quarta-feira, 2 de abril de 2014

parole parole parole - parte I

Daquilo que dizemos uns aos outros.

Nunca me não habituei a esta ideia de que algumas pessoas, por vezes, não queriam bem dizer aquilo que disseram nem queriam bem ter feito aquilo que fizeram. Baralho-me e levo as coisas a peito, partindo do princípio equivocado de que somos todos pessoas francas. Sim, estou a entrar pelas generalidades sobre aquilo que dizemos uns aos outros. Já explico melhor.

Há dias, líamos antes de dormir, ou antes eu lia já no sofá e o Chaparro, invejoso, foi buscar a sua leitura também. Digo invejoso porque eu lia o Adoption Reunion in the Social Media Age: An Anthology, de Laura Dennis e ele foi buscar o “seu” A Aventura da Adopção, de John R. Thompson e Karen J. Foli. Há duas semanas que não pegávamos no assunto adopção por andarmos entretidos com outras coisas, também boas. Confesso que já tinha saudades de me afundar nestes meandros. Acho que tenho aprendido muito sobre a vida e sobre as pessoas com esta história de me querer documentar sobre a adopção.
Só um à parte: por favor, não confundam, pois ando um bocadinho cansada de ser mal interpretada - eu disse “aprender muito” não disse “saber muito”, ok?

Avante.

Gosto de pessoas que não adiantam muitas palavras sobre os assuntos mas que, quando as adiantam, fazem-no de forma certeira. Eu sou daquelas pessoas que usam muitas palavras (creio que já repararam nisso) e o Chaparro é daquelas pessoas que não precisa de muitas palavras para dizer “as verdades”. Sobre o tema deste post: aquilo que dizemos uns aos outros, ontem recebi uma carta linda do Chaparro, que tem estado fora em trabalho. E foi assim que ele validou sentimentos que me têm minado os dias.

Às vezes, inventamos na nossa cabeça dimensões para as relações que estas não têm, de facto. Acontece que vivenciei há pouco tempo um quid pro quo que serviu para me abrir os olhos sobre a autenticidade de determinadas coisas. Não sou pessoa de me contentar com coisas mornas e tenho-me concentrado em tentar perceber a razão das minhas atitudes e das das outras pessoas. Demoro-me, não sou assim uma daquelas pessoas fixes que arrumam assuntos num piscar de olhos e toca a andar de bicicleta que isto é tudo muito divertido e nós somos todos muito cool e não temos paciência para remoer (n)as coisas. Não sou adepta do toca-e-foge, vejo algum sentido em procurar perceber porque é que alguém me diz uma coisa num dia e as desdiz completamente no dia seguinte como se nunca as tivesse proferido. Mas as palavras já estão cá dentro e, se a pessoa não está disponível para conversar comigo e fazer-me entender o seu lado, fico sozinha a tentar solucionar o puzzle. Fico a mastigar tudo bem devagarinho para que no fim sobre uma digestão sem refluxos malucos. E consigo sempre que o que me sobre seja verdadeiro. Há, porém, várias contas que acabo por ter de pagar no final destes desacertos. Lamento, por exemplo, ver-me resumida àquela aborreceu toda a gente e que não os deixou gozar o momento. Quando o que eu desejava era ver solvida uma tensão. Decepcionamo-nos e os afectos até queriam contrariar essas desilusões, no entanto, no fim damos por nós a admitir, como canta o Sérgio Godinho, que mais vale um bom desengano do que andar enganado sempre. Mas não deixa de ser triste. E depois, nesta era online vê-se tudo tão a céu aberto, vêem-se poses que acabam por provar que ninguém enterrou coisa nenhuma mas, afinal, concentrou as energias bem longe dos afectos e da vontade de lavar o que ficou sujo.

Hei-de lutar para sempre contra a tentativa de provar que as pessoas são todas assim, porque eu (pessoa com outros defeitos) não sou assim e não estou sozinha.

Estas coisas só vêm confirmar a minha sensibilidade sobre como devo encaminhar as minhas relações e a vontade que tenho de contrariar invariavelmente todas as tentativas de se falar dos ausentes e, pior, como tenho visto mais vezes do que desejaria - o julgamento de quem não está presente para se defender. E digo mais: sinceramente, não estou certa deste tipo de comportamentos estar muito longe da origem do bullying. É assustador quão hostil se pode tornar uma agremiação quando contrariada.

Eis a miscelânea com que tenho labutado cá dentro.

