segunda-feira, 7 de abril de 2014

da protecção das crianças nesta era online

Ontem sonhei com uma menina que não conheço. Quer dizer, conheço, mas não conheço. Trata-se de uma menina cuja história acompanho online há 2 anos.
Visito amiúde uma mão-cheia de blogs sobre parentalidade e adopção, a maior parte anglófonos, há cerca de 3/4 anos. Antes mesmo de decidirmos pelo caminho da adopção. Digamos que antes de nos admitirmos, de nos assumirmos um ao outro, com vontade de embarcar na adopção. Dentre estes blogs, vou acompanhando a história desta menina e a da sua irmã (mais velha) - cuja história foi uma das primeiras que comecei a acompanhar.
Creio que o Chaparro não visita o blog, mas reconhece os nomes das meninas e as suas histórias, quando o informo de alguma novidade nunca pergunta “quem?!”, antes diz “oh, que bom” ou “que giro”.
Portanto, e pensando nisso agora, é como se estivéssemos a falar das filhotas de algum vizinho ou de amigos distantes. Acontece que não é disso que se trata, pois a relação não é bilateral. Nós sabemos quem é aquela família. Ou, no mínimo, conhecemos-lhes os rostos, para não falar de muitas coisas dos seus percursos de vida. Estão lá as imagens para vermos: blog, instagram, flickr, facebook, twitter, etc. E diga-se que são uma família bonita de se ver. E, repare-se que não se trata só de ver, trata-se de se associar a imagem ao que se sabe. Acompanhámos cada passo de cada cirurgia da mais nova. Sabíamos onde é que ela estava internada. Sabemos onde fazem as suas compras, onde gostam de ir tomar café. Sabemos datas, por ex, quando fazem anos.
É muita informação sobre uma família que, de mim, o máximo que poderá deter será o IP.

Esta era online traz-me sempre em reflexão. Nada é linear e nada compreendo à primeira. Quando penso que compreendi uma camada da existência online, percebo que há mais algumas que não estão tão visíveis, e volto quase à estaca zero nas conclusões a que havia chegado.

Sou do meu tempo, sou deste tempo. Não estaria aqui a comunicar convosco se não o fosse. Nunca andei no MIRC nem no IRC. Leio e detenho blogs desde cerca de 2003. Usei fóruns. Tenho uma conta pessoal no facebook com algumas páginas associadas. Agora que falamos nisso, nunca me ocorreu abrir uma página para este blog (será necessário ou útil?). Não twitto, porque não lhe acho graça. Enfim, sou do meu tempo. Porém vou sendo-o devagarinho. Talvez tenha sido das últimas entre os meus amigos a criar conta no facebook. Há fotos minhas com o rosto perfeitamente identificado, porque alguns amigos começaram a afixá-las (sem me perguntar, já agora) e dum ou outro evento duma coisa a que estou ligada e da qual ficaria difícil controlar a publicação de imagens, no caso de eu eventualmente fazer questão de não aparecer (mas chega a pouquíssima gente). Raramente uso uma foto do meu rosto no perfil e quando uso é sempre um pouco desfocada. Nunca partilho fotos de cenas domésticas com a identificação explícita das pessoas, e zelo sempre com mais cuidado pela identificação de pessoas que sei não estarem confortáveis com os fenómenos do online (nomeadamente duas grandes amigas).
Disclaimer: esta é a minha forma de estar online, não é melhor nem pior do que as outras (bom, e daí, outro assunto, acho que sim, que há pessoas que sabem melhor do que outras sobre como estar online), esta é a que me é natural e confortável.

Este assunto dá muito pano para mangas. E eu agora podia falar de educação e etiqueta online. Podia falar da liberdade a que algumas pessoas se dão publicando fotografias de terceiros sem se "importunarem" lembrarem de pedir autorização. Podia falar das relações online, nomeadamente de uma das coisas que mais abomino – os recados, vulgo indirectas, online. A falta de carácter que se vê a olhos nus de quem prefere deixar recados a resolver as suas questões olhos nos olhos é, para mim, das revelações mais óbvias da pobreza de espírito das pessoas. E nós a ver tudo e a pessoa a pensar que está a fazer um figurão: triste.

Adiante que eu dizia que isto dá pano para mangas mas o que me traz hoje aqui é a identificação de pessoas, especificamente de crianças e, mais especificamente ainda, a identificação de crianças adoptadas.

