obriga-me a gargalhadas. A sério, há dias estava num café com a Magnólia, ela estudava e eu lia, e dei uma gargalhada que cortou ali o ar de forma um pouco inusitada. Uns segundos depois estava com os olhos marejados de lágrimas.

Não vou fazer de spoiler, achei apenas que era minha obrigação vir fazer a recomendação do livro. Foi-me aconselhado por uma amiga que perdeu o pai um ano antes de eu ter perdido o meu. A autora não me era desconhecida, mas também nunca a tinha lido. Não encontrei uma edição em Portugal, pelo que o mandei vir pelo Book Depository, em inglês. 

Bastou-me esta citação dela, encontrada na internet quando a pesquisei, para me convencer de que nos iríamos dar bem: I write entirely to find out what I'm thinking, what I'm looking at, what I see and what it means. What I want and what I fear.

Tenho andado a tentar solucionar esta coisa de “fazer o luto” versus “A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te” e ler este livro está a ajudar-me a sentir muito acompanhada na forma de pensar (consequentemente de sentir) este sofrimento. É que, reparem, faz-me todo, todo o sentido seguir o raciocínio do pensamento mágico aliado à ridícula ideia de não voltar a ver os nossos entes queridos.

Só assim consigo começar a dar uma imagem ao meu luto.

Porque nós, os em luto, damos uma imagem ao nosso luto, não damos?
Se não. Então, como fazem? Eu faço isso, dou imagens às coisas, construo maquetes mentais. Às vezes, construo mesmo maquetes verdadeiras, chamo-lhes instalações e às vezes chego mesmo a mostrá-las publicamente.

Colocadas as coisas assim, talvez possa assumir que torno públicas as minhas dores. 

Faz tudo parte do tornar o nosso snetimento em algo concreto. Tocar no que se torna fisicamente simbólico do nosso sentir. Como a Joan Didion diz na citação acima, mas nas várias materializações, para além da escrita, ou, juntamente com a escrita - para perceber o que estou a pensar, para onde estou a olhar, o que estou a ver e o que significa. O que desejo e o que receio.

Chego sempre à conclusão de que é melhor se falarmos das coisas. Mostrar é como falar.

Não é o vício de escarafunchar, de buscar sangue numa ferida em quase total cicatrização. Não é nada disso. Uma ferida em cicatrização é outra coisa. Isto do luto é toda uma outra dimensão, para lá das feridas. Mesmo quando sobram feridas do passado às pessoas em luto.

Se ninguém fala disto anda para aí tudo a pensar que está maluco e, afinal, só estamos mas é todos a fazer essa coisa esquisita a que se dá o nome de processo. O que me encanita um bocado quando chego a esta ideia de processo é a necessidade de o compartimentar em fases e dar-lhes nomes definitivos. Digo eu, que não sou psi e não preciso dessas ferramentas, ou porque simplesmente não me consigo encaixar nas teorias que conheço (também não conheço assim tantas). 



Voltando ao livro, a citação que o marca e que está impressa a letras douradas na edição que tenho é esta: Life changes fast. Life changes in the instant. You sit down to dinner and life as you know it ends.

Parece banal, não é? Hahaha. Deixem-me rir. Not.

O pai da minha amiga teve morte súbita, de manhã foi às compras, à tarde faleceu. O meu pai teve um percurso de 14 anos de doença oncológica, com 4 tumores primários (um case study), sobreviveu a uma série de coisas contra todas as probabilidades e, mesmo assim, a morte dele aconteceu num instante. Porque agora estamos e no momento seguinte não estamos. Com 14 anos de preparação ou sem qualquer preparação. Mesmo que sejam processos diferentes, a partida, aquele instante é que marca a passagem da era sem ideias ridículas para a era com ideias ridículas.

Joan Didion, na minha interpretação, não se deixa ficar pelos factos óbvios. Volta a todos os lugares necessários. E é aqui que me sinto tão acompanhada por ela. Não se trata apenas de revisitar memórias nem tão-pouco de ficar preso no exercício “o que é que eu poderia ter feito melhor”. Trata-se de reformular todo o nosso pensamento dentro da ideia ridícula de não voltar a ver aquela pessoa. 

Por vezes, tenho vontade de fazer uma birra. Bater com os pés e dizer que não, que não é possível que  nunca mais veja o meu pai. Mas isto passa-me num instante. Ou, estou convencida de que passa e, afinal, este parlapiê todo não é senão prova disso ;)

Quando digo baixinho “A Rídicula Ideia de Não Voltar a Ver-te” estou apenas à espera da minha resposta, da minha submissão à ideia. Hoje ainda não é o dia. Ainda tenho de caminhar muito. Talvez para sempre.

