Enquanto esperamos pela concretização da adopção, pouco podemos fazer em prol da futura família, dos nossos futuros filhos. Ou antes, a única coisa que nos sobra é ler, procurar aprender o máximo possível sobre “parentalidade terapêutica” – conceito em voga aplicado à parentalidade na adopção.
Por vezes, ler torna-se muito pesado. Pelo menos para mim que, na verdade, não tenho procurado ler livros “cor-de-rosa” sobre adopção, restando-me literatura bastante pesada, muitas vezes académica e muito densa.
Com os eventos, também pesados, que têm ocorrido por aqui, preciso de uma lufada de ar fresco, de um escape. Preciso de ouvir histórias de sucesso e não esquecer que toda esta dificuldade é em prol da busca de uma outra felicidade.
Precisava de ter uma mala do enxoval onde guardar a parte azul e cor-de-rosa deste sonho.
imagem via Notícias do Ribatejo |
Desde que decidimos adoptar, o primeiro passo após a entrega da candidatura foi fazer uma pequena transformação cá em casa. Vivemos numa casa velha com 3 quartos e uma casa de banho no andar superior, um dos quartos estava transformado em quarto de vestir, o outro é o nosso e o terceiro é o do Freixo. Desmontámos o quarto de vestir que passou a chamar-se “o quarto dos meninos”. É mais forte do que nós, mesmo sem saber se será uma ou duas crianças e qual o género, está para sempre baptizado como o quarto dos meninos. De momento, contém uma cómoda antiga que era da minha avó paterna – pesada e escura, um roupeiro ikea e um sofá-cama baratucho da moviflor. A cómoda da minha avó tem em cima alguns objectos já destinados aos nossos meninos, que já descrevi um pouco ali e ali. As paredes são amarelo tipo girassol e as janelas de madeira, em guilhotina, porta por dentro e rodapé estão pintados de preto. A nossa casa é muito colorida e este quarto foi idealizado assim, para ser quarto de vestir. Quando nos mudámos para esta casa, há 5 anos, não quisemos ter quartos-fantasma, mesmo sabendo da nossa vontade de ser pais, não quisemos ter ali um quarto à espera a lembrar uma ausência. Portanto, quando chegar a personagem, ou personagens, que venham habitar esse quarto logo lhes perguntaremos sobre as cores e decoração de sua preferência para proceder em conformidade. O facto de ter apenas um quarto reservado com a eventualidade de chegarem duas crianças prende-se com a nossa convicção de que dormir na casa de dois-completos-estranhos há-de ser mais fácil se se partilhar o quarto com um irmão, ou irmã. Depois de instalados, logo nos organizaremos para saber se se desdobra o quarto do Freixo, ou se se fazem outras alterações.
Adiante com pormenores técnicos sobre distribuição familiar por assoalhadas que eu quero mesmo é falar de enxoval.
Portanto, o quarto dos meninos tem esses móveis, dos quais sairá o sofá-cama que passará para o family room. Tenham paciência com o estrangeirismo, mas é isso que eu também sou – estrangeira, devido à minha condição de nascida no Canadá. Acontece que não nos tem sido prático chamar quarto de brincar à divisão que antes era o escritório, escritório esse que agora passou a ser no antigo estúdio, estúdio esse que anulámos por entretanto se ter tornado num depósito de lixo velharias. Não se percam pela casa nem pensem que é um casarão, trata-se apenas de uma casa geminada com um anexo que penso termos aproveitado muito bem, modéstia à parte. E já que falamos de modéstia, digo-vos que a casa, embora se apresente como modesta, é-o muito pouco, chamamos-lhe nossa-senhora-da-eterna-manutenção. Tem quase 70 anos, alvenaria em pedra, janelas originais, ou seja, de madeira e com vidros fininhos e nada eficazes energeticamente, soalho original, enfim, tudo o que possam imaginar que exige manutenção e respectivos gastos constantes, sem falar no pormenor de se sujar muito mais, acumular mais pó e ter aranhas&comp.ª. Enfim, a verdade é que eu e o Chaparro temos o gosto das casas velhas em bairros velhos e esse charme tem um custo.
Mas eu, há um parágrafo atrás, havia dito que queria falar de enxoval, não é verdade? Já lá chegaremos. Acontece que dei conta de que, aproveitando o facto de não ser uma pessoa muito sucinta nas descrições, achei que para explicar o que tem sido este dificuldade em não fazer um enxoval para os meus futuros filhos tinha de comentar o que já existe à espera deles. Assim, tinha ficado na explicação do estrangeirismo family room, termo que o próprio Chaparro também já utiliza, já lhe chamámos quarto de brincar mas dá-nos demasiada noção da ausência de alguém que ainda não chegou. Trata-se da primeira divisão do anexo, que está colado à casa através de um corredor com telheiro transparente e que se segue à cozinha – a divisão ideal, portanto, para eu estar a cozinhar e ter simultaneamente os miúdos debaixo de olho. (sabe tão bem dizer isto, sonhar com esta ideia: eu estar a cozinhar e ter simultaneamente os miúdos debaixo de olho). O family room tem uma estante com os nossos livros de infância, livros juvenis, livros de história, ciências naturais e geografia, Atlas, revistas da National Geographic e outras, jogos de tabuleiro, alguns brinquedos e instrumentos musicais curiosos - tudo coisas que já nos pertenciam, depois também há uma mesa com 4 cadeiras onde lemos, jogamos, desenhamos e duas poltronas que passarão para a sala dando o lugar para o sofá-cama, o resto do espaço será liberto para haver algum chão onde brincar.
Acontece que há uns meses, numa conversa com a Assistente Social da nossa equipa esta nos “proibiu terminantemente” de continuar a fazer enxoval. Bah. E bah. Fiquei amuada. Mas fui obrigada a reconhecer que compreendi os seus argumentos. Quando percebeu a minha desilusão, lá concedeu: ok, podem ir fazendo uma biblioteca.
A verdade é que continuo a achar que o enxoval que estávamos a fazer era, de certa forma, inócuo para nós. Nunca comprámos roupa de vestir nem qualquer objecto dirigido a uma criança ficcionada. Eram generalidades, fronhas, um peluche, mantinhas, etc. Gosto da ideia da mala do enxoval, de ir lá de vez emquando e tirar tudo para fora sonhando com o que está por vir. Mas uma promessa é uma promessa é uma promessa e, se não conseguíssemos manter esta, penso que isso quereria dizer que estaríamos muito mal na ideia do que é a sinceridade e colaboração com a equipa de adopções.
O que aconteceu: não comprámos sequer um livro durante meses. No passado Sábado, havia um senhor a vender livros em segunda-mão lá na terra dos meus pais e então voltámos à composição da biblioteca para os nossos meninos com este livro por 1€.
Confesso que me custa um bocadito não comprar determinadas coisas, mas esta é a minha missão: controlar-me, pelo bem das minhas representações mentais.
Gostaria muito de saber qual a vossa opinião sobre este assunto.
E aos companheiros de adopção pergunto como fazem, vão fazendo algum tipo de enxoval ou nem sequer pensam nisso? Falaram disso com a vossa equipa de adopções? Hoje, visitava a Heidi e dei conta com mais um dos seus posts sweets for my sweet e pensei em pedir-vos para partilhar connosco as vossas experiências.
Peço aos que já adoptaram se podem partilhar como foi a azáfama de comprar quarto, roupa, brinquedos tudo de uma assentada só. A equipa deu-vos alguma lista?
Entretanto, já temos um pé-de-meia a contar com esses dias, que mais nos soam a loucura consumista do que a enxoval. Foi assim para vós?
Cipreste