Sinceramente, se alguém me viesse dizer que sonhou com um filho meu, filho que não conhece para além das fotos e histórias do blog, acho que o meu primeiro impulso seria apagar o blog. Estou a exagerar ou isto arrepia um bocado? Ou devo simplesmente encarar estas meninas como vedetas, pessoas cujos rostos e histórias são públicos?
Reparem, o meu sonho foi muito inocente. Ainda assim, acordei com a sensação de ter sonhado algo que não devia.
Bom, talvez eu seja uma grande pudica e eram evitadas estas linhas todas de parlapié. Não sei, mas hei-de solucionar esta sensação estranha de ter sonhado que passeava a menina.

Para já, isto só veio confirmar a minha ideia de que pouco provavelmente divulgarei de forma explícita a imagem dos meus futuros filhos. 

esta imagem é-me tão ternurenta, vi-a ali e ficou-me cá dentro :)

Poucas pessoas dos meus relacionamentos têm conhecimento deste blog, talvez meia-dúzia e, dessas, são poucas as que me dizem que o visitam. Não o escondo dos meus amigos, apenas não creio que muitos deles tivessem interesse em lê-lo. Das pessoas que não me conhecem, acho que consigo preservar a nossa identidade. Até porque não somos pessoas públicas. Estou, portanto, convencida de que se tiram poucos nabos desta púcara. Ou antes, pelas partilhas de pensamentos que faço, conhecem-me mais a alma do que o rosto, o nome, a minha profissão ou onde vivo.


É bem certo que eu própria vou olhando as fotos dos meninos dos outros, mas não deixo de ler ou visitar blogs cujas imagens dos envolvidos estão protegidas. É também certo que pode chegar aqui alguém e reconhecer-me, nesse caso, sou grata pela vossa discrição ;)


Algumas notas para finalizar:

- discutir as motivações de algumas pessoas para se exporem, e às suas famílias, nos blogs e quejandos, sugerindo interesses de audiência associados a patrocínios são outros quinhentos e eu nem sequer vou por aí;

- há milhões de imagens de crianças online, bem sei, para publicidade, informação, sensibilização, etc., mas não é o mesmo que estar a imagem associada a relatos de vida; 

- mesmo para  famílias sem associação a adopção ou outras questões que incutam mais protecção, aqueles que crêem ser inócuo associar a imagem dos seus filhos a relatos engraçados das suas tropleias, podem sempre estar a dar informações, aos seus coleguinhas de escola por exemplo, que não têm a certeza de ser informação a ser usada de forma inocente. 

- deixando de lado teorias da conspiração, podem perguntar-me o que é que penso que pode acontecer de mal por divulgar a imagem de crianças - sei lá, um completo estranho sonhar com os vossos filhos não vos parece suficientemente estranho e justificação para nos sentarmos a pensar e a falar disto?

Don't get me wrong. Tenho tirado muito partido da dimensão online do mundo da parentalidade e da adopção. E gosto muito. E faz-me bem. Estou só a falar de cuidados que acho que não devemos descurar.

- Etc., etc. Eu disse: pano para mangas.



Bom dia e desejos de que tenham uma semana bonita,

Cipreste

4 comentários:

Ana disse...

Partilho da tua opiniao. No facebook, vou partilhando fotos dele, não considero um perigo real e não me causa desconforto. Apesar de saber que definições de privacidade não são assim tão privadas, sinto que é um espaço mais pequeno. Agora, num blog, é totalmente incontrolável e jamais conseguiria fazê-lo. E faz-me mais confusão quando eles são maiorzinhos do que em bebés. Porque eles já têm colegas, amigos, pais dos amigos e de repente intimidades da vida deles estão totalmente expostas, sem que tenham sido eles a decidir fazê-lo. Não acho que seja propriamente um perigo também, é só mesmo por uma questão de preservação dessa intimidade. É um tema complexo e que depende das pessoas. Por norma quem mete fotos dos filhos também mete de si próprio e eu também não me sentiria bem, por isso deve depender do que cada um sente.

Cipreste disse...

" sem que tenham sido eles a decidir fazê-lo"

tocaste numa questão que me escapou no texto e à qual recorro sempre neste assunto, o consentimento
sei que hoje em dia os garotos não pensam nisto e o fb está pejado de selfies de meninas a posar como se foram Jane Mansfields, mas nada garante que um dia um filho não cobre aos pais a exposiação da sua imagem em crianças

não é um assunto simples nem linear, de facto
e eu não posso garantir como farei no futuro, é apenas a minha sensibilidade do momento :)

bj

JoanaM disse...

Tenho pensado muito nisso desde que tenho blogue e sou extremamente cuidadosa com as fotos que ponho, para que não sejam explicitas. No facebook ainda mais. Não quero ser paranóica, mas partilho as tuas reflexões, embora quem me conheça conheça o meu blogue e consiga identificar as minhas filhas, porque as conhece. Fico à espera das imagens não explicitas dos teus filhotes!

Cipreste disse...

:D e eu por vir postá-las!