Não sei se fiz algum sentido, a Joan Didion também escreve: “These people who have lost someone look naked because they think themselves invisible.” 


Deixo-vos com este excerto:

“Grief turns out to be a place none of us know until we reach it. We anticipate (we know) that someone close to us could die, but we do not look beyond the few days or weeks that immediately follow such an imagined death. We misconstrue the nature of even those few days or weeks. We might expect if the death is sudden to feel shock. We do not expect the shock to be obliterative, dislocating to both body and mind. We might expect that we will be prostrate, inconsolable, crazy with loss. We do not expect to be literally crazy, cool customers who believe that their husband is about to return and need his shoes. In the version of grief we imagine, the model will be "healing." A certain forward movement will prevail. The worst days will be the earliest days. We imagine that the moment to most severely test us will be the funeral, after which this hypothetical healing will take place. When we anticipate the funeral we wonder about failing to "get through it," rise to the occasion, exhibit the "strength" that invariably gets mentioned as the correct response to death. We anticipate needing to steel ourselves the for the moment: will I be able to greet people, will I be able to leave the scene, will I be able even to get dressed that day? We have no way of knowing that this will not be the issue. We have no way of knowing that the funeral itself will be anodyne, a kind of narcotic regression in which we are wrapped in the care of others and the gravity and meaning of the occasion. Nor can we know ahead of the fact (and here lies the heart of the difference between grief was we imagine it and grief as it is) the unending absence that follows, the void, the very opposite of meaning, the relentless succession of moments during which we will confront the experience of meaninglessness itself.” 

Uma vez mais, desculpem lá qualquer coisinha pelo tema mais sorumbático, mas temos de falar de tudo.

Até já,
Cipreste

quinta-feira, 3 de março de 2016

o melhor sítio do mundo com as melhores pessoas do mundo

As madrugadas, oh as madrugadas. Agora, deito-me ansiando pelas madrugadas.
Os meninos entraram num ritmo em que vêm ter à nossa cama de madrugada. Depois dos pesadelos de Janeiro, tornou-se apenas e simplesmente na nossa rotina. Não é por nada, é porque acordaram e, os bebés, bem se sabe, quando acordam de madrugada é para irem para a cama dos pais. O emaranhado de cabelos e pés e pernas e bracitos (oh, os bracitos) e beijos ensonados que acontecem ali pelo meio são a coisa mais tremendamente ternurenta do mundo.
Sonhei tantos anos com isto. Sonhei tanto com isto. E é verdade, é bom, é tão bom.

E temos noção de que há que aproveitar o momento.
Eu sei que é horrível o que vou dizer, mas sinto tanto a efemeridade destes dias. Talvez tenha sido o desencanto provocado pelos anos a sonhar sem alcançar, ou os 13 cm (e meio) que me tenham provocado esta consciência de que este momento vai passar depressa. Que não há-de ser em muito tempo que já não apareçam no nosso quarto.

Sou assim, penso coisas destas, assim. Valha-me este ímpeto para viver e aproveitar o momento.
Tenho um álbum cheio de fotografias dos meus filhos a dormir. Adoro vê-los dormir, todas as noites vou espreitá-los, muitas dessas noites não resisto a registá-los. 

Às vezes, penso se não deveríamos fazer uma coisa destas. Para aproveitar melhor.

family bed
Fico a sonhar. Vou espreitá-los. 
Talvez tirar uma fotografia. Ansiar pela madrugada.
Para ficar suspensa no momento, no melhor sítio do mundo com as melhores pessoas do mundo.

Boa noite a todos,
Cipreste

quarta-feira, 2 de março de 2016

Só mais uma coisinha

Sobre a adopção por casais do mesmo sexo.

Fujo do encaixe dos casais do mesmo sexo como sendo aqueles que serão a tábua de salvação para as crianças que estão no espectro das não desejadas pelos outros candidatos. Esta ideia é feia, injusta e preniciosa tanto para os casais do mesmo sexo quanto para as crianças.

Atenção que, quando digo que se não sou a favor da institucionalização das crianças havendo quem que as queria adoptar, amar e criar, então sou a favor da adopção por casais do mesmo sexo, não estou a resumir a minha visão, nem o leque de crianças a que se possam propor, do direito dos casais à adopção daqueles que mais ninguém quis (dói só de escrever, imagino que doa de ler, mas é ou não é a verdade? Porra.). É apenas um exercício no ponto de partida para a reflexão no assunto.

Acredito não só que esses casais têm o mesmo direito de acesso que eu como também acredito no seu direito a desejar, por exemplo, um bebé.

Espero que agora não se banalize esta imagem de que os casais do mesmo sexo são aqueles que vêm para adoptar os que mais ninguém quer.
Bom, se acontecesse seria uma bela lição para todos os normodependentes, isso era.

