quarta-feira, 16 de abril de 2014

Crescer - e educar, nesta era online

Aquele que nunca foi viciado num programa de animação ou numa série de televisão que atire a primeira pedra.

Para começar o meu raciocínio sobre a era online, falo enquanto produto de uma infância que foi marcada pelas tardes a ver televisão. Penso que é importante procurar compreender a conjuntura em que as várias gerações crescem e se encontram antes de se falar delas. No meu caso, não me lembro de ouvir adultos a mandar-nos* ir brincar para a rua, criticando as horas que passávamos frente à televisão. Mas lembro que era uma realidade ouvir mais velhos a criticar mais novos por estes passarem demasiadas horas frente à televisão. Sinceramente, acho que tive um pouco de tudo. Esfolei os joelhos na rua e comi torradas frente à televisão. Vibrava com determinados programas de televisão e sentia um vazio quando acabavam. Tal como quando lia um livro.

*este “nos” por si só, já é um erro, mas é a forma mais simples e directa que encontro para tentar diferenciar as “gerações” no que concerne aquilo que têm à sua disposição e, desde que me lembro de ser gente, as coisas têm de facto evoluído/modificado muito


O hedonismo manda-nos tirar o melhor partido das coisas.
Tratando-se das tecnologias, o seu possível mal não estará nelas propriamente ditas, mas poderá estar na forma como fazemos uso delas. E esta constatação nunca deverá contribuir para que tenhamos uma visão demonizada das tecnologias, antes deverá exactamente ajudar-nos a compreender os fenómenos à sua volta.
E aqui entra a sensatez em cena.

Eu não acho que antigamente é que era bom (isso fica para outra conversa) e que agora estamos a perder uma série de valores, mas acho, sim, que há muitos valores que não vemos amiúde actualmente, de facto, e acho que esta ausência se nota de forma muito exacerbada no uso das tecnologias.
Também não vejo lógica nem utilidade em dividir as pessoas entre as que usam tecnologias e as que não usam e aqui reside um ponto-chave no que concerne a minha opinião face ao Crescer - e educar, nesta era online: penso que, para além das adaptações conformes aos tempos que se vivam, educar é sempre educar e crescer é sempre crescer. [momento com patrocínio de La Palisse]

Educar dá trabalho, mesmo quando se têm filhos que não dão preocupações. Educar nesta era online dá trabalho, portanto, e exige aos pais a devida actualização ao seu tempo – o tempo dos nossos filhos é o nosso tempo, não nos tentemos enganar.
Nesta era online, também é preciso ensinar aos filhos as regras do bom trato. Porque é que deveria ser diferente doutra era? Porque existe um novo canal de comunicação, esquecemos o “por favor” e o “obrigado”? Esquecemos que, quando alguém fala connosco, sói responder? Na era online, continua a ser de bom-tom olhar para as pessoas quando elas estão a falar connosco e não para um aparelho. Na era online, ignorar a mensagem de uma pessoa continua a ser “ignorar a mensagem de uma pessoa”, venha ela em que veículo venha. E isto são só as regras básicas da boa educação.
Depois, há aquela parte da educação que obriga os pais a estarem atentos aos filhos. Por exemplo, às horas que os filhos prestam ao estudo versus as horas que dedicam ao lazer. E outros pormenores como a atenção e concentração que ficam afectados por esta relação. E não foi sempre assim?

Por outro lado, crescer continua a ter as mesmas dificuldades: é difícil crescer, é difícil atravessar a adolescência. A fisiologia continua a ser a mesma, não obstante estarmos em plena era online. O gap geracional sempre existiu e a responsabilidade não é só dos mais novos, é também dos adultos que se esquecem rapidamente o quão difícil é estar no sítio da puberdade e da adolescência. Cabe aos mais novos pôr em causa, esticar a corda e… obedecer. Cabe aos mais velhos explicar porque é que as coisas têm de acontecer da forma como os mais velhos dizem que têm de acontecer.

Talvez vos pareça que ainda não desenvolvi nada sobre qual a minha opinião específica face ao Crescer - e educar, nesta era online. Porque penso que é pouco interessante ler-me sobre as pequenas regras que hoje creio serem de bom senso na educação com tecnologias. Parece-me tudo tão lógico no que deve ser o controlo do uso das tecnologias por parte das crianças e jovens que não consigo sequer organizar uma lista. Digamos que, uma vez mais, acho que deve ser regido por aquilo que são as convicções da família. E aqui convém que a família converse e se defina.
Deixo alguns exemplos sobre o que se passa cá em casa: a nossa opção é não ter TV Cabo, porque nos tira tempo e dinheiro desnecessário; só existe um aparelho de televisão, na sala, que é uma sala comum; a televisão está desligada durante as refeições; aliás, a televisão só é ligada quando alguém lhe está a prestar atenção, o resto do tempo preferimos música ou silêncio; os computadores só são usados nos quartos se alguém está de cama; os telemóveis não fazem as refeições connosco; não estamos de olhos pegados em ecrãs quando alguém fala connosco, etc. 
Reparem que nunca nos sentámos para declarar estas “regras”, são coisas que acontecem naturalmente. Alias, penso que quando as coisas são forçadas acabam sempre por não resultar.

