sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Magnólia

Os almoços de semana com a Magnólia. Mais uma coisa de calibre “coisa mais boa da mãe”.
A redução horária que fiz, permitindo-me almoçar 4 dias por semana com os meus filhos, foi dos melhores investimentos que já fiz na vida. Sim, porque isto também trata de euros. Foi uma decisão muito reflectida e quase adiada. Mas vemos os frutos a olhos nus e o pormenor dos almoços é dos melhores, mais proveitosos e deliciosos. Lamento apenas que seja à custa da abnegação por parte do Chaparro pai. Um dia almoçamos os três, eu, a Magnólia e o Chaparrito, outro só eu e o Chaparrito e dois só eu e a Magnólia. Isto permite diferentes variações de contacto e confidência. Para ser perfeito, faltava fazer variações com o papá.
É durante os almoços da semana, de um para um, ou entre os três, que se conversam e analisam muitas coisas da convivência com os outros. Eles ainda vêm com os eventos da manhã muito frescos. Ele, porque a MB já não quer namorar com ele ou porque, uma vez mais, o M é que fez as equipas para o futebol e não o escolheu para a sua. Ela, porque, benza-a-deus, sai à mãe e chega indignada com uma série de injustiças entre os garotos. Imagino-a tipo barata tonta a andar de um lado para o outro a procurar sanar discórdias.
Tenho de ser justa e admitir que a Magnólia não é como a mãe, a Magnólia é muito melhor pessoa do que eu. Pela idade dela, eu não era má, nunca fui e sofria quando via injustiças, mas era mesquinhita, não tinha o mesmo poder de encaixe e, embora já me questionasse, não sei se tinha a coragem de me pôr em causa e ela tem. Bem-dita a minha amiga K que sempre me ajudou a mudar de perspectiva para procurar olhar as coisas de novas formas. Ainda esta semana falei disso com a Magnólia, de como afinei a minha forma de estar com os outros, em coisas em que ela é já tão eficaz, na idade adulta. E como isso me trouxe dissabores que desejava ter evitado.
A magnólia vai-me descrevendo cada uma das pessoas com quem convive, e a sua turma em particular. Parecem saídos de um filme estereotipado sobre o liceu (com as devidas adaptações à sua faixa etária). Tem lá a malta toda, desde a menina popular ao garoto ignorado por todos.
A Magnólia anda especificamente incomodada com um comportamento (ou vários) da menina popular da turma. Nós não lhe chamamos “menina popular” nem usamos qualquer outro apelido que não seja o seu nome próprio. Na segunda semana de aulas, a Magnólia falava de algo à mesa e disse “a F é mesmo uma convencida”. Confrontei-a, convidei-a a pensar em voz alta connosco sobre o que acabara de dizer, perguntei-lhe o que é isso de ser convencida, se não temos todos uma parte que está, de facto, convencida de algo, se isso não é legítimo e se a utilização desse apelido viera dela ou estaria a replicar algo que ouvira. Falámos em cuidar a nossa linguagem, no poder e no impacto que pode ter. Perguntámos se já conhecia assim tão bem a menina que pudesse concluir tal coisa sobre ela. Também falámos sobre a forma como nos apresentamos aos outros, particularmente em situações como o início de uma no escolar junto a pessoas que não conhecíamos, e em atitudes de protecção, de defesa, que podem não ser as melhores nem as mais eficazes mas que podem, muitas vezes, demonstrar o contrário do que se apresenta. Por exemplo, alguém que se apresenta muito “convencida” pode estar, afinal, receosa, pouco confiante e usa esse papel porque é a forma que encontrou para se proteger e defender. Finalmente, alertámo-la para o facto de que estava a abrir espaço a uma antipatia por uma pessoa que desconhecia e com quem poderá partilhar a mesma turma nos próximos 8 anos. Ufa! A Magnólia tem arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação. No espaço de uma semana já falava da F com amizade. Até hoje.
A F é das melhores alunas da turma, senão a melhor. É gira. Tem o cabelo até aos tornozelos rabo. Tem roupas giras. Sabe ser simpática e parece ter um sentido de humor muito apurado. E a Magnólia sabe viver com isso. Porque ela sabe que é bonita e divertida e também veste muito bem e também é inteligente e sabe que o uso de “também” tem a ver com a dimensão de sermos tantos que se torna absurdo haver qualquer tipo de competição entre nós. Se a F trouxe uma camisola bonita, a Magnólia aprendeu que lhe é legítimo gostar da camisola e verbalizá-lo, sabe que isso não significa inveja nem significa que desejaria ser a F. A Magnólia sabe que se verbalizar “oh, que linda a tua camisola, adorava ter uma assim!” vai dissipar a sensação de que o gostar da camisola poderia significar que queria ser a F. Não, significa apenas que o mundo é imenso e que há lugar para todos nós e que não podemos possuir todas as camisolas do mundo, embora nos seja legítimo apreciá-las e até desejá-las (às vezes, até, acabamos a possuir algumas). Ufa, outra vez! A Magnólia tem arcaboiço para este parlapiê todo. Ela encaixa a informação.
Agora anda preocupada com ela, com a F. porque a F é simultaneamente simpática e muito divertida mas também sabe ser cruelzita. Sim, palavra pesada. Quando magoamos pessoas com palavras, repetidamente, estamos a ser cruéis, para mais quando essas pessoas apresentam a sua fragilidade à flôr da pele. A Magnólia anda irritada com ela, quer dizer-lhe que ela se anda a comportar mal com o colega. Pediu-me conselhos. - O que farias, mamã? E a K, o que achas que a K faria?
Respondi-lhe “Acho que a K teria o cuidado de apanhar a F num momento a sós, sem pressa. Não pode ser uns segundos antes de tocar para entrada, por exemplo. E é de máxima importância que seja a sós, com a certeza de que mais ninguém vos vai ouvir. Porque se a queres alertar para uma humilhação que ela esteja a praticar, não o podes fazer humilhando-a de volta. Quando o mano chegava a casa com recados porque tinha batido nalgum menino, se a mãe lhe fosse bater de volta, como castigo, estaria a mostrar-lhe que, afinal, bater é legítimo. Percebes? Dizer-lhe algo em público só serviria para 1) humilhá-la, 2) armares-te, 3) fazer com que ela, ao invés de parar para pensar, reaja e faça ainda pior e 4) provavelmente virar-se contra ti e também passares a ser uma das suas “vítimas”. A menos que fosse um episódio de violência que tivesse de ser interrompido ali, no momento, como uma urgência, essas coisas devem ser feitas em privado. Eu não sei o que lhe diria, talvez lhe perguntasse se sabia dos problemas dele, que ele sofre, que ela pode estar a contribuir para que ele se sinta pior. Mas só tu é que sabes o que queres fazer. Não me parece que, se o fizeres com cuidado, ela te guarde rancor, mas nada garante de como isto pode funcionar. Nunca, nada, é garantido. Isto incomoda-te e parece-me muito bonito que ponderes falar com ela ao invés de estares para aí cheia de planos para fazer queixas, por exemplo, à directora de turma.”

A Magnólia perguntou-me se eu achava que era bullying, eu acho que não é, senão teria abordado a questão de outra forma. Não me parece, de todo, perseguição. Mas concordo com a minha filha e sinto um orgulho imenso de que ande com isto na cabeça e sinta que talvez possa ter uma acção. A minha filha não vira a cara ao lado a injustiças que não lhe sejam dirigidas a ela, e só de escrever isto fiquei com lágrimas nos olhos, de comoção, de orgulho. Nunca pensei que fosse possível sentir um orgulho tão imensamente grande em alguém.

Sem comentários: