terça-feira, 22 de setembro de 2015

adopção: é normal ter sensações de rejeição ao filho

Há pouco, escrevia uma resposta a uma pessoa que me enviou uma mensagem a anunciar a adopção de uma criança em idade de início do 1º ciclo, a idade do Chaparrito quando nos conhecemos (coraçõezinhos!). Fiquei de lágrimas nos olhos, de felicidade, sem sequer conhecer o rosto destas pessoas. 
Revi os últimos 11 meses e subitamente dei por mim a escrever a dar "conselhos totalmente grátis" e... não solicitados. Depois dei por mim a matutar nisto, nesta ânsia de dizer às pessoas aquilo que não vi escrito literalmente nos livros e que nenhum pai adoptivo teve coragem de me dizer e que eu gostava que me tivessem dito. Isto foi o que lhe escrevi:

«Recolham-se, tu e o teu marido e o teu filho.
Cuidem-se.
Alimentem-se, durmam (se houver umas noites em claro, pelas preocupações dos primeiros tempos, dorme quando ele estiver na escola).

Poucas pessoas falam das dificuldades dos primeiros tempos, para nós pais, ainda menos admitem reacções adversas (de sensação de rejeição, de medo de ter dado um mau passo). Porque as pessoas pensam que é errado um adulto que fez uma escolha ter essas sensações, mas não é... é nada mais do que natural! E não significa voltar atrás nas decisões, significa apenas que nós também nos tempos de adaptar antes de viver a fase seguinte, como eu vivo agora... de felicidade imensa.

Desejo-vos muitas felicidades e espero não te ter assustado, mas eu gostava de ter tido alguém que me tivesse dito estas coisas, assim, e fazer-me sentir normal e não "errada". E depois, há, de facto, pessoas que não passam por estas sensações, mas essas são as raras e não ao contrário... isso sei-o hoje ;)

A sério, disponham dos meus contactos, inclusive se o teu marido quiser falar com o meu (parece sexista, eu sei, mas somos diferentes pelo género nalgumas coisas ;) ).»

Muito há para destrinçar nesta mensagem, mas, basicamente é isto: é normal sentir rejeição e isso não significa que se vai voltar atrás. E umas palavras amigas fazem muita falta nessas alturas.

Note-se que falo da adopção de crianças "mais velhas"... com memórias vivas, pensantes e falantes. Penso que a experiência com bebés há-de ser diferente.

Assim, de repente, penso que este é capaz de ser o post mais importante que escrevi aqui.
Disponham.

Tenham um bom dia.
Ciprteste




8 comentários:

JoanaM disse...

Tão bom teres partilhado! Acho que com bebés é talvez menos frequente, mas também acontece. E também acontece com os filhos biológicos, e não é assim tão raro quanto isso. Mas claro, nós somos vaidosos, e temos dificuldade em admitir estas coisas.
A mim nunca me aconteceu, nem com uma nem com outra, mas se me acontecesse, teria gostado de ter lido e saber que acontece a todos.

Patricia Macedo disse...

Sem duvida, que a partilha pelos pares (por quem ja passou pela experincia) é importantissima.
Em Setúbal nós temos organizado (pela Associação meninos do Mundo) um grupo de pais adotivos, que se reune fisicamente uma vez por mes e que vai falando nos entretantos. E cada mes que passo constato como estes grupos de partilha são importantes e marcam a diferença.
Suspeito que não viva por aqui perto..senão desafiava-a já a juntar-se a nós. :)
Mas não deixam de ser iniciativas da sociedade civil. que poderiam ser replicadas pelo pais fora. (Aqui fica o desafio lançado).

Ana disse...

Ainda hoje comentei com uma amiga, que se há coisa que ambos os filhos sentiram dentro da minha barriga foi rejeição, pelos motivos que vocês já sabem. No caso de filhos biológicos não sei se é uma minora, possivelmente sim, mas mesmo que seja, acredito que em algum momento da maternidade/paternidade isso se faça sentir. Felizmente deixei de achar que isso significava alguma coisa. Quando percebemos que é normal, fica muito mais fácil.

Anónimo disse...

Estes conselhos não têm preço! Obrigada por todos as mensagens deste blog! ;)
AnaM

Mar disse...

Mas isto não acontece só com pais adoptivos!!!

A Joana diz que acontece menos nos bebés porque não teve um bebé difícil; eu acho que acontece MUITO com pais de bebés difíceis. Daqueles que choram horas, e horas, e mais horas, sem parar. Tive uma amiga que, uma vez, ligou à mãe: "ou a vens buscar aqui, AGORA, ou eu vou deitá-la no lixo". Lembro-me que, quando o meu filho mais velho tinha 3 meses e também chorava sem parar, liguei ao pediatra - um daqueles pediatras velhotes, com uns braços imensos, para acolher meninos pequenos - perguntei o que fazer e ele respondeu "antes de tudo, não o deites fora! Se estás muito desesperada, eu vou aí buscá-lo já".

Por isso: pai e mãe é tudo "farinha do mesmo saco". Se temos uma criaturinha adorável, que não dá chatices nenhumas, a coisa é fácil. Quando eles se transformam em monstrinhos (uns fazem-no mais, outros menos) é natural pensar "o que é que fiz? Quem é esta pessoa, que me virou a vida do avesso? E será que vale a pena?". Isso é humano. Não é errado. Errado é não saber aceitar, trabalhar e superar esses sentimentos.

JoanaM disse...

É verdade, Mar, tens razão. Nunca tive um bebé dificil. Mas não tenho dúvidas de que isto não depende da biologia :)

Mãe de Coração disse...

Eu tive a sorte de, logo nos primeiros dias, ter uma irmã mais velha que me "deu a mão" e explicou que até uma mãe biológica, que sonhou toda a vida com um filho, quando o finalmente tem nos braços, nem sempre sente aquele amor de que se fala, sente sim a rejeição e indiferença. O mais natural é nos sentirmos assim, quando, de um dia para o outro, temos uma criança "estranha" a entrar pela nossa vida dentro a "roubar-nos" o tempo, os nossos pensamentos!!! Tal como numa relação a dois o amor de verdade vem com o tempo, com a convivência... e se não é assim para todos, ainda bem, mas não temos de nos sentir culpadas por sentirmos de forma diferente a maternidade!... digo eu!!! :)

Cipreste disse...

e isto é o que temos de fazer: partilhar estas ideias e experiências abertamente uns com os outros
sem culpas, sem receio de ser julgado, sem complexos :)