O que quero dizer é que não vejo esta conquista dos direitos dos casais do mesmo sexo para além do interesse superior da criança, vejo-a como um interesse superior do amor, isso sim.

A conquista da adopção por casais do mesmo sexo deve ser vista à mesma luz da adopção com quaisquer outros candidatos, de todas as perspectivas - direitos e deveres, claro.

Agora cito-me doutro texto :P
(eu sei, citar-se a si próprio é uma espécie de prática de presunção e água benta)



Digo eu, que às vezes me sinto parte duma minoria na forma como encaro a adopção.
É preciso assumir que isto trata de ideias de supremacia e, em nenhuma situação, deixar que a supremacia dos direitos individuais se sobreponha à supremacia do direito da criança.

Alguém se junta em coro comigo?

Bom dia,
Cipreste

terça-feira, 1 de março de 2016

welcome willkommen bienvenue bienvenido bem-vindo


Escrever o post de ontem e responder agora a um comentário fizeram-me reparar que, de facto, eu que tomo tantas posições, ainda não tinha tomado esta: Bem-vindos, novos candidatos à adopção em Portugal!

Eu acredito nisto: O que faz uma família é o amor.

Finalmente, Portugal juntou-se ao rol de países que permitem a adopção por parte de casais formados por pessoas do mesmo sexo. Ufa. Finalmente, deixou-se de confundir a orientação sexual com a capacidade de parentalidade. Que bom. 

Já o tenho dito várias vezes, gosto de viver neste tempo. Para lá de todas as barbáries que nos sejam contemporâneas e novas face ao passado, vivemos tempos de maior abertura para compreender, respeitar e aceitar a diversidade. Ufa.

Há 10 anos, eu tentava ter uma conversa com alguém sobre a possibilidade de casais formados por pessoas do mesmo sexo poderem adoptar e era quase linchada. Só podia ter esta conversa em meios muito restritos. Hoje, já o podem fazer legalmente. Caramba, isto é uma coisa boa.

Estou feliz e dou as boas vindas aos casais formados por pessoas do mesmo sexo que eventualmente venham aqui parar para conversar sobre adopção. 
Nunca foi nosso objectivo especificar, nem afunilar, o tipo de adopção de que se fala aqui e gostamos e queremos falar com todos. 

Este mundo é muito grande  e tem imensas particularidades, mas essas não devem ser motivo para nos separarmos por grupinhos, antes devemos unir-nos - pais em casal do mesmo sexo, pais em casal de sexos diferentes, pais em adopção individual, pais através da adopção internacional, pais através da adopção na área das necessidades especiais, padrinhos civis, famílias de acolhimento, etc. 

Todos, antes de mais, devemos unir-nos para melhor compreendermos e sabermos como estar na adopção que, por si só, é já bastante difícil, não precisamos de cisões e pseudo-polémicas ;)

Estou curiosa por verificar as adoaptações das equipas para tal, nomeadamente para o aumento do fluxo que imagino que vá acontecer no número de candidaturas. Espero bem que esta alteração à lei venha a ser acompanhada do devido equipamento das equipas, nomeadamente em recursos humanos.


Uma vez mais, welcome willkommen bienvenue bienvenidos bem-vindos  :) falem connosco.

Cipreste

A Vida Breve

Estou no carro com o Chaparrito à espera que a Magnólia saia da escola. São 17.50. Ouvimos rádio, como sempre. Antena 2, como quase sempre. 
O Chaparrito pergunta-me - são quase horas do teu programa, não são, mamã?
- Que programa, filho? - pergunto, espantada, para me certificar 
- Aquele da poesia
- Foi há uma hora, filho - respondo, pensando Oh, coisa mais boa da sua mamã.

Refere-se ao A Vida Breve que passa pelas 16.50.

Estas coisas dos miúdos. Estas atenções às pequenas coisas provocam-me um contentamento, uma excitação que foi muito bem explicada pelo meu pai. Quando as minhas sobrinhas se saíam com coisas deste género, ele olhava para nós com um ar simultaneamente derretido e indefeso e dizia “dá vontade de uma pessoa se atirar para o chão”. É isso. 

O meu coisa-mais-boa não foi ensinado verbalmente deste facto da mãe parar quase todos os dias por  volta dessa hora para ouvir os poetas a dizer a sua poesia. Provavelmente, já aconteceu pedir-lhe para se calar porque queria ouvir aqueles minutos que passam tão depressa, mas não tenho ideia de falar do programa.

Observou-me.
O meu filho observou-me.


Chamem-me novata nesta coisa de ser mãe, mas eu sou uma eterna espantada e estas coisas deixam-me pasmada. Não, eu não acho que o meu filho seja estúpido que não conseguisse aperceber-se de um pormenor destes, nem acho que seja preciso um génio para o fazer. Foi a forma como o verbalizou, o tom, o carinho, o reconhecimento de "uma coisa da mãe".

O meu filho observou-me em silêncio e eu acho isso absolutamente extraordinário.

Deixo-vos com a maravilhosa peça que faz o genérico deste programa perfeito em tudo menos na duração.
Bom dia,
Cipreste


segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Temas fracturantes: onde a porca torce o rabo

(e o gosto de conversar, pelo que o post é muito longo e provavelmente inútil o tempo gasto a lê-lo)

Não foi há muitos anos que encontrei uma forma instantânea para me solucionar dúvidas nos temas fracturantes da sociedade.

Despenalização do aborto. Adopção por casais do mesmo sexo. Doação de gâmetas e o direito da pessoa a saber a verdade sobre a sua origem genética. Eutanásia. O cartaz do Bloco de Esquerda. Etc.

Estes assuntos são tão complexos que devemos sempre desconfiar de soluções instantâneas. Não usei a expressão acima para depois me contradizer como um truque de escrita para atrair a atenção de quem lê. A contradição está lá, ela existe. É verdade que, em determinados assuntos, uso da fórmula instantânea.

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Antes de avançar, gostaria de sublinhar três coisas:

- Não aceito a realização de referendos para a legislação de direitos individuais

- Acho que se deve dar lugar à discussão pública pelas entidades competentes e que esta, aliás, deve ser renovada amiúde e não apenas para o momento legislativo

- Acho que concordamos todos que estes temas são complexos. O facto de termos opinião sobre eles não quer dizer que os tratemos de forma leviana. Lamento que alguém encete uma discussão e que a arrume para canto confundindo o desejo de não continuar a discussão com a conclusão típica da complexidade do assunto e da sua privacidade.
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As sociedades tendem à mudança. Aquilo em que se acreditava e que se advogava há 100 anos é muito diferente dos dias de hoje. Aliás, não precisamos de ir tão longe, o nosso país é um bom exemplo com o antes e o após a ditadura. E não esqueçamos que estou a falar do mundo ocidental com todas as diferenças dentro do mesmo (por exemplo, a pena de morte que ainda é muito real em tantos países do ocidente) e que existem fenómenos para nós arcaicos que são prática corrente em tantos outros países do “resto do mundo”. (só para registo: detesto esta distinção entre “ocidental” e “resto do mundo” mas não tenho agora tempo para ser menos “estereotipante”)


Quando uso as expressões “acreditava” e “advogava” estou a fazê-lo para distinguir aquilo que cada pessoa acredita para si daquilo que fica legislado. Isto é importante.


Ao afirmar acima que não foi há muitos anos que encontrei a forma instantânea de me solucionar nos temas fracturantes da sociedade o que quero dizer é que, tenho reparado que a chave para uma “solução” mais imediata para estas dúvidas está no lugar da discussão em que uma parte das pessoas recua.
Vou tentar explicar-me com exemplos.


Despenalização do aborto

Eu acho que somos todos contra o aborto e pró-vida. Aliás, acho a utilização da designação pró-vida por parte dos grupos contra a despenalização uma apropriação indevida do termo.

 A questão que se coloca não é se a pessoa é a favor do aborto, a questão que se coloca é a da sua despenalização e consequente abertura de condições para que seja realizado condignamente. Podia explorar agora o facto de que o aborto existe desde sempre etc., etc., mas não é aí que quero ir, eu quero ir à “solução instantânea”.
Eu acho que as pessoas se enredam nos milhentos argumentos emocionais e esquecem-se de se questionar sobre o significado de cada lado do tema.

Repare-se: se sou contra a despenalização do aborto isso quer dizer que sou a favor da sua penalização. Portanto, penso que a mulher que cometer aborto deverá ser penalizada legalmente (Coima? Prisão?) e, consequentemente, sou contra haver condições de saúde pública para que o façam em segurança. Não resolvo o fenómeno da existência do aborto na minha sociedade nem resolvo a consciência daqueles que praticam ou irão praticar o aborto. A única coisa que faço é permitir que se continue a fazer abortos em condições degradantes (mais toda a economia paralela do aborto) e que essas pessoas sejam punidas legalmente.

Afinal, o que houve de instantâneo aqui? O seguinte raciocínio: se sou contra a despenalização do aborto > sou a favor da sua penalização  > penso que a mulher que cometer aborto deverá ser penalizada legalmente (Coima? Prisão?) > e sou contra haver condições de saúde pública para que o façam em segurança.

É bem certo que o exercício, para ser intelectualmente honesto, deverá ser feito no sentido inverso. Vejamos o que me acontece: se penso que a mulher que cometer aborto não deverá ser penalizada legalmente  e se, reconhecendo que o aborto existe, sou a favor de haver condições de saúde pública para que o façam em segurança  > sou a favor da despenalização do aborto > sou a favor da sua legalização.

