Os almoços de semana com a Magnólia. Mais uma coisa de
calibre “coisa mais boa da mãe”.
A redução horária que fiz, permitindo-me almoçar 4 dias por
semana com os meus filhos, foi dos melhores investimentos que já fiz na vida. Sim,
porque isto também trata de euros. Foi uma decisão muito reflectida e quase
adiada. Mas vemos os frutos a olhos nus e o pormenor dos almoços é dos
melhores, mais proveitosos e deliciosos. Lamento apenas que seja à custa da
abnegação por parte do Chaparro pai. Um dia almoçamos os três, eu, a Magnólia e
o Chaparrito, outro só eu e o Chaparrito e dois só eu e a Magnólia. Isto permite
diferentes variações de contacto e confidência. Para ser perfeito, faltava
fazer variações com o papá.
É durante os almoços da semana, de um para um, ou entre os
três, que se conversam e analisam muitas coisas da convivência com os outros. Eles
ainda vêm com os eventos da manhã muito frescos. Ele, porque a MB já não quer
namorar com ele ou porque, uma vez mais, o M é que fez as equipas para o
futebol e não o escolheu para a sua. Ela, porque, benza-a-deus, sai à mãe e
chega indignada com uma série de injustiças entre os garotos. Imagino-a tipo
barata tonta a andar de um lado para o outro a procurar sanar discórdias.
Tenho de ser justa e admitir que a Magnólia não é como a
mãe, a Magnólia é muito melhor pessoa do que eu. Pela idade dela, eu não era
má, nunca fui e sofria quando via injustiças, mas era mesquinhita, não tinha o
mesmo poder de encaixe e, embora já me questionasse, não sei se tinha a coragem
de me pôr em causa e ela tem. Bem-dita a minha amiga K que sempre me ajudou a
mudar de perspectiva para procurar olhar as coisas de novas formas. Ainda esta
semana falei disso com a Magnólia, de como afinei a minha forma de estar com os
outros, em coisas em que ela é já tão eficaz, na idade adulta. E como isso me
trouxe dissabores que desejava ter evitado.
A magnólia vai-me descrevendo cada uma das pessoas com quem
convive, e a sua turma em particular. Parecem saídos de um filme estereotipado
sobre o liceu (com as devidas adaptações à sua faixa etária). Tem lá a malta
toda, desde a menina popular ao garoto ignorado por todos.
A Magnólia anda especificamente incomodada com um comportamento
(ou vários) da menina popular da turma. Nós não lhe chamamos “menina popular”
nem usamos qualquer outro apelido que não seja o seu nome próprio. Na segunda
semana de aulas, a Magnólia falava de algo à mesa e disse “a F é mesmo uma
convencida”. Confrontei-a, convidei-a a pensar em voz alta connosco sobre o que
acabara de dizer, perguntei-lhe o que é isso de ser convencida, se não temos
todos uma parte que está, de facto, convencida de algo, se isso não é legítimo
e se a utilização desse apelido viera dela ou estaria a replicar algo que
ouvira. Falámos em cuidar a nossa linguagem, no poder e no impacto que pode
ter. Perguntámos se já conhecia assim tão bem a menina que pudesse concluir tal
coisa sobre ela. Também falámos sobre a forma como nos apresentamos aos outros,
particularmente em situações como o início de uma no escolar junto a pessoas
que não conhecíamos, e em atitudes de protecção, de defesa, que podem não ser
as melhores nem as mais eficazes mas que podem, muitas vezes, demonstrar o
contrário do que se apresenta. Por exemplo, alguém que se apresenta muito “convencida”
pode estar, afinal, receosa, pouco confiante e usa esse papel porque é a forma
que encontrou para se proteger e defender. Finalmente, alertámo-la para o facto
de que estava a abrir espaço a uma antipatia por uma pessoa que desconhecia e
com quem poderá partilhar a mesma turma nos próximos 8 anos. Ufa! A Magnólia
tem arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação. No espaço de
uma semana já falava da F com amizade. Até hoje.
