A nossa vida enquanto possíveis pais adoptantes, é um processo constante, presente em cada momento da nossa vida. Estou então a fazer um trabalho de
Teoria da Literatura, para um projecto de vida. Estudo os conceitos de Narrativa e leio: «os elementos narrativos
estão na base de qualquer tentativa de informação e esta é a parte importante
do conteúdo normal da comunicação; sendo a significação a estrutura central da
via comunicativa, a condição de formação da mensagem (constituída a partir do
signo)».
Falamos pois de literatura e romance, mas imaginei a vida de um adoptado e a sua
concepção de linha de vida e na forma como lê os signos – como interpreta o que
se passa à sua volta.
Para nós, existe uma fractura, um
momento, em que a vida dessa(s) criança(s) passa a fazer parte de outra vida, a
nossa e a dele(s). Mas será assim? Do ponto de vista da criança, existem dois
momentos distintos, todos parte da mesma narrativa: a vida após nascimento, com
a sua família original, onde aprende os primeiros sinais do mundo; a vida
institucionalizada, onde se dá uma estruturação (ou desestruturação ) da vida
anterior e que não o prepara para a vida
seguinte. Depois destes dois, vem o mais complexo, a vida depois - que será
onde nós entraremos. Imaginar a complicação da desconstrução signica de estar,
sentir e actuar, na cabeça da criança pode aproximar-se do atroz. Toda a sua
estrutura consciente e subconsciente, gerará nos primeiros tempos – e nos
outros seguintes – uma enorme bolha de conflitos interiores para descodificar
mensagens, que podem ir do mais simples ao mais complicado: da rotina familiar
do pequeno-almoço (onde há atrasos, interligações familiares, mudanças de
planos, etc.), à forma de estar em família à noite, para fazer trabalhos de
casa, brincar, arrumar, conversar em família, receber instruções sobre rotinas
e aspectos comportamentais, etc.
Estarei longe de imaginar a
velocidade, a quantidades de pensamentos contraditórios, o instinto a mandar ir
para um sítio, a consciência a mandar ir para outro, o conflito interior e a
quantidade de sentimentos associados: o medo, a frustração e a raiva, o
aprender a gerir a ansiedade, a vontade de comer, a vontade de brincar, a
vontade de dizer algo que está preso há muito tempo (há tempo demais), saber se
gosta, se pode falar, se pode ser honesto, se esconde, se diz, se não diz, se
faz, se não faz,…
A narrativa não é só um «processo
de comunicação», mas para o adoptado, a sua história, de variações,
interrupções, cisões desse processo comunicativo e de compreensão do mundo à
sua volta. Tudo isto ainda na infância ou adolescência, numa perspectiva de
passado, o agora e o futuro, nesse «lugar por excelência da manifestação da
experiência humana no tempo».
A gestão da narrativa nestas
crianças é a arte de lidar com o tempo, de gerir a irreversibilidade do mesmo,
ficcionando ou criando uma série de ilusões, numa estratégia para organizar o
caos.
E até vos deixo uma música (e um vídeo), que nem são do meu género, mas que gosto bastante e que acrescenta alguma coisa à reflexão que podemos - se queremos - fazer do texto acima:
1 comentário:
:))) e eu a pensar que estavas a escrever o teu trabalho...
Gostei muito da tua reflexão e tanto da forma como o remataste com esta canção maravilhosa (e o próprio vídeo tb "cola" com o tema)
Imagino que ainda não tenhas lido este texto, que pedi à autora para traduzir: http://www.findingmagnolia.com/2014/04/parenting-to-heal-seeing-my-child-for.html
vai ao encontro do que especificas nesta passagem «Estarei longe de imaginar a velocidade, a quantidades de pensamentos contraditórios, o instinto a mandar ir para um sítio, a consciência a mandar ir para outro, o conflito interior e a quantidade de sentimentos associados: o medo, a frustração e a raiva, o aprender a gerir a ansiedade, a vontade de comer, a vontade de brincar, a vontade de dizer algo que está preso há muito tempo (há tempo demais), saber se gosta, se pode falar, se pode ser honesto, se esconde, se diz, se não diz, se faz, se não faz»
beijo :)
Enviar um comentário