Agora questionam-me se a liberalização (sim, acabei de comparar despenalização com liberalização) não trará a sua vulgarização. O que traz a liberalização do aborto são outros quinhentos e os resultados estão à vista, lá está, com as sociedades ocidentais a tenderem todas para a liberalização. Bem, ninguém disse que o tema é simples, pelo contrário, assumi logo a sua complexidade. Não tenho respostas para tudo (ainda bem, senão era apenas uma idiota que pensava ter respostas para tudo). Sou apenas uma parva que pensa muitas coisas e que acaba a escrever sobre elas. E sei apenas que prefiro a segunda equação à primeira. Não desejo que ninguém vá para a prisão por ter feito um aborto e muito menos que morra por o ter feito fora das condições clínicas necessárias para o fazer.
Quando discuto isto com alguém que seja contra a despenalização, este é o momento em que a pessoa vai embora ou põe um ponto final no assunto. Até hoje, não conversei directamente com uma pessoa que me assumisse que sendo contra a despenalização do aborto > logo, é a favor da sua penalização  > e que portanto pensa que a mulher que cometer aborto deverá ser penalizada legalmente (Coima? Prisão?) > e que é contra haver condições de saúde pública para que o façam em segurança.


Adopção por casais do mesmo sexo

Eu acho que estamos todos de acordo que crescer numa instituição não é melhor do que crescer numa família com amor. A questão que se coloca para lá dos direitos das pessoas homossexuais é esta. É do interesse da criança que falamos e não dos adultos, um interesse superior, portanto.

Repare-se: se sou contra a adopção por casais do mesmo sexo isso quer dizer que sou a favor que as crianças continuem institucionalizadas ao invés de serem adoptadas. Portanto, penso que a criança está melhor numa instituição do que no seio de uma família devido à orientação sexual dos pais (ou mães). Uso, por exemplo, a velha deixa da possibilidade da criança ficar traumatizada por ser gozada na escola por ter dois pais (ou duas mães). Imaginemos a cena: a criança adoptada por pais do mesmo sexo é gozada por causa disso e vai para casa, chora, os pais conversam com ela, acarinham-na e ensinam-lhe que o mundo é mesmo assim - injusto e reactivo a tudo o que é diferente de si, à noite, são estes pais que aconchegam esta criança; a criança institucionalizada também anda na escola, é gozada porque é institucionalizada/gorda/magra/clara/escura/inteligente/o-que-desejarem e vai para “casa”, chora, com sorte (muita) uma das funcionárias tem 5 minutos para falar consigo, com sorte essa funcionária acarinha-a e diz-lhe que o mundo é mesmo assim - injusto e reactivo a tudo o que é diferente de si, à noite, não é esta funcionária que aconchega e acarinha esta criança porque já acabou o seu turno. Faz todo o sentido proteger as crianças de serem gozadas, sim senhor. Prefiro, portanto, que a criança cresça sem o amor e a protecção de dois pais (ou duas mães) convencida de que a estou a proteger de vir a ser gozada.

O que traz a adopção por casais do mesmo sexo não me preocupa porque sempre houve crianças a serem criadas por casais do mesmo sexo.

Afinal, o que houve de instantâneo aqui? O raciocínio: se sou contra a adopção por casais do mesmo sexo > sou a favor da institucionalização das crianças mesmo que haja um casal que a queria adoptar.

É bem certo que o exercício, para ser intelectualmente honesto, deverá ser feito no sentido inverso. Vejamos o que me acontece: se não sou a favor da institucionalização das crianças havendo quem que as queria adoptar, amar e criar > sou a favor da adopção por casais do mesmo sexo.

Bem sei que acima ilustrei de forma aparentemente leve as preocupações que as pessoas “contra” têm, desde o trauma à leitura bíblica apelidada errada e convenientemente de biologia. Mas estou antes a falar do imediato família-instituição. Agora questionam-me sobre a passagem de casais do mesmo sexo à frente de casais de sexos diferentes nas listas para a adopção. Bom, o problema é o mesmo que o das adopções individuais. Uma vez mais, ninguém disse que o tema é simples, pelo contrário blábláblá. Seja como for, prefiro a segunda equação à primeira. Não desejo que nenhuma criança cresça numa instituição se houver quem a deseje e saiba amá-la.

Quando discuto isto com alguém que seja contra a adopção por casais do mesmo sexo, este é o momento em que a pessoa vai embora ou põe um ponto final no assunto. Até hoje, não conversei directamente com uma pessoa que me assumisse que se é contra a adopção por casais do mesmo sexo > está a ser a favor da institucionalização das crianças mesmo que haja um casal que a queria adoptar.