A F é das melhores alunas da turma, senão a melhor. É gira. Tem
o cabelo até aos tornozelos rabo. Tem roupas giras. Sabe ser simpática e parece
ter um sentido de humor muito apurado. E a Magnólia sabe viver com isso. Porque
ela sabe que é bonita e divertida e também veste muito bem e também é
inteligente e sabe que o uso de “também” tem a ver com a dimensão de sermos
tantos que se torna absurdo haver qualquer tipo de competição entre nós. Se a F
trouxe uma camisola bonita, a Magnólia aprendeu que lhe é legítimo gostar da
camisola e verbalizá-lo, sabe que isso não significa inveja nem significa que
desejaria ser a F. A Magnólia sabe que se verbalizar “oh, que linda a tua
camisola, adorava ter uma assim!” vai dissipar a sensação de que o gostar da
camisola poderia significar que queria ser a F. Não, significa apenas que o
mundo é imenso e que há lugar para todos nós e que não podemos possuir todas as
camisolas do mundo, embora nos seja legítimo apreciá-las e até desejá-las (às
vezes, até, acabamos a possuir algumas). Ufa, outra vez! A Magnólia tem
arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação.
Agora anda preocupada com ela, com a F. porque a F é
simultaneamente simpática e muito divertida mas também sabe ser cruelzita. Sim,
palavra pesada. Quando magoamos pessoas com palavras, repetidamente, estamos a
ser cruéis, para mais quando essas pessoas apresentam a sua fragilidade à flôr
da pele. A Magnólia anda irritada com ela, quer dizer-lhe que ela se anda a
comportar mal com o colega. Pediu-me conselhos. - O que farias, mamã? E a K, o
que achas que a K faria?
Respondi-lhe “Acho que a K teria o cuidado de apanhar a F
num momento a sós, sem pressa. Não pode ser uns segundos antes de tocar para
entrada, por exemplo. E é de máxima importância que seja a sós, com a certeza
de que mais ninguém vos vai ouvir. Porque se a queres alertar para uma
humilhação que ela esteja a praticar, não o podes fazer humilhando-a de volta. Quando
o mano chegava a casa com recados porque tinha batido nalgum menino, se a mãe
lhe fosse bater de volta, como castigo, estaria a mostrar-lhe que, afinal,
bater é legítimo. Percebes? Dizer-lhe algo em público só serviria para 1) humilhá-la,
2) armares-te, 3) fazer com que ela, ao invés de parar para pensar, reaja e faça
ainda pior e 4) provavelmente virar-se contra ti e também passares a ser uma
das suas “vítimas”. A menos que fosse um episódio de violência que tivesse de
ser interrompido ali, no momento, como uma urgência, essas coisas devem ser
feitas em privado. Eu não sei o que lhe diria, talvez lhe perguntasse se sabia
dos problemas dele, que ele sofre, que ela pode estar a contribuir para que ele
se sinta pior. Mas só tu é que sabes o que queres fazer. Não me parece que, se
o fizeres com cuidado, ela te guarde rancor, mas nada garante de como isto pode
funcionar. Nunca, nada, é garantido. Isto incomoda-te e parece-me muito bonito
que ponderes falar com ela ao invés de estares para aí cheia de planos para
fazer queixas, por exemplo, à directora de turma.”
A Magnólia perguntou-me se eu achava que era bullying, eu
acho que não é, senão teria abordado a questão de outra forma. Não me parece, de
todo, perseguição. Mas concordo com a minha filha e sinto um orgulho imenso de
que ande com isto na cabeça e sinta que talvez possa ter uma acção. A minha
filha não vira a cara ao lado a injustiças que não lhe sejam dirigidas a ela, e
só de escrever isto fiquei com lágrimas nos olhos, de comoção, de orgulho. Nunca
pensei que fosse possível sentir um orgulho tão imensamente grande em alguém.
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