Quando tiver filhos, concerteza engolirei muitas palavras. 
Na devida altura, sei que perceberemos alguns fenómenos em que nunca tínhamos pensado, e que haveremos de ter de pensar algumas das coisas de forma mais deliberada, e que aplicaremos regras desnecessariamente, enfim, faremos o melhor que conseguirmos fazer mas não vale a pena dizer que tudo decorrerá espontaneamente – algumas coisas são e têm de ser pensadas (não estou a falar de coisas que às vezes têm de ser forçadas=impostas).

Se hoje me faz confusão pessoas que não respondem a e-mails, por exemplo, é óbvio que vou contrariar essa tendência se vir que os meus filhos o fazem – para mim, é uma questão de boa educação.
Se hoje me faz confusão estar à mesa com amigos que percorrem o facebook nos telemóveis enquanto conversamos, é óbvio que vou ensinar aos meus filhos que mais vale arrumarem os aparelhos ou recolherem-se do que a estarem só de corpo presente – para mim, é uma questão de boa educação e… de atenção e concentração. 
Ah, pois é, esta conversa toda não trata só de boa educação e etiqueta, mas de coisas que interferem no crescimento dos garotos. 
Sinceramente, fico sempre pasma (de boca aberta mesmo) quando oiço pais de filhos com telemóveis XPTO com acesso internet/PC e TV no quarto/playstation/etc. queixarem-se das notas dos filhos: hello?

Quando falamos de educar, falamos de proteger. E o que penso que nos pode ajudar a manter o Norte no que concernem as questões da educação na era online é mesmo isso: ponderar até onde é que a permissividade estará a interferir com a protecção que é devida aos filhos. Educar dá trabalho, dizer não dá trabalho, mas costuma dar bons resultados, e não esqueçamos que não é sinónimo de desamor, pelo contrário.
Fazer isso sem entrar em conflito é a parte difícil e é o que me parece levar os pais a baixar os braços. Nenhum garoto quer ser o único da sua turma sem um telemóvel XPTO, mas às vezes tem de ser. Imagino que o “segredo” se se viver isto de forma o menos em modo-guerrilha possível, estará na forma como se explica isto. E isso terá de ser vivido caso-a-caso, mas não imagino que não se tenha de recorrer, por vezes, ao “É assim pelos motivos que te expliquei e vai ser assim, mesmo que discordes, porque a decisão é minha – e a mãe aqui sou eu”. 
Ainda não li nenhum estudo que fale dos prejuízos da autoridade per si, mas já li alguns (bastantes) que falam nos seus benefícios.
Resta-nos ser empáticos com os filhos quando estes não podem ter tudo o que desejariam ter e donde acreditam que disso dependeria a sua felicidade. Não será tentando tirar o valor que as coisas têm para eles, mas ajudando-os a perspectivar os acontecimentos. Life goes on.

Cipreste


2 comentários:

Ana disse...