No fim, com uma carta linda de morrer, cheia de bem-querer e de gostar de compreender e de não recear falar as coisas, o Chaparro validou-me os sentimentos e propôs-me caminhar no sentido da conciliação com o facto de que fiz o que podia fazer, fui franca, independentemente do resultado a que me levou. Mas que agora é hora de aceitar que nem toda a gente quer levar as coisas ao mesmo porto.
Que as noções de bondade e do cuidar do outro, por vezes, são conformes aos egos. Nem sempre se consegue conciliar as verdades das várias consciências, facto que se incompatibiliza com a noção de genuinidade necessária às relações.

Essa carta rematava o raciocínio com esta citação do livro A Aventura da Adopção:

«nós controlamos as nossas acções e somos responsáveis pela forma como agirmos perante as nossas emoções.(...) Ao aceitarmos a nossa incapacidade de controlar, podemos libertar a energia que tem sido empregue a tentar mudar o imutável. Não estamos a advogar a passividade, mas antes uma assertividade apropriada e a abdicação daqueles acontecimentos improdutivos que nos custam tempo e energia.»


E foi assim que consegui pôr o ponto final no que me tem consumido emoções e tentativas de neutralizar as beliscadelas dos últimos tempos. Resta-me lamentar e fazer o luto de algo que eu pensava existir e fazer-me rodear daqueles que correspondem no bem-querer comigo. Tudo para não perder a fé em mim e nos outros, continuar a lembrar que todos carregam as suas histórias e dificuldades. Continuar a cuidar, como sempre cuidei. E preparar-me para a minha cirurgia e para a entrevista com a psicóloga* e para o 50º aniversário de casamento dos meus queridos pais.
Andar em frente, de consciência limpa, dar-me bem com a minha almofada e afirmar: Se os meus pais conseguiram, eu também hei-de conseguir.

Um bom dia para vós. Já tinha saudades.

Cipreste

* “finalmente!” marcada: a nossa equipa das adopções ficou sem psicóloga há uns meses e no dia em que teremos a entrevista com a psicóloga já distarão 7 meses do início do nosso processo, portanto 1 mês além da data legal para termos o certificado que ainda não temos, faltará ainda a visita domiciliária e a aprovação do casal Cipreste&Chaparro como candidatos competentes à adopção :)


2 comentários:

Ana disse...

Ia dizer-te que acredito que muitas das coisas infelizes que são ditas são mesmo sem intenção de magoar, mesmo porque já me aconteceu de dizer besteiras impulsivamente da boca para fora sem qualquer maldade, mas depois li o teu post seguinte e realmente há coisas que não se dizem e pronto. E sabes, já senti algumas vezes que estava sozinha a remar contra a maré no que toca a resolver coisas com pessoas, de forma a nao ficarem ressentimentos ou fantasmas, mas depois chego à conclusão que temos de distinguir com quem vale ou não vale a pena fazê-lo. E hoje em dia, muito mais facilmente baixo os braços. Isso não me faz deixar de acreditar que é essa via, costumo dizer precisamente o mesmo, que basta ser com um para ser com outros, só que não andam propriamente a nascer nas árvores aos pontapés. Só que há quem não valha a pena e pronto.

Cipreste disse...

Respondi um pouco a este comentário na caixa do post acima :)

no caso deste post não se trata apenas de baboseiras mas mesmo de acusações veladas e quase senti uma facada nas costas :/

tb vou baixando os braços, não vou dizer que não me custe, mas é como dizes não vale a pena, trata-se da nossa energia como refere a citação

sabes, desde que iniciei o processo de adopção que sinto com outra veemência aquela coisa de querer ser uma pessoa melhor e isso influencia a forma como se vivenciam estes episódios
(e faz notar a diferença entre as pessoas)
percebe-se quem, mesmo discordando, não usa os eventos prolongando-os em mau-estar, em picardia velada e quem simplesmente baixa os braços mas não alimenta a disputa de forma estéril para a sua resolução mas de forma bem fértil para o prolongamento da irritação mútua

embora lamente e reconheça que me deixou triste, a minha postura permite-me estar de bem comigo, tenho tranquilidade dentro de mim, sei que procedi bem com as pessoas, não tive uma educação de superficialidadem, fiz questão de os deixar com as suas convicções sem os assediar após ter chamado à minha justiça explicando o que me incomodava
enfim, o que quero dizer é que não alimentei a coisa porque não vale a pena, como dizes

um bom dia para ti :)