Doação de gâmetas e o direito da pessoa a saber a verdade sobre a sua origem genética

Eu acho que estamos todos de acordo que temos direito a saber tudo o que envolve a nossa existência. Acho.

Compreendo e sou a favor da procriação medicamente assistida através da doação de gâmetas e admiro muito as pessoas que a ela recorrem. Mas não lhes reconheço o direito de decidir ocultar esse facto à pessoa que nasce de tal processo.

Imaginemos a cena: a decisão de “contar ou não contar” cabe aos pais, os pais não contam, um dia o filho acaba por saber e agora? Não se iludam, muito provavelmente qualquer dia há testes genéticos na farmácia e esse filho que um dia foi só um bebé, cresce e forma opiniões, nomeadamente sobre a sua vida, mas a situação descrita não o contempla como senhor da sua verdade.

Afinal, o que houve de instantâneo aqui? O raciocínio: sou a favor de que a decisão de “contar ou não contar” cabe aos pais > sou a favor de esconder a verdade à pessoa (o bebé cresce, um dia há-de ser um adulto como os pais o foram na hora da decisão de ocultar) sobre a sua história > sou a favor de que tenho mais direito à história de vida do meu filho do que ele > sou a favor de que tenho mais direitos do que o meu filho.
Hum?! Pois. E sou grata a quem me venha mostrar onde estou errada no raciocínio.

É bem certo que o exercício, para ser intelectualmente honesto, deverá ser feito no sentido inverso. Vejamos o que me acontece: se sou a favor de que o meu filho tem tantos direitos individuais como eu > se sou a favor de que tenho tanto (ou menos) direito à história de vida do meu filho do que ele > sou a favor de ter de dizer a verdade à pessoa sobre a sua história >  sou a favor de que a decisão de “contar ou não contar” não cabe aos pais.

A situação é difícil e acredito que a gestão do “contar” não seja fácil de fazer. Quando? Com que idade? E depois? Com que preço? Etc. Mas não é este facto que deverá tolher o tema, uma vez mais, são questões que ficam em segundo plano. Questões muito pertinentes, é certo, mas não estão no primeiro plano de interesse. Pois, aqui, o que se discute é o direito à verdade.


Eutanásia

Eu acho que todos temos o direito de decidir como desejamos levar a nossa vida, uma vez que não implique maleficência a outros.

Compreendo e sou a favor da medicina procurar prolongar a vida, nomeadamente da evolução dos cuidados continuados e especificamente no controlo da dor. Compreendo que a avaliação de cada caso é uma tarefa muito completa e que exige muita competência e parcimónia por parte dos envolvidos. Não sou a favor de manter as pessoas vivas contra a sua própria vontade, nomeadamente situações de introdução forçada de sondas nasogástricas, por exemplo. Acredito na morte assistida, acredito que a pessoa que deixe de ter condições físicas para terminar a sua vida possa ainda ter algum recurso para o fazer. Mas escapa-me tudo o resto, não consigo avançar e também me escapa completamente a forma como isto tudo deve e possa ser feito. É para mim, dentre os temas fracturantes, dos mais complexos.

Continuando no meu registo de pensante simplória, acho que o facto de haver possibilidade legal de alguém acabar com a vida de outrem extravasa os temas que referi acima. Acabar com a vida de uma pessoa não é, para mim, o mesmo que acabar com a vida de um feto, por exemplo.

Não consigo fazer aqui um raciocínio instantâneo. Fico sossegadita no meu canto, apanho uma opinião aqui, outra ali e leio, mas não me consigo solucionar além do “eu acho que a pessoa tem direito e deveria ter forma de obter ajuda”. Apesar disso, não consigo tecer mais considerações e, no mínimo, magoa-me e assusta-me a hipótese de tal tema vir a ser alvo de consulta popular.


O cartaz do Bloco de Esquerda

Ná, não estou nem aí, foi só uma provocaçãozinha :)



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Na verdade, este texto surgiu num momento em que me senti um pouco frustrada com a fuga que se costuma ver neste tipo de discussões. Uso muitas vezes este tipo de raciocínio, da solução instantânea como lhe resolvi chamar hoje e acho que acabo por ser interpretada como querendo argumentar até à evangelização do outro. Talvez as pessoas pensem que estou a ser leviana ao querer ir por partes. Talvez seja apenas uma impressão errada, ou talvez sejam complexos por ser tão faladora e cheia de opiniões.