Lembro-me de ficar espantada e até triste quando num baptizado com três crianças na mesma mesa, cada um estava com o seu aparelho... também não sei como será com o meu filho mas sinto que há coisas que têm mesmo de ter limites independentemente de ainda não as estarmos a vivenciar (visto que o argumento de muitos é que ainda não sentimos na pele). O que me angustia um pouco é ter a percepção que se o meu filho um dia estiver numa mesa assim, nós é que seremos os esquisitinhos. Remar contra essa maré não é um processo fácil, ou pelo menos não é para mim, mas não vejo alternaiva, é demasiado visceral. Como isso que dizes de não se responder a um email...se reclamamos, somos nós que estamos mal porque é perfeitamente normal as pessoas hoje em dia não responderem, afinal de contas estão muito ocupadas... o que pressupõe que devemos estar demasiado livres :) Acabo depois por me questionar se tenho vontade de remar contra isso...
Também não sou nada do "antes é que era bom" mas cada época tem as suas vantagens, desvantagens e especificidades e não há dúvida que esse tema é importante e prioritário na época que atravessamos. Cada vez mais me convenço de que educar passa pelo exemplo, pelo exemplo e ainda pelo exemplo. Acredito fortemente que uma criança fica mais facilmente viciada se não tiver acesso a outras vivências proporcionadas de forma regular, nem que seja ir ali fora dar chutos na bola todos os dias ou fazer jogos em família dentro de casa. E também acredito que baixamos os braços porque é muito mais cómodo tê-los entretidos equanto nós próprios tentamos descansar deste carrossel de afazeres. Não consigo criticar mas é um facto e precisamos de reflectir sobre isso. E também é fácil dar-lhes ordens do tempo que podem dispender nos aparelhos, díficil é sermos coerentes e ao apontar o consumo tecnológico deles não acabarmos inevitavelmente por colocar em causa o nosso. Quanto à distribuição dos ditos aparelhos, só acho que conforme eles vão crescendo também vão precisando de ter a sua intimidade. É impensável que o meu filho aos 10 anos tenha um PC no quarto mas mais tarde compreendo a necessidade sem os olhares de quem passa na sala. Pelo menos eu tive essa liberdade e sinto que foi importante para mim. Mais do que criar muitas regras é ajudá-los adquirir o gosto por outras coisas penso eu. Mas se não resultar, vai haver regras sim. Começando sempre por nós primeiro...

Cipreste disse...

“também não sei como será com o meu filho mas sinto que há coisas que têm mesmo de ter limites independentemente de ainda não as estarmos a vivenciar”

ponto final ;)

“O que me angustia um pouco é ter a percepção que se o meu filho um dia estiver numa mesa assim, nós é que seremos os esquisitinhos. Remar contra essa maré não é um processo fácil, ou pelo menos não é para mim, mas não vejo alternaiva, é demasiado visceral.”

Indeed. Não gosto muito de desenvolver este assunto chegando àquele extremo de pensar que, se quem está mal que se mude e se um dia toda a gente resolver estar a conviver face-a-face sem abdicar da navegação ao mesmo tempo… que eu serei a que vai estar mal e se irá recolher. Logo se verá…

“Como isso que dizes de não se responder a um email...se reclamamos, somos nós que estamos mal porque é perfeitamente normal as pessoas hoje em dia não responderem, afinal de contas estão muito ocupadas... o que pressupõe que devemos estar demasiado livres :)”

Oh, acho sempre tão fofinho quando as pessoas tentam desculpar a sua falta de educação com a sua azáfama, por vezes até podendo sugerir que eu não tenho a minha :P

Acabo depois por me questionar se tenho vontade de remar contra

“Cada vez mais me convenço de que educar passa pelo exemplo, pelo exemplo e ainda pelo exemplo. Acredito fortemente que uma criança fica mais facilmente viciada se não tiver acesso a outras vivências proporcionadas de forma regular, nem que seja ir ali fora dar chutos na bola todos os dias ou fazer jogos em família dentro de casa.”

Acho que vamos conseguindo dar o exemplo ao Freixo, dentro do que é o tempo limitado que estamos com ele, claro. Pelo menos, ele sabe que na nossa (dele também) casa algumas coisas são “assim” porque há convicções por detrás delas.

“E também acredito que baixamos os braços porque é muito mais cómodo tê-los entretidos equanto nós próprios tentamos descansar deste carrossel de afazeres. Não consigo criticar mas é um facto e precisamos de reflectir sobre isso.”

Criticar é uma actividade estéril, sim. O que eu não consigo é ouvir as queixas desses pais. E lamento quando estou a ver o filme todo e as consequências para os putos, mas são as opções de vida de outras famílias. Felizmente, estou rodeada de pais que são exemplos para mim :)

“E também é fácil dar-lhes ordens do tempo que podem dispender nos aparelhos, díficil é sermos coerentes e ao apontar o consumo tecnológico deles não acabarmos inevitavelmente por colocar em causa o nosso.”

Tentamos fazer isso com o Freixo ;)

“Quanto à distribuição dos ditos aparelhos, só acho que conforme eles vão crescendo também vão precisando de ter a sua intimidade. É impensável que o meu filho aos 10 anos tenha um PC no quarto mas mais tarde compreendo a necessidade sem os olhares de quem passa na sala. Pelo menos eu tive essa liberdade e sinto que foi importante para mim.”

Sim, concordo, e as situações têm de ser avaliadas. Tudo dependerá do espaço e da disposição da casa e do que o jovem provar merecer, em termos de confiança (uma questão que acho de muita importância)

“Mais do que criar muitas regras é ajudá-los adquirir o gosto por outras coisas penso eu. Mas se não resultar, vai haver regras sim. Começando sempre por nós primeiro...”

;)