Fui opiniativa desde muito pequenina. Em 1999, num reencontro após 18 anos, um amigo de infância, cerca de 7 ou 8  anos mais velho do que eu, numa conversa à volta de um belo almoço diz “Ah, mas a Cipreste tinha 4 anos e já era muito cheia de opiniões”. Ele disse isto com graça, sem qualquer tom de censura. Lembro-me de ter uma daquelas sensações de que tudo parou naquele momento. Afinal, eu sempre fora assim. Ele usou a expressão em inglês “opinionated”. Caramba, nunca tinha pensado nisto. Quer dizer, era evidente para mim que sempre fui muito conversadora e curiosa, formando opiniões sobre os mais variados assuntos, mas não tinha consciência de o ser desde sempre, de ser parte da minha essência.

Se não estivermos de bem com as nossas opiniões e respectivas dúvidas, se não estivermos conscientes de que estas são dinâmicas, pode ser difícil ser-se assim. Há uma facção da sociedade que trata os opinionated como uns chatos, com exclamações de género “lá vens tu com as tuas opiniões”. É verdade que as pessoas com o meu perfil, se não tiverem muito jeito para a diplomacia, podem ser conotadas como tal. Ora, não lamento e não peço desculpa por pensar e construir ideias e, o escândalo, querer discuti-las. Lamento, no entanto, quando as pessoas saem de fininho, tenho pena e claro que tento rever se foi a minha postura e não o assunto em si.

Um dos únicos confortos que encontro nestas reflexões e discussões é que as minhas ficam-se só por aí. Não faço parte de qualquer grupo legislador porque isto tudo vai muito além dos raciocínios instantâneos e é a partir daí que a porca torce o rabo e eu fico aflita só de imaginar que são pessoas como eu que podem vir a definir o caminho a tomar nestes temas, se consultados através de referendo.
E fico confusa muitas vezes pois grande parte dessas mesmas pessoas que preferem chutar para o canto a discussão de determinado tema são as que não se incomodam que o tema seja referendado. É estranho, não é? Ou então é só impressão minha.


Olá, o fim-de-semana foi bom?
Cipreste

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Magnólia

Os almoços de semana com a Magnólia. Mais uma coisa de calibre “coisa mais boa da mãe”.
A redução horária que fiz, permitindo-me almoçar 4 dias por semana com os meus filhos, foi dos melhores investimentos que já fiz na vida. Sim, porque isto também trata de euros. Foi uma decisão muito reflectida e quase adiada. Mas vemos os frutos a olhos nus e o pormenor dos almoços é dos melhores, mais proveitosos e deliciosos. Lamento apenas que seja à custa da abnegação por parte do Chaparro pai. Um dia almoçamos os três, eu, a Magnólia e o Chaparrito, outro só eu e o Chaparrito e dois só eu e a Magnólia. Isto permite diferentes variações de contacto e confidência. Para ser perfeito, faltava fazer variações com o papá.
É durante os almoços da semana, de um para um, ou entre os três, que se conversam e analisam muitas coisas da convivência com os outros. Eles ainda vêm com os eventos da manhã muito frescos. Ele, porque a MB já não quer namorar com ele ou porque, uma vez mais, o M é que fez as equipas para o futebol e não o escolheu para a sua. Ela, porque, benza-a-deus, sai à mãe e chega indignada com uma série de injustiças entre os garotos. Imagino-a tipo barata tonta a andar de um lado para o outro a procurar sanar discórdias.
Tenho de ser justa e admitir que a Magnólia não é como a mãe, a Magnólia é muito melhor pessoa do que eu. Pela idade dela, eu não era má, nunca fui e sofria quando via injustiças, mas era mesquinhita, não tinha o mesmo poder de encaixe e, embora já me questionasse, não sei se tinha a coragem de me pôr em causa e ela tem. Bem-dita a minha amiga K que sempre me ajudou a mudar de perspectiva para procurar olhar as coisas de novas formas. Ainda esta semana falei disso com a Magnólia, de como afinei a minha forma de estar com os outros, em coisas em que ela é já tão eficaz, na idade adulta. E como isso me trouxe dissabores que desejava ter evitado.
A magnólia vai-me descrevendo cada uma das pessoas com quem convive, e a sua turma em particular. Parecem saídos de um filme estereotipado sobre o liceu (com as devidas adaptações à sua faixa etária). Tem lá a malta toda, desde a menina popular ao garoto ignorado por todos.
A Magnólia anda especificamente incomodada com um comportamento (ou vários) da menina popular da turma. Nós não lhe chamamos “menina popular” nem usamos qualquer outro apelido que não seja o seu nome próprio. Na segunda semana de aulas, a Magnólia falava de algo à mesa e disse “a F é mesmo uma convencida”. Confrontei-a, convidei-a a pensar em voz alta connosco sobre o que acabara de dizer, perguntei-lhe o que é isso de ser convencida, se não temos todos uma parte que está, de facto, convencida de algo, se isso não é legítimo e se a utilização desse apelido viera dela ou estaria a replicar algo que ouvira. Falámos em cuidar a nossa linguagem, no poder e no impacto que pode ter. Perguntámos se já conhecia assim tão bem a menina que pudesse concluir tal coisa sobre ela. Também falámos sobre a forma como nos apresentamos aos outros, particularmente em situações como o início de uma no escolar junto a pessoas que não conhecíamos, e em atitudes de protecção, de defesa, que podem não ser as melhores nem as mais eficazes mas que podem, muitas vezes, demonstrar o contrário do que se apresenta. Por exemplo, alguém que se apresenta muito “convencida” pode estar, afinal, receosa, pouco confiante e usa esse papel porque é a forma que encontrou para se proteger e defender. Finalmente, alertámo-la para o facto de que estava a abrir espaço a uma antipatia por uma pessoa que desconhecia e com quem poderá partilhar a mesma turma nos próximos 8 anos. Ufa! A Magnólia tem arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação. No espaço de uma semana já falava da F com amizade. Até hoje.
A F é das melhores alunas da turma, senão a melhor. É gira. Tem o cabelo até aos tornozelos rabo. Tem roupas giras. Sabe ser simpática e parece ter um sentido de humor muito apurado. E a Magnólia sabe viver com isso. Porque ela sabe que é bonita e divertida e também veste muito bem e também é inteligente e sabe que o uso de “também” tem a ver com a dimensão de sermos tantos que se torna absurdo haver qualquer tipo de competição entre nós. Se a F trouxe uma camisola bonita, a Magnólia aprendeu que lhe é legítimo gostar da camisola e verbalizá-lo, sabe que isso não significa inveja nem significa que desejaria ser a F. A Magnólia sabe que se verbalizar “oh, que linda a tua camisola, adorava ter uma assim!” vai dissipar a sensação de que o gostar da camisola poderia significar que queria ser a F. Não, significa apenas que o mundo é imenso e que há lugar para todos nós e que não podemos possuir todas as camisolas do mundo, embora nos seja legítimo apreciá-las e até desejá-las (às vezes, até, acabamos a possuir algumas). Ufa, outra vez! A Magnólia tem arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação.
Agora anda preocupada com ela, com a F. porque a F é simultaneamente simpática e muito divertida mas também sabe ser cruelzita. Sim, palavra pesada. Quando magoamos pessoas com palavras, repetidamente, estamos a ser cruéis, para mais quando essas pessoas apresentam a sua fragilidade à flôr da pele. A Magnólia anda irritada com ela, quer dizer-lhe que ela se anda a comportar mal com o colega. Pediu-me conselhos. - O que farias, mamã? E a K, o que achas que a K faria?
Respondi-lhe “Acho que a K teria o cuidado de apanhar a F num momento a sós, sem pressa. Não pode ser uns segundos antes de tocar para entrada, por exemplo. E é de máxima importância que seja a sós, com a certeza de que mais ninguém vos vai ouvir. Porque se a queres alertar para uma humilhação que ela esteja a praticar, não o podes fazer humilhando-a de volta. Quando o mano chegava a casa com recados porque tinha batido nalgum menino, se a mãe lhe fosse bater de volta, como castigo, estaria a mostrar-lhe que, afinal, bater é legítimo. Percebes? Dizer-lhe algo em público só serviria para 1) humilhá-la, 2) armares-te, 3) fazer com que ela, ao invés de parar para pensar, reaja e faça ainda pior e 4) provavelmente virar-se contra ti e também passares a ser uma das suas “vítimas”. A menos que fosse um episódio de violência que tivesse de ser interrompido ali, no momento, como uma urgência, essas coisas devem ser feitas em privado. Eu não sei o que lhe diria, talvez lhe perguntasse se sabia dos problemas dele, que ele sofre, que ela pode estar a contribuir para que ele se sinta pior. Mas só tu é que sabes o que queres fazer. Não me parece que, se o fizeres com cuidado, ela te guarde rancor, mas nada garante de como isto pode funcionar. Nunca, nada, é garantido. Isto incomoda-te e parece-me muito bonito que ponderes falar com ela ao invés de estares para aí cheia de planos para fazer queixas, por exemplo, à directora de turma.”

A Magnólia perguntou-me se eu achava que era bullying, eu acho que não é, senão teria abordado a questão de outra forma. Não me parece, de todo, perseguição. Mas concordo com a minha filha e sinto um orgulho imenso de que ande com isto na cabeça e sinta que talvez possa ter uma acção. A minha filha não vira a cara ao lado a injustiças que não lhe sejam dirigidas a ela, e só de escrever isto fiquei com lágrimas nos olhos, de comoção, de orgulho. Nunca pensei que fosse possível sentir um orgulho tão imensamente